O presidente da
AFBNDES, Arthur
Koblitz, deu
entrevista na
quarta-feira (10) ao
Programa Faixa
Livre. Na pauta, a
eleição para o
Conselho de
Administração do
BNDES, a nota da
Associação sobre a
divulgação pelo
governo de salários
e benefícios dos
empregados das
estatais, a crise
provocada pela
pandemia e o auxílio
emergencial e as
polêmicas
relacionadas à venda
da carteira de ações
da BNDESPAR.
Confira, a seguir,
trechos da
entrevista de
Arthur. Abaixo,
links para os áudios
da matéria
jornalística.
Eleição para o
Conselho de
Administração do
BNDES
“Fiquei muito feliz
com essa vitória.
Ela foi fruto do
trabalho que tenho
desenvolvido à
frente da Associação
dos Funcionários do
BNDES há quatros
anos e meio. Essa
eleição foi um
reconhecimento
importante desse
trabalho. Durante a
campanha, apresentei
uma agenda de
questões para a
minha atuação no
Conselho – questões
que preocupam muito
os empregados do
Banco. A atual
administração do
BNDES tem como
principais missões
reduzir
drasticamente a
BNDESPAR, acabar com
sua carteira de
ações, e acelerar a
antecipação do
pagamento dos
empréstimos de longo
prazo feitos pelo
Banco junto ao
Tesouro Nacional.
Uma violação da Lei
de Responsabilidade
Fiscal, abençoada
pelo TCU. Para
permitir isso eles
tocam uma agenda de
liquidação da
carteira de ações da
BNDESPAR. É preciso
fazer essa
resistência dentro
do Conselho, apontar
os riscos que estão
embutidos. É uma
política que não faz
sentido no momento
que a gente vive. O
natural seria usar o
BNDES no meio dessa
crise sanitária – e
da crise econômica
associada a ela –
para pensar um
programa de grandes
investimentos, de
financiamento à
infraestrutura, de
retomada da
industrialização. Ou
seja: um programa
que possa tirar a
gente da crise,
colocar o Brasil
numa situação de
reencontro com o
caminho do
desenvolvimento.
Mas, não. O Brasil
vive uma contínua
destruição do seu
tecido social. O que
estão fazendo é a
redução drástica do
Banco. O projeto
deles é transformar
o BNDES numa pequena
agência de fomento e
isso não interessa
aos brasileiros.
Para a gente é
visível a carga
ideológica que está
por trás desse
programa. A gente
sempre cita o
exemplo da Alemanha,
que tem um banco de
desenvolvimento
importante. Um país
que hoje talvez seja
a maior potência
industrial do mundo
ocidental e não
dispensa a atuação
de um banco de
desenvolvimento
voltado para as
necessidades do
desenvolvimento do
país, com papel
protagonista nessa
pandemia. Essa
agenda ‘Chicago Old’
é perversa para o
Brasil e o nosso
trabalho é fazer um
contraponto dentro
do Conselho – o que
é permitido pela
democracia. Há
muito
desentendimento
sobre isso, de que
uma vez eleito o
governo pode
implementar um
programa sem
discutir com a
sociedade, sem
detalhar suas
justificativas.
Quando assistimos a
essa venda acelerada
da
carteira
da BNDESPAR, vemos
que há o risco de
destruição
patrimonial, de
transferência de
patrimônio para o
setor privado. E
isso é muito grave.”
Nota da AFBNDES
sobre a divulgação
pelo governo de
benefícios e
salários de
empregados das
estatais
“Em primeiro lugar,
nós somos favoráveis
à transparência. Mas
o que a gente espera
de um governo
comprometido com o
Estado brasileiro é
que ele apresente
esses dados de forma
adequada,
contextualizada. E
infelizmente não foi
o que a gente viu
nessa divulgação dos
salários e
benefícios dos
empregados de
empresas estatais.
Não houve nenhum
esforço de
contextualização, de
explicação, de
defesa da
importância das
empresas públicas,
de como elas operam.
O que o governo fez
foi uma espécie de
revelação de
informações sobre um
‘inimigo’, como o
ministro Paulo
Guedes já se referiu
aos servidores
públicos. É assim
que eles enxergam os
que trabalham para o
Estado brasileiro. A
gente percebe que
não há um esforço de
explicação de que
essas empresas
estatais, pelo menos
as superavitárias,
pagam seus
empregados com base
nas receitas que
apuram em suas
operações. São
empresas lucrativas.
No caso do BNDES,
ele só possui um
acionista, que é o
governo federal. O
Banco tem sido uma
fonte importante de
receitas para o
governo através de
impostos, de
distribuição de
lucro, inclusive
para permitir
resultados fiscais
positivos. O
dinheiro que paga
os salários e os
benefícios dos
empregados
do BNDES não sai do
orçamento, ele sai
das operações de uma
empresa que é
rentável. O fato é
que o Banco funciona
há anos, já prestou
uma série de
serviços
fundamentais para o
país e gera lucros
muito expressivos
para o Estado
brasileiro. Com isso
eu não quero dizer
que a situação dos
servidores que
recebem recursos
diretos do orçamento
não mereça
consideração, mas
são situações
parcialmente
parecidas e
parcialmente
diferentes. A
essencialidade dos
serviços prestados
pelos servidores
públicos é uma
justificativa em si
para a necessidade
deles. Causa
estranheza também a
tentativa de colocar
os empregados das
estatais como
culpados. Qual o
sentido de um
governo que está
passando por uma
crise econômica
séria, que está com
problemas
orçamentários,
hostilizar as
empresas públicas
que têm capacidade
de alavancar
investimentos? O
governo tem poder
sobre essas empresas
para usá-las para
estimular o nível de
investimento e com
ele o nível de
atividade econômica,
de geração de
empregos. Ao invés
de reconhecer o
esforço dos
empregados do setor
público, pedindo
mais compromisso,
estimulando,
comandando o aparato
do Estado para tirar
o país da crise, o
governo está
querendo colocar
esse aparato estatal
como um espantalho,
algo que possa ser
usado para esconder
as falhas do próprio
governo na resposta
à crise. Eu acho
chocante como a
equipe econômica é
tão convergente com
o estilo do
presidente da
República. Para a
equipe econômica, as
questões não passam
por solução, passam
por apontar
culpados, algo ou
alguém para
responsabilizar pelo
seu mau desempenho,
que é evidente.”
“Outra questão
importante é que os
funcionários do
BNDES são
concursados, menos
os diretores, alguns
assessores e o
Conselho de
Administração, que é
um órgão supervisor
da Diretoria, com
nomeações apontadas
pelo governo. Mas o
corpo técnico do
Banco é formado por
pessoas concursadas.
E essas pessoas
fizeram concurso
conhecendo as
condições de
trabalho oferecidas
pela empresa, não
era uma coisa
secreta. E a atual
administração do
BNDES não é um
exemplo de
austeridade. No
final do governo
Temer, chegou a ser
reduzido o número de
diretores no Banco.
A gente tinha uma
estrutura bem enxuta
na diretoria. Eram
seis diretores, dois
deles com origem na
casa. A atual
diretoria é composta
por 10 membros,
inclusive o
presidente, todos
externos. E com
esses diretores, vêm
os assessores
externos. Então, nós
não temos um exemplo
de austeridade vindo
dessa administração.
Sobre os valores dos
salários do BNDES é
importante que o
público entenda que
o Banco é uma
instituição bancária
que não tem
agências, é
basicamente um órgão
de analistas na área
do desenvolvimento
econômico. O nível
educacional é
relevante. Quase
todos os
funcionários têm
formação superior –
1.700 possuem alguma
forma de
pós-graduação, 800
possuem mestrado,
cerca de 100,
doutorado. Isso num
corpo técnico de
2.500 funcionários.
Importante dizer que
95% dos salários
estão limitados ao
teto constitucional.
E a média salarial
no BNDES não é
diferente
da média de
outras instituições
que estão sujeitas
ao teto salarial do
governo federal.
Essas informações
precisavam estar num
documento realmente
comprometido com
esclarecimentos à
população – antes de
se abrir a discussão
sobre as condições
de trabalho nas
empresas públicas
brasileiras.”
Medidas de combate à
pandemia e o auxílio
emergencial
“Eu acho que a gente
deu muito azar por
termos uma equipe
econômica tão
inadequada para o
momento que a gente
passa. Imagine que
você vai fazer uma
reforma na sua casa
e contrata um
arquiteto de
vanguarda. No meio
do processo há um
movimento de
mudança. Agora se
quer alguma coisa
mais clássica, que
preserve
a
arquitetura antiga,
com o aproveitamento
dos móveis que já
existem naquele
lugar. Só que você
mantém contratado
para fazer a reforma
o mesmo pessoal que
ia fazer a obra
totalmente
pós-moderna. É
lógico que o
resultado não será
bom. E é isso o que
ocorre no Brasil. A
gente tem uma equipe
econômica que veio
com um programa de
austeridade, de
contração, de
redução do papel das
empresas públicas.
Esse programa era
equivocado em seu
diagnóstico, mas
legítimo, resultado
de um processo
eleitoral... Os
resultados são
pífios em relação ao
que era prometido e
aí vem a pandemia e
com ela uma crise
que exige, mais do
que nunca, a ação
pública, porque é um
fato histórico que
em situações de
grave crise, o setor
privado tende a se
amedrontar. É da
lógica da atuação
individual, das
incertezas, que o
setor privado recue.
E é nesse momento
que o Estado precisa
ter uma atuação mais
proeminente, que
aponte uma
orientação. Só que o
pessoal que ficou
responsável por isso
é bom em segurar
despesa. Eles têm
razões profundas
para achar que não é
o Estado que guia a
economia, que todos
os movimentos
importantes na
economia são
resultado da ação do
setor privado. O que
a gente consegue é
arrancar algumas
ações pela pressão
política. Esse foi o
caso do auxílio
emergencial. O
governo veio com a
proposta de 200
reais e ela acabou
em 600, mas por
pressão política,
não por um programa
governamental. O
momento é muito
ruim, principalmente
para as pessoas que
são mais pobres, com
menos condições de
conseguir emprego.
Se há alguma coisa
que a gente pode
arrancar de
esperançosa nesse
cenário é que o
fiasco econômico que
deve resultar dessa
orientação política
talvez ajude a
convencer a opinião
pública de que nós
precisamos tomar
outro rumo,
respeitando mais as
empresas públicas. E
que a imprensa saia
dessa prisão
intelectual
relacionada a esse
liberalismo que
tomou conta de quase
toda a mídia
econômica, que
passou a acreditar
piamente nesse credo
ultraliberal. Vejo
esperanças se nós
conseguirmos
resistir e
mantivermos as
instituições
importantes de pé.”
Reflexos das
eleições para o
comando da Câmara e
do Senado
“Quem ganhou essas
eleições não foram
os parlamentares
bolsonaristas, foi o
Centrão, que era o
suposto inimigo do
presidente da
República, da nova
política. Para quem
acompanha a
política, essa
promessa era
altamente suspeita.
Era muito difícil
para uma pessoa bem
informada acreditar
que o Bolsonaro
realmente pudesse se
transformar num
inimigo do Centrão.
A vida toda ele foi
ligado a essa força
política. O que a
gente está vendo é
que passado o tempo
o governo se rendeu
completamente a esse
grupo de forma
escancarada. E o
problema do Centrão
é que não se sabe
para onde ele vai,
porque ele não é
compromissado com
uma visão
ideológica, uma
visão de país. O que
é preocupante é que,
por conta do
consenso liberal que
se impôs no Brasil,
se aprofundem mais
ainda essas reformas
ultraliberais no
país. Eu não sei até
onde isso vai, mas
essa base do governo
é instável, ela pode
se mover. As ruas
são importantes. A
gente não sabe
quando o Brasil vai
se
normalizar, mas
quando as pessoas
puderem voltar às
ruas e protestar
contra a condução
que esse governo deu
ao combate à
pandemia, eu acho
que a gente vai
poder observar o
Congresso se movendo
contra o presidente.
Ainda vejo uma
esperança. Não acho
que está tudo
dominado.”
A carta aberta e o
debate sobre a venda
de ações da BNDESPAR
“O artigo (publicado
na Folha de S. Paulo
em 20/01) foi muito
polêmico e chamou a
atenção da opinião
pública sobre o
equívoco da venda
das ações da
carteira da BNDESPAR
nesse período da
pandemia. E
justamente o setor
do Banco que lida
com essa carteira de
ações, que era o
setor que estava
sendo defendido no
meu artigo, foi
mobilizado para se
posicionar contra
ele. A base disso
foi um suposto
equívoco meu no
destaque que dei
para a noção de
prejuízo com a venda
das ações. Eu
respondi à carta
aberta e obviamente
fiquei
surpreso com a
reação desses
empregados. Acho que
não fui entendido
por eles. E minha
função nos últimos
quatros anos foi
defender os
empregados do BNDES
e aqueles que
trabalham na área de
mercado de capitais.
A gente esteve à
frente de toda a
defesa das questões
que envolviam as
operações da JBS
junto à opinião
público e no
interior do Banco. O
artigo não sugere
nenhuma crítica aos
empregados. Ele é
uma crítica a uma
estratégia adotada
pela Diretoria e
pelo Conselho de
Administração do
Banco. Pelo que me
parece, esse também
foi o entendimento
da própria Diretoria
do BNDES, que
respondeu meu artigo
internamente se
achando atacada.”
“A estratégia de
venda das ações
coloca em jogo uma
instituição
importante, quase
cinquentenária,
que é a BNDESPAR,
que já prestou
vários serviços ao
país. A base do
desentendimento é
uma questão mais
técnica, que tem a
ver com o
significado de você
avaliar o equívoco
de uma estratégia de
venda olhando os
preços das ações no
futuro, depois que
aquelas decisões
foram tomadas. O que
eu tento argumentar
é o seguinte:
suponha que eu ajude
você a vender um
apartamento e daqui
a seis meses você
descobre que a
pessoa que comprou o
imóvel está vendendo
o apartamento pelo
dobro do preço. Com
base nessa
informação você pode
me condenar, pode
dizer que eu não
trabalhei bem? Que
eu não me esforcei
para vender o
apartamento bem?
Não, você não pode
porque várias coisas
podem ter acontecido
nesse meio tempo, um
boom imprevisível no
mercado de imóveis,
uma mudança na
região onde o
apartamento foi
vendido, que fez com
que houvesse um
aumento imprevisível
nos preços. Então, a
informação
retrospectiva não é
suficiente para você
questionar ou
condenar uma decisão
de investimento, mas
ela é sim um sinal
amarelo, um
indicador de que
alguma coisa
merece exame
– por exemplo, saber
se o que gerou
aquela mudança de
preço foi alguma
coisa imprevisível
ou se isso foi
decorrente de uma
estratégia mal
feita. Nesse exemplo
do apartamento, você
vai descobrir que a
primeira oferta que
me fizeram foi
aceita. Ou seja, eu
falei que ia vender
seu apartamento com
cuidado, mas adotei
uma estratégia
equivocada.”
“Eu aponto no artigo
(da Folha), e
esclareço com mais
elementos na
resposta à carta
aberta e em
editorial no
VÍNCULO, que nós
temos razões
concretas para achar
que esse indicador
de perda – eu chamei
de prejuízo, o
mercado financeiro
chama de ‘deixar
dinheiro na mesa’,
mas nenhum nome é
bom para quem está
sendo criticado –
resulta de uma
estratégia que levou
à venda precipitada
das ações. Houve uma
mudança na ação, uma
mudança de
normativos – os
empregados do Banco
executam esses
normativos, não são
responsáveis pela
estratégia – que
levou a uma
estratégia
perdedora,
equivocada. E essa
venda leva sim a um
prejuízo patrimonial
(o Banco está
vendendo essas ações
por um valor menor)
e a uma perda, mais
grave ainda,
institucional,
porque essa
estratégia de venda,
com mais dois anos
pela frente, vai
acabar com a
BNDESPAR. E o BNDES
e a estratégia de
desenvolvimento do
Brasil precisam
desse braço de
participação
acionária. Eu diria
mais: o mercado de
capitais brasileiro
precisa da atuação
da BNDESPAR para se
desenvolver. A gente
sabe que houve um
abuso dos órgãos de
controle no passado
de condenar
investimentos do
BNDES com base nessa
análise
retrospectiva... Mas
eu insisto no meu
artigo que quando os
ativos foram
vendidos eles tinham
expectativa de
valorização. Estou
louco para que essa
discussão avance,
para que realmente
exista um debate
sobre esse tema no
Banco. Eu gostaria
que as pessoas que
discordaram do
artigo topassem
debater”.
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entrevista de Arthur
Koblitz ao Programa
Faixa Livre.
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resposta do
presidente da AF
sobre o debate
relativo à venda da
carteira de ações da
BNDESPAR.
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