Janeiro
de 2023. Aos 78,
já fazem quase 12 anos que
deixei de comparecer
diuturnamente ao BNDES. A
patroa e nossa assessora doméstica
não gostaram, elas adoravam
quando eu saía
para o
Banco,
pois consideravam minha
presença um estorvo para a
arrumação do lar, varrição
da casa, além
de exigir o preparo de
refeições, alertas para
tomar os remédios,
gotas, pomadas, ocupação das
mesas com a papelada. Só que
foi impossível não atender
ao generoso incentivo do
Banco,
o Plano de Desligamento
Voluntário,
a gota d'agua para
precipitar a saída
em massa.
Hoje já sabemos que não
éramos insubstituíveis,
e somos instados a conviver
com restrições de entrada e
estacionamento no
Edserj.
Com o tempo, infelizmente
nosso contingente diminui a
cada ano que passa, bem
entendido, o bloco de
colegas que conviveram
monoliticamente unidos e
preservados durante os
longos anos sem concursos.
Lamentavelmente,
as doenças e a
Covid vêm
cobrando seu tributo, nos
levando colegas queridos tão
prematuramente.
Há tempos não
tenho ido ao Centro. A
pandemia transformou aquele
outrora pujante espaço quase
que em uma Cidade Fantasma.
A necessidade de obter guias
de multas e IPVA de toda a
família
(sempre sobra para mim...)
me fez rumar para a região,
aproveitando a calmaria de
começo de ano.
As filas são
imensas, mas essas são
as
únicas
horas em que vale a pena ser
idoso...
Logo
sou atendido, mas a funcionária
alega que tenho muitas
guias, e eles só podem
imprimir uma única. Certa
vez meu saudoso genitor me
mandou comprar uma passagem,
mas voltei com a resposta de
que estavam esgotadas.
Aprendi
então,
ainda criança,
que essas conversas nada
mais são
que a senha para informar
que sim, poderei ser
atendido mediante um certo
agrado... então
voltei lá no guichê
e como por milagre a
passagem apareceu. Dessa vez
não
foi diferente, e ao final
entreguei discretamente um
papelzinho dobrado para a
funcionária,
contendo o tal agrado.
Uma vez cumpridas as missões,
meus passos se perdem pelas
ruas outrora elegantes da
Belle
Époque
descritas por Joao do Rio e
fotografadas por Augusto
Malta. A chuvinha miúda, sem
pressa de parar, escorre das
nuvens que escurecem a tarde
triste. Carioca, Ouvidor,
Avenida Central, Uruguaiana,
algumas dão
até medo de tão
vazias, mais parecendo uma
Cidade Fantasma, tantas são
as lojas fechadas, como se
fosse um domingo. Em passado
recente chegava a ser difícil
esgueirar-se em meio
à
multidão.
Antigas lembranças do tempo
em que levado pela mão da
saudosa Mamãe,
junto com o irmãozinho
menor, percorria o Centro
pontilhado de lojas
tradicionais, como a
Perfumaria Kanitz, Casa José
Silva, Principe, Clark,
Sloper, Mundo dos
Brinquedos, Colombo, Casa
Cavé, Manon, lojas elegantes
em sua maioria
desaparecidas.
Quase que por instinto
caminho em direção
ao
Largo da Cruz de São
Francisco, onde ainda
altaneiro se ergue o antigo
prédio
de belas linhas
neoclássicas
no qual
estudei. Eterna Polytechnica,
no meu tempo a saudosa
Escola Nacional de
Engenharia da Universidade
do Brasil, hoje Escola Politécnica
da UFRJ, na Cidade Universitária
da Ilha do Fundão.
Prédio onde Dom Joao VI
mandou instalar a Academia
Real em 1811. Ainda é a
mesma edificação, pouco
mudou. Aqui se formaram
tantas turmas, entre elas a
minha, Turma Povo
Brasileiro,
de
1968.
Alma Mater da Engenharia
Nacional, capim e plantas
vicejam há anos pelos pisos
e paredes. Na tardinha
chuvosa do verão
quase-inverno
de janeiro, o prédio é o
retrato do Centro da Cidade,
pouco cuidado, vazio, escuro
e triste. Cidade Fantasma.
Prédio
Fantasma. Anos 60. Que
contraste com aquela tarde
luminosa, quando no meio da
multidão de candidatos
localizei meu nome na lista
dos aprovados no vestibular,
as folhas datilografadas
afixadas no quadro de avisos
do pátio interno! O prédio
cheio de vida, alegria,
esperança.
Passadas tantas décadas, de
pé naquele mesmo pátio,
cerrando os olhos pensativo,
vejo-me garoto, vibrando com
a aprovação. Com a agilidade
dos meus 18 anos, desço
correndo as escadas e sigo
depressa em direção à
Central, pegar o trem até
Madureira e de lá caminhar
até o Campinho. Logo chego
em casa para dar a boa notícia
aos meus saudosos genitores.
Não tínhamos telefone,
celular nem pensar ... Eles
me abraçam, emocionados,
imigrantes acolhidos aqui
nesta terra abençoada,
antevendo um futuro melhor
para o filho, diferente das
agrugras na Polônia
sofrida e gelada, onde o
“numerus clausus” barrava
sonhos.
Logo desperto das minhas
divagações
e
me entristeço com o prédio
coberto por antigas
pichações. As instalações
resistem, resta saber até
quando.
Mais uma breve caminhada, e
já estou adentrando o
Edserj,
pela Av.
Paraguai.
De novo vem as lembranças,
no silêncio
e solidão do prédio
que o trabalho a distância
mantém
quase vazio.
Era um final de tarde em
pleno verão. Da minha mesa à
janela do
Edserj
podia ver ao longe a densa
linha de cumulus-nimbus e
ouvir as trovoadas distantes
que prenunciavam o
aguaceiro. Logo o dia
escureceu, faiscaram os
relâmpagos, de repente tudo
ficava iluminado. A
chuvarada logo passou, o sol
voltando e permitindo a visão
do casario, das montanhas
distantes. Foi uma bênção
ter passado tantos anos
trabalhando naquela
supermesa
à
beira da janela. E pensar
que ainda nos pagavam para
estar ali, pensando o
progresso do Brasil.
Foram 36 anos...
Nem
todos a quem acompanhei
naquela jornada estão
mais aqui neste Vale de
Lágrimas. Uns partiram cedo,
logo nos primórdios,
outros prematuramente, nos
deixando a eterna saudade de
tempos felizes.
Valeu
a pena? Como ensinou o
piedoso cristão-novo
Fernando Pessoa, “Tudo vale
a pena/Se
a alma não é pequena". |
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