“Todos falam
sério
Todos eles levam
a sério
Mas esse sério
me parece
brincadeira”
(Rita Lee/Paulo
Coelho)
As pessoas que
trabalharam
comigo no Banco
sabem que nunca
acreditei por um
momento na
Operação Lava
Jato. Não por
ser um
entusiasmado
petista (mais
conformado do
que entusiasmado
na realidade)
como alguns
certamente
avaliavam. Mas
nunca acreditei
nem nos
propósitos, nem
na honestidade
dos paranaenses
envolvidos no
que pra mim
sempre foi um
ato de guerra
federativa
contra o
Nordeste. Ou
quem sabe de
racismo? Afinal,
não tivemos uma
rapper
paranaense
praticando a
mais deslavada
discriminação
contra as
pessoas de DNA
mitocondrial
indígena do
Nordeste na
intimidade do
BBB? Falando
nisso, minha
cara leitora,
atravessando as
fronteiras
sociais do
Brasil, Renan
Calheiros é
branco em que
lugar da América
Latina? A
América Latina
não se encaixa
no modelito
racial
americano, bem
como o Brasil
não se encaixa
bem em nenhum
dos dois.
E por isso por
vezes a tradução
literal da
política de um
lado para outro
não funciona.
Afinal, assim
como os
americanos
chamam de
football um
jogo onde
raramente se
chuta a bola, o
uso deles da
palavra liberal
é bem distinto
do restante do
mundo. Liberal
naquela língua
de gringo é
entendido como
oposto ao
conservador,
algo meio que
relacionado a
costumes, algo
como meio de
esquerda. Anos
atrás eu
traduziria
liberal para
tucano, quando o
PSDB ainda era
de
centro-esquerda
e dividia com os
democratas a
capacidade de
nunca ser
processado por
seus escândalos
de natureza
financeira. Mas
da loucura do
pré-golpe em
diante aquilo
que foi o
partido de
Covas, Montoro e
Serra se
transformou em
um gradual
colapso à
direita, não
restando de fato
mais nenhuma
liderança de
destaque (e não
me venham com o
derramado Leite,
aquele que
enquanto Liberal
Gaúcho,
Bolsonarista e
Tucano, Quer
Incluir Algo
mais?, postulou
a terceira via).
Num certo
sentido, os
Democratas,
condenados a um
presidente
senil,
incapaz sequer
de fazer uma
coletiva de
imprensa sem
perguntas
pré-programadas,
se encontram na
cilada parecida
de não ter
nenhuma
liderança
aparente que
possa
transcender ao
mundinho da sua
polity
estadual.
Assim como para
o Reinaldo
Azevedo, difícil
não se divertir
com a cassação
da candidatura
de Dallagnol.
Afinal, é a lei,
implacável lei.
Por mais que
ache (como o
Reinaldo) a Lei
da
Ficha
Limpa
algo escroto,
lamentável,
antidemocrático,
ainda assim é a
lei. A
democracia
produz
resultados
assim,
resultados que
não nos
entusiasmam,
resultados com
os quais a gente
se conforma,
leis absurdas em
nome da
moralidade dos
tempos.
Portanto, ver a
cabeça de
Robespierre
passar pela
máquina zero de
madame
guilhotina não
tem preço. Todo
tipo de choro
será feito por
esta fraude,
mas duvido que
um fio de peruca
se mova tentando
salvar Deltan.
Duvido que
lágrimas serão
derramadas em
público em
nostalgia aos
coquetéis
platônicos. O
próximo é Moro,
o patético Moro,
e por aí para,
creio.
Por que para nos
eleitos do
Paraná? Ah, aí
temos o problema
do conceito de
deep state.
O que é deep
state? No
Cambridge
Dictionary:
organizations
such as military,
police, or
political groups
that are said to
work secretly in
order to protect
particular
interests and to
rule a country
without being
elected:
The idea that
there is a deep
state governing
behind the
scenes is
dismissed by
some as a
conspiracy
theory.
Uma boa,
confortável
definição,
inclusive com o
alerta de que
isso é teoria de
conspiração,
“mexe nisso não
menino”. Falta o
Judiciário,
mas tem no
exemplo do
verbete.
No
Webster deep
state é definido
como:
an alleged
secret network
of especially
nonelected
government
officials and
sometimes
private entities
(as in the
financial
services and
defense
industries)
operating
extralegally to
influence and
enact government
policy
Podemos enxergar
essas definições
confortavelmente
nas mensagens do
próprio Dallagnol
nas conversas
desveladas na
Vaza Jato?
Hum... sim, um
conjunto de
funcionários
públicos
conspirando para
remover
determinado
grupo político
do governo. Como
limited
hangout que
foi (cadê a
conversa de
Deltan com Rocha
Loures na
véspera do Golpe
relatada na
Folha?)
na Vaza Jato,
se soube ao
menos como um
determinado
grupo de
procuradores
trabalhou para
incriminar e
derrubar o PT e
o presidente
Lula. Temos
também Sérgio
Moro
participando
várias vezes de
eventos do LIDE,
birosca de
convívio
empresarial
centrada em João
Dória. Temos as
boas relações
entre as
polícias
federais do
Paraná com esse
grupo de
procuradores,
algo que foi
alvo de ironia
de Jair Messias
quando da degola
de Moro.
Mas uma coisa
que a maioria
das pessoas que
usa o termo
desconhece é que
ele se
origina na
Turquia.
E lá:
The concept of
the deep state
can be traced
back to Turkey,
where an alleged
network of
military
officers,
intelligence
operatives,
policemen,
organized crime
figures,
academics,
journalists, and
politicians work
behind the
scenes as a sort
of shadow
government.
E nessa
definição nós
temos alguns
atores novos.
Nessa definição
aparecem os
jornalistas e os
políticos. Não é
mais uma
conspiração de
não eleitos da
burocracia de
Estado, mas uma
rede com muito
mais gente
interessante, e
muito mais
permanente. E
nela aparece a
expressão crime
organizado.
Não só de Deltan
vive o
desvelamento da
Lava Jato no
momento: há
também as
denúncias de
Tacla Duran e o
livro do
Odebrecht. E um
dos elementos da
denúncia de
Tacla, muito
mais do que os
processos de
extorsão tópica
praticados pelo
Judiciário
e por advogados
do Paraná, é a
venda de
proteção
continuada para
os doleiros, o
braço mais
visível e
socialmente
aceito do crime
organizado.
Crime organizado
não é só máfia e
milícia, são
também Comandos
além do
Vermelho.
Relembremos o
estranho caso do
helicóptero com
mil libras de
cocaína, que
acabou ficando
por isso mesmo.
Reinaldo Azevedo
mostrou
na época que a
conta não
fechava, não
tinha como o
helicóptero ter
feito aquele voo
sem umas
paradinhas. Essa
é uma pontinha
de um iceberg
que ninguém quer
ver desvelado.
Falar da
familicia é
fácil: um bando
cômico de
arrivistas,
falando bobagens
para salivação à
esquerda e à
direita. Encarar
o quanto os
tráficos, seja
de influência,
seja de
mercadorias
ilegais, seja de
divisas, opera
nas escuras
desse nosso
aparato público,
aí o buraco é
mais embaixo.
Uma ponta aqui
outra ali vez
por outra
aparece, mas
logo some.
Nas cores
trocadas de
quando se vai
para a terra do
soccer,
esta semana veio
finalmente à
tona o relatório
sobre o
Russiagate. Não
havia nada, não
havia
justificativa
alguma para a
acusação, sequer
para se começar
uma
investigação. O
governo Trump
ocorreu sob a
pressão dessa
acusação
fantasiosa
repetida
diariamente por
uma grande
imprensa que se
diz muito
preocupada com
fake news e com
a expansão de
uma mídia
alternativa
“antidemocrática”
de direita.
Nessas últimas
semanas também
se soube que
gente da ativa
da CIA esteve
envolvida na
originação da
carta de
ex-agentes de
inteligência
insinuando que a
história do
laptop do filho
de Biden seria
desinformação
russa. Toda uma
intervenção de
censura a essa
“fake new”
publicada por um
dos mais antigos
jornais
americanos foi
feita nas
plataformas. Só
que era verdade.
O deep state,
na concepção
turca da
palavra, operou
para derrubar
Trump.
Estamos muito
acostumados a
olhar a política
sobre o prisma
de
direita-esquerda,
sob o prisma das
propostas de
cada grupo. Num
certo sentido
isso é um erro:
há que se olhar
os atores, os
cui bonos,
as estruturas
que estão por
trás. Há que se
olhar o
concreto. Há que
se olhar que a
ação do deep
state contra
os diferentes
vermelhos em
cada lugar é
sintoma de quais
grupos estão
excluídos no
arranjo
neoliberal
local.