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O fim de uma negociação surreal (relato da experiência) – Parte 1

VÍNCULO 1420 – Registramos várias vezes nas lives realizadas pela Comissão dos Empregados o quão surreal foi a negociação do Acordo Coletivo de Trabalho de 2020. Como a experiência de negociação da atual diretoria da AFBNDES não é tão grande (participamos das três últimas), mais relevante para chegarmos a essa conclusão é a percepção dos colegas das entidades sindicais e das outras Associações de Funcionários. Eles nos garantiram: nunca houve nada parecido no BNDES ou no movimento sindical.

A Fenaban deve ter tido curiosidade em participar dessa “experiência”. Talvez para testar se poderia ser ainda mais implacável com os bancários do que costuma ser. Envolveu-se por isso, de forma inédita, numa mesa específica (a Mesa Fenaban negocia cláusulas gerais que valem para todos os bancos. O BNDES não participou da negociação conjunta. Mas todo banco tem uma mesa de negociação específica, que envolve particularidades de cada empresa. Representantes da Fenaban não atuam nessas mesas por razões óbvias).

Na fase inicial da negociação (as três ou quatro reuniões que ocorreram antes do Banco submeter suas duas propostas para o ACT), era o representante da Fenaban que fazia praticamente todas as intervenções. Um senhor que não sabia absolutamente nada sobre o BNDES pilotava a negociação pelo lado da administração.

Com o mesmo teor ofensivo e mal informado do documento da administração para justificar a proposta de Acordo rechaçada por mais de 97% dos empregados, assistimos longas preleções do representante da Fenaban sobre a situação econômica do país e sobre o absurdo dos altos salários do BNDES. Ele lia um texto e, por vezes, ficava longamente citando números e porcentagens. Queríamos conhecer o teor da proposta do Banco, eles não revelavam e nos obrigavam a ouvir a leitura de um texto sobre a “imoralidade dos salários do BNDES”.

Essas reuniões foram absolutamente constrangedoras. Mais até do que ofensivas. Uma humilhação para todos os quadros do BNDES que estavam presentes, especialmente para os colegas do Banco que representavam a administração.

Mas isso não foi o limite do surrealismo negocial. A participação da Fenaban nessa condição de denunciadora das condições salariais do BNDES perdurou na mediação no TST, mesmo após o Banco oferecer e ter sido aceita pelos empregados as propostas econômicas negociadas pelo movimento bancário. Estávamos no TST para negociar as cláusulas não econômicas, mas a administração registrava em ata sua indignação com os salários dos empregados do Banco.

Qual era o sentido disso? Indispor o Tribunal contra os empregados do BNDES?

O Banco dizia que queria desburocratizar o processo de demissão por “inadaptabilidade funcional” ou – o novo nome agora – por “insuficiência de desempenho”.

A natureza excessivamente burocrática do processo de demissão era evidente, na argumentação do Banco, nas poucas demissões que ocorreram no período de existência da cláusula. Argumentávamos que várias razões podiam justificar poucas demissões: falta de orientação de gestão e o fato de que o procedimento permitia a correção de comportamento dos empregados antes que eles fossem afastados.

Perguntávamos se eles já haviam dado alguma orientação de gestão no sentido de aplicar com mais rigor os mecanismos que já existiam e se se depararam com esses impedimentos burocráticos. Nenhuma resposta era articulada. Entendemos, assim, que eles nunca tentaram dar qualquer orientação de gestão.

Pedíamos que eles inserissem um parágrafo que esclarecesse aos empregados que, numa redação em que a demissão por justa causa não mais estivesse sujeita à ampla defesa e ao contraditório, isso não seria usado para subordinar a autonomia técnica do corpo funcional. Ou seja, queríamos uma sinalização de que não haveria um uso indevido da “insubordinação” – prevista como razão para a demissão por justa causa. Ainda que não pretendessem fazer tal uso da justa causa por insubordinação, como afirmavam, se recusavam a incluir tal parágrafo. Apenas com a proposta do mediador do TST aceitaram a inclusão do parágrafo sem fazer exigências adicionais.

A liberação de empregados para atuar nas Associações foi chamada de ilegal e imoral, depois apenas de imoral. Diziam-nos que se tratava de uma questão “principiológica”. Causava-nos estranheza que os supostos princípios nunca fossem mais bem explicados, parecia que nossos interlocutores acreditavam que ao decretar que uma questão era de princípio ela não precisava ser mais esclarecida.

A argumentação de ilegalidade nos foi transmitida com toda ênfase no primeiro período negocial (antes da mediação no TST). Depois de muito tempo negociando, nos foi confessado que este seria o grande impedimento para o Banco topar qualquer negociação sobre a cláusula. Contratamos um escritório trabalhista de renome para tentar mostrar para os nossos colegas que tal opinião não fazia qualquer sentido.

No esforço de contra-argumentar para viabilizar um caminho negocial, pesquisamos e descobrimos (registramos isso aqui no VÍNCULO e no documento com justificativas para a nossa contraproposta inicial) que na Caixa Econômica havia uma cláusula de liberação semelhante a que existia no BNDES – e o ACT da Caixa acabara de ser aprovado.  

Acreditávamos que com o respaldo de uma opinião legal fundamentada e o exemplo da Caixa nossos colegas recuariam em sua intransigência (para não mencionar o fato de que tal cláusula esteve presente no ACTs do BNDES desde sempre). Qual não foi nosso espanto quando a reposta que nos chegou foi tão evasiva quanto cínica: quem quisesse que fizesse concurso para a Caixa Econômica!

Além do exemplo prático do acordo da Caixa, que tinha acabado de ser reafirmado com a aprovação da SEST, o argumento da ilegalidade não sobrevivia (e não sobrevive) a um exame básico de bom senso. Como declarar ilegal algo celebrado num acordo cuja função é estender o que já é garantido em lei? E ainda mais sob o atual regime de prevalência do negociado sobre o legislado? Por fim, de tão absurda, a tese acabou sendo abandonada.  

E é interessante notar que o advogado contratado pelo Banco para negociar no período de mediação nunca usou o argumento da “ilegalidade”. Consequentemente, tal alegação não foi registada em nenhuma ata do TST.

Continuamos na próxima edição.

Associação dos
Funcionários do BNDES

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