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Em defesa da BNDESPAR

VÍNCULO 1426 – Ao longo das últimas semanas, acompanhamos atentamente o início da discussão, em alguns veículos de comunicação, sobre o prejuízo causado pela alienação de alguns ativos da carteira da BNDESPAR. Preocupados com a instituição, fomos checar os dados e em vez de selecionar somente três ativos para calcular o prejuízo (base de um dos artigos), decidimos fazer a conta com todos os ativos desinvestidos ao longo do ano de 2020, de modo a não “selecionarmos” uma amostra com viés ao nosso argumento. Foi nessa abordagem que alcançamos o prejuízo de R$ 12,2 bilhões. “Prejuízo” está definido aqui da seguinte forma: quanto o Banco teria a mais no seu ativo se não tivesse vendido as ações em 2020, utilizando a cotação de 08/01/2021. É a mesma definição que foi expressamente utilizada no artigo de minha autoria publicado na Folha de S. Paulo. Claramente, essa não é a definição contábil de prejuízo.

O desastre da condução do governo durante a pandemia acabou por retardar a recuperação de preços do mercado de ações. Mas isso vai ocorrer eventualmente e o óbvio erro estratégico de vender quase 50 bilhões de ações num período de crise vai ficar ainda mais escancarado. Como diz o título do artigo, trata-se de um erro de estratégia. Estratégia determinada pela Diretoria e pelo Conselho de Administração do BNDES. Os técnicos do BNDES trabalham sob os parâmetros fixados pela estratégia, ou seja, é totalmente possível desenvolver uma análise crítica da estratégia sem imputar imperícia, incompetência ou má-fé aos mesmos. A discussão aqui faz o contrário do que reclamamos nas críticas feitas no passado recente. Não estamos evitando o debate sobre a política pública sugerindo qualquer tipo de desvio de conduta dos técnicos do Banco etc. Estamos debatendo o mérito de uma política pública, de uma estratégia.

Estratégia elaborada pela mesma administração que resolveu se omitir na terça-feira diante de um julgamento do TCU que decidiu pela ilegalidade dos aportes do Tesouro no BNDES e deu 60 dias para o Banco apresentar um cronograma de devolução dos recursos. Desconsiderando toda a defesa que o BNDES tinha formulado para a legalidade dos aportes e não aproveitando o espaço que o TCU dá para a instituição se pronunciar nesses julgamentos. Pois o BNDES, orientado pelos mesmos estrategistas que liquidam a BNDESPAR, resolveu se omitir.

A AFBNDES tem denunciado essas duas estratégias como parte de um plano mal disfarçado de desmonte do BNDES. Minha candidatura para o CA foi centrada nessas duas questões. Pedi para o Conselho de Administração não tomar decisões relacionas a esses temas antes de minha posse formal (ver carta aberta ao Conselho de Administração nesta edição do VÍNCULO).

O prejuízo calculado é uma forma poderosa de chamar atenção para o que está acontecendo. Um indicador de que algo precisa ser examinado, revisto, com mais cuidado. Isoladamente, sem um contexto, não pode ser corretamente julgado. Como é argumentado no artigo, poderia haver circunstâncias que justificassem a venda acelerada.

A atual Diretoria concorda com a necessidade de apresentar justificativas para o processo acelerado de venda. É o que pode se depreender de suas manifestações públicas. Fez questão de apresentar argumentos como mudança na composição da carteira (menos Petrobras e mais saneamento etc.) ou supostos riscos a que o BNDES estaria sujeito para justificar a venda acelerada. Como o artigo afirma, esses argumentos não ficam de pé.

O que o artigo procurou mostrar foi que essas vendas foram feitas sem que houvesse qualquer política de reinvestimento, ou seja, não se mudou a composição da carteira, houve apenas seu drástico encolhimento. Do mesmo modo, as receitas com as vendas não foram usadas para o combate à epidemia, ou para o investimento em saneamento.

Não há dúvida que os técnicos do BNDES, incluindo os que estão na área de mercado de capital, não ficam à vontade com essa política de liquidar a BNDESPAR.

Isso também foi documentado pela imprensa. Em 2019, quando afastaram a superintendente da Área Jurídica por discordar de uma primeira versão da metodologia liquidacionista, os empregados protestaram num ato público no térreo do Banco. Tal ato acabou levando ao afastamento do diretor André Laloni. Atrasamos o processo, mas ele foi retomado alguns meses depois pelo restante da Diretoria com total apoio do Conselho de Administração. Com a saída de André Laloni abortou-se uma forma de realizar a estratégia liquidacionista: não dava para atropelar os normativos do Banco. Esses teriam que ser completamente alterados de forma a viabilizar a estratégia.

O arcabouço normativo para viabilizar a estratégia conta com dois componentes fundamentais. O primeiro teve como base a noção de que o Banco estaria sob grande risco caso atravessasse uma crise pelo fato da carteira ser muito concentrada. Essa noção foi operacionalizada usando-se o VAR da carteira (medida de risco) que seria muito alto e similar ao de Hedge Funds.

Numa simples canetada, o limite de risco que o Banco deveria respeitar foi, do dia para a noite, baixado a uma fração do valor que vigia antes, levando a uma forte pressão de venda.

Na primeira e única reunião que tivemos com o presidente Montezano, ele expôs essa teoria e repliquei que o argumento me parecia pouco convincente. Afinal, o Banco já havia passado por diversas crises com essa mesma carteira, sempre tendo resultados negativos de curto prazo que, em seguida, eram superados por relevantes resultados positivos para o Sistema BNDES.

Essa posição está respaldada em análises produzidas pelos técnicos da AMC (https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/mercado-de-capitais/resultados-carteira-renda-variavel-bndespar), onde é demonstrado que, entre dez/2001 e set/2020, apenas as 16 maiores participações do BNDES geraram resultado positivo para o sistema em R$ 103,5 bilhões.

Apenas Petrobras e Vale, as duas maiores, foram responsáveis por praticamente metade deste valor. A crise sanitária pela qual estamos atravessando veio corroborar esse histórico, com a carteira de ações se recuperando de forma vigorosa após uma forte queda no início da pandemia (poderia estar em uma posição ainda bem melhor caso não houvesse esse desinvestimento cavalar feito 2020).

Ainda mais importante, como é afirmado no artigo na Folha, o “elevado” VAR da carteira não tem a relevância assumida pela Diretoria dado que a BNDESPAR não opera fundos líquidos e, portanto, não está sujeita a resgates imediatos de investidores de curto prazo. Ou seja, não faz qualquer sentido comparar o VAR da carteira da BNDESPAR com o VAR da carteira de fundos líquidos.

Historicamente, a gestão do VAR da carteira da BNDESPAR foi tratada com acompanhamento e análises profundas dos ativos da carteira, bem como mensuração dos seus valores potenciais futuros, sempre sendo tema debatido dentro da governança da Casa e também com órgãos externos fiscalizadores. Como pode ser percebido, era fundamental ter análise dos ativos para gerir essa carteira.

Em resumo, o resultado dessa primeira premissa estratégica foi priorizar a venda dos principais ativos da carteira e não dos ativos com preços mais atrativos vis-à-vis seu valor percebido no momento.

A segunda premissa adotada pela estratégia da Diretoria foi reduzir muito o peso dado à técnica consagrada de avaliação dos ativos preparados pelas equipes (valuation), assim como encomendando análises de sensibilidade demasiadamente conservadoras para demonstrar faixas de incerteza tão grandes que poderiam justificar a alienação de qualquer ação mesmo aos preços vigentes de um mercado em crise. Em síntese, foi criada uma metodologia (conhecida como Football Field) para permitir a venda de empresas da carteira ao contrário do que indicaria a técnica amadurecida ao longo de diversas gerações da BNDESPAR.

Toda essa discussão acima e no artigo na Folha evita entrar no debate sobre a composição da carteira da BNDESPAR que é tão criticada. A razão disso foi exatamente separar a discussão sobre diferentes opções legítimas de política pública da discussão sobre a execução de uma estratégia que é tão equivocada que para ser implementada não pode ser discutida e exige o afastamento em massa de técnicos de uma área. Ou seja, ao contrário do que é dito, evitou-se entrar no debate “ideológico” ou de estratégias alternativas de desenvolvimento. A liquidação da BNDESPAR não é uma estratégia legítima. Certamente, não o é com os argumentos até agora apresentados. Se há disposição para debater publicamente o assunto, se a Diretoria gosta do debate (ver nota nesta edição sobre a suspensão do uso do quadro de avisos pelas Associações), a AFBNDES também gosta. Já sentamos antes, Diretoria do Banco e AFBNDES, para debater a TLP, por que não fazemos o mesmo em relação à estratégia sobre a BNDESPAR? Que melhor forma teria a Diretoria de responder a quaisquer insinuações do que apresentar publicamente um argumento sólido em favor da estratégia que resolveu adotar?

Dito isso, alguns registros devem ser feitos sobre a composição da carteira da BNDESPAR. Por exemplo, fala-se do absurdo do excesso de Petrobras na carteira abstraindo-se que essa empresa fez mega investimentos para viabilizar o pré-sal do país e que a BNDESPAR ajudou decisivamente a viabilização desses investimentos. Abstrai-se também a discussão sobre a importância de manter o controle da Vale com predominância nacional. Essas questões precisam ser examinadas criticamente, mas não podemos fingir que elas não existiram. Finalmente, a carteira da BNDESPAR gerou relevantes resultados financeiros históricos e permitia que o Banco exercesse seu papel de incentivador de boas práticas de governança.

Arthur Koblitz, presidente da AFBNDES

Associação dos
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