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Retornando ao passado para compreender o presente e transformar o futuro

Viagem à Pequena África

Deborah Passos, Fernanda Fernandes, Renata Braga, Roberta Azevedo e Rosana Nascimento (*)

VÍNCULO 1536 – Num sábado de sol, típico de um verão tardio que insiste em fixar residência no Rio de Janeiro, nos reunimos para fazer um circuito histórico. Caminhamos por ruas antigas da região portuária da cidade “maravilhosa” para conhecer um pouco mais sobre a história dos nossos antepassados e sobre nós mesmos. Somos parte de um grupo de benedenses refletindo sobre a diversidade étnico-racial dentro e fora da Casa.

Vivenciar a experiência do Circuito Histórico da Pequena África foi um evento importante de conexão e fortalecimento entre pessoas que se conheciam pouco, mas que carregam trajetórias de muita luta, preconceito e superação. No Circuito, percorremos os caminhos tortuosos seguidos por nossos antepassados ao chegarem nas terras brasileiras e relembramos as violências enfrentadas por eles em vida e após a morte, quando seus corpos eram descartados como objetos. Tivemos a oportunidade de refletir sobre como as agressões a que eles foram expostos há alguns séculos ainda impactam na vida dos seus descendentes e deixam as suas marcas atualmente.

O retorno a esse período sombrio nos fez pensar sobre como o passado e o presente estão intrinsecamente ligados, já que ainda hoje encontramos pessoas negras vivendo nas ruas, expostas à violência e à fome, abandonadas à própria sorte e sujeitas a uma cultura escravista nas relações cotidianas. É inevitável a empatia e a reflexão sobre como vivem seus descendentes na atualidade e como nosso país precisa trabalhar para melhorar as condições de vida do povo negro, oferecendo educação, oportunidades e, acima de tudo, dignidade a esses cidadãos muitas vezes invisíveis.

Especialmente, como funcionárias do BNDES, nossos corações vibram e sentimos uma enorme vontade de trabalhar para que essas mudanças efetivamente ocorram. A iniciativa do presidente Aloizio Mercadante em patrocinar a criação de um museu para contar a história do Cais do Valongo (principal porto de entrada de africanos escravizados no mundo), cujo valor como memória da violência contra a humanidade, representada pela escravidão, é inestimável, nos fez enxergar com outros olhos o Largo da Prainha, onde os negros resistiam, se comunicavam e ajudavam uns aos outros nas fugas, a Igreja de São Francisco da Prainha, a Escola Padre Dr. Francisco da Motta e a Pedra do Sal – locais históricos nos quais o samba, a resistência, a criatividade e a criação marcam presença. Fomos ao Jardim Suspenso do Valongo, localizado no Morro da Conceição e construído em 1906 na gestão do prefeito Pereira Passos, que mostra como “maquiaram” a cidade para tentar apagar todo e qualquer vestígio da herança negra no lugar conhecido como Pequena África. Mesmo sabendo que, até poucos anos antes, logo abaixo, nos sobrados da Rua Camerino, africanos escravizados eram comercializados, objetificados e desumanizados.

Durante o percurso, também conhecemos o Armazém Docas Dom Pedro II – projetado pelo engenheiro negro André Rebouças e erguido na segunda metade do século XIX, e a Praça da Harmonia. Finalizamos o circuito no Cemitério Pretos Novos, local onde os restos mortais de dezenas de milhares de negros e negras que – após sequestrados e separados de suas famílias, não resistiam à longa travessia e aos maus tratos impostos – eram descartados, queimados e amontoados como meros objetos, sem qualquer demonstração de respeito ou consideração às suas memórias. Percorrer esse trajeto é uma oportunidade única de conhecer a história de resistência desse povo, fortalecer as responsabilidades históricas e reconhecer a incomensurável contribuição dos africanos e seus descendentes à formação e ao desenvolvimento cultural, econômico e social do Brasil e do continente americano.

As situações pelas quais já passamos e ainda enfrentamos como pessoas negras perpassam as desigualdades resultantes de um legado de escravidão e racismo em nosso país. Conhecemos muito bem os desafios e as dores que precisamos enfrentar e superar diariamente. Compreender a história por trás disso tudo nos une e nos faz reconhecer, perceber e saber quem realmente somos. Temos o direito de resgatar a nossa verdadeira memória que, por muito tempo, permaneceu apagada e foi propositalmente substituída por uma visão distorcida do que realmente aconteceu. Assim, poderemos aprender, desenvolver e multiplicar saberes! É tempo de trazer à tona o que pode fazer-nos sentir verdadeiramente parte dessa sociedade, compreendendo o quanto o povo negro contribuiu e ainda contribui para o desenvolvimento do nosso país e que tudo isso precisa ser reconhecido. Estamos num momento de autoconhecimento, de valorização da cultura, de busca de pertencimento, de resgate e de respeito!

Falar em Circuito Histórico pode parecer que estamos nos restringindo ao passado e ao sofrimento vivido pelos negros escravizados, mas não! Estamos tratando de presente e futuro! Ainda vivenciamos esse legado escravagista e racista diariamente em diversas situações.

O racismo que permeia a sociedade passa por questões históricas, mas há quem, ainda hoje, tente ocultá-lo dizendo que ele não existe ou é apego ao passado. Mas ele é real e deve ser enfrentado com educação antirracista para toda e qualquer pessoa, independente das inúmeras diferenças e características pessoais. Falar de racismo e equidade racial não é um assunto de negros! É um assunto de todos! É urgente evoluirmos em aprendizados sobre letramento racial, percebendo como as relações raciais refletem nossa sociedade e, assim, trabalharmos perspectivas antirracistas em todos os espaços que convivemos.

Hoje, encontramos no BNDES um espaço para o diálogo nos campos da diversidade, da equidade e da inclusão e nos vemos motivados a trabalhar em busca de resultados positivos para o Banco e para a sociedade. Honramos a luta dos nossos ancestrais, reverenciamos o seu legado e estamos preparados, unidos e dispostos a seguir contribuindo na construção de um futuro melhor e mais justo para todos os brasileiros!

(*) Esse texto reflete a opinião de suas autoras e não necessariamente do grupo que participou do Circuito. 

► Leia também o artigo “Somos todos racistas”, de Rogerio Plank, nesta edição do VÍNCULO.

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