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Interesses econômicos, a MP 777 e a saída do carrasco

Thiago MitidieriPresidente da AFBNDES
Vínculo 1255 – Na última sexta-feira (7), os diretores Vinicius Carrasco e Claudio Coutinho pediram demissão do BNDES. Os dois diretores, que chegaram com a ex-presidente Maria Silvia, participaram diretamente, junto com seus pares no Ministério da Fazenda e no Banco Central (Bacen), da elaboração da Medida Provisória 777, que acaba com a TJLP e põe no seu lugar a TLP (atrelada à NTN-B).

A saída dos diretores ocorreu após entrevista do atual presidente da instituição, Paulo Rabello de Castro, no mesmo dia, manifestando posição contrária à medida. A situação tornou insustentável a permanência dos dois diretores que se sentiram “desconfortáveis” nos cargos e pediram demissão.

A divergência em torno da MP 777 envolve um antagonismo entre diferentes interesses econômicos (vested interests), que se desdobra também em uma disputa no âmbito do Estado brasileiro sobre o sentido da medida do governo, particularmente no atual momento de grave crise com 14 milhões de desempregados no país.

Os interesses do agrobusiness, da indústria e do setor financeiro se encontram em posições divergentes, uma vez que as consequências do fim da TJLP para cada “setor” são muito diferentes. A oposição entre o setor produtivo e o financeiro demarca o lado de quem perde e o de quem ganha com a MP 777.

O setor produtivo empregador sairá perdendo. Ganha o setor financeiro privado nacional e internacional que passará a ter o controle quase absoluto sobre o crédito no Brasil. No âmbito do governo, prevalece a “vontade” da Fazenda e do Bacen. Perde o BNDES com a eliminação do seu principal instrumento para ser um Banco de Desenvolvimento. E perdem a economia brasileira e o país.

Com a determinação da autoridade monetária de que a Selic (pós-fixada) deva ser a taxa básica de juros de política monetária e praticada em nível elevado para controlar a inflação, a TJLP foi uma solução engenhosa (e compensatória) para que o investimento de longo prazo e a indústria no Brasil não fossem aniquilados no pós-Plano Real.

A MP 777 pune o setor produtivo porque cria mais barreiras para o investimento, encarecendo o custo do financiamento e aumentando o seu risco. Reduz a competitividade da indústria brasileira, especialmente a de bens de capital, favorecendo a concorrência estrangeira. Também prejudica as empresas que mais precisam de crédito ao inviabilizar o Cartão BNDES, produto inovador voltado para o conjunto de micro e pequenas empresas brasileiras e que cobre todo o território nacional.

No caso da infraestrutura, observa-se em todo o mundo, mesmo em países onde o mercado de capitais privado de longo prazo é desenvolvido e as taxas de juros são historicamente baixas e estáveis, que o “mercado” não tem apetite para financiar investimentos em infraestrutura. Segundo a Abdib (Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base), o déficit brasileiro no setor corresponde a R$ 3 trilhões.

O setor não é atrativo o suficiente, uma vez que o prazo de maturação dos investimentos é muito longo e o retorno sobre o capital investido é bem mais modesto. As dificuldades (e as formas) de se financiar o setor de infraestrutura no mundo todo revelam os limites do mercado.

E, em que pese essa realidade, o maior obstáculo ao desenvolvimento do mercado de capitais privado de longo prazo no Brasil não é nem o BNDES e nem a TJLP; mas sim a Selic, por ser uma taxa de juros básica muito elevada e operada de forma descoordenada. A Selic é a maior anomalia da economia brasileira, fruto de uma política monetária insensível ao lado real da economia, e principal responsável pelo “problema fiscal” da União.

É importante que fique claro que os funcionários do BNDES se opuseram e rejeitaram a proposta de extinção da TJLP em assembleia realizada em abril deste ano. Uma vez que o seu propósito vai contra o papel do BNDES como Banco de Desenvolvimento.

A elaboração da proposta, capitaneada pelo ex-diretor Carrasco, foi muito discutida com a Fazenda e o Bacen, mas não com o BNDES, enquanto instituição que possui identidade e missão próprias. Está claro pela proposta qual é o “desejo” da Fazenda e do Bacen. No entanto, as partes mais afetadas pela MP 777 não foram ouvidas, a começar pelo BNDES.

O teor da MP não é nenhuma novidade. Remonta a ideias, debatidas há mais de 10 anos, do economista e banqueiro Pérsio Arida, que, curiosamente, foi um dos criadores da TJLP. Com a chegada de Henrique Meirelles à Fazenda (após passar 4 anos no grupo JBS, dos irmãos Batista) e de Ilan Goldfajn no Bacen (procedente do banco Itaú), a proposta ganhou corpo, e com o apoio da ex-presidente do BNDES, Ma-ria Silvia, foi formalizada por meio da MP 777.

Que se diga como um alerta à sociedade brasileira que essa medida é uma “inversão de prioridade” da política econômica. Pois, no momento que o país mais precisa de um Banco de Desenvolvimento para financiar investimentos que possam contribuir para retomar o crescimento da economia, o governo está decidindo imobilizar o BNDES, cuja consequência será afundar a economia brasileira ainda mais na recessão.

A função primordial de um Banco de Desenvolvimento é financiar a criação de ativos produtivos e riqueza real nova. E a TLP, que pela MP substitui a TJLP como taxa de referência dos créditos do BNDES, possui características diametralmente opostas àquelas necessárias para viabilizar o investimento de longo prazo em projetos de desenvolvimento que possuem fortes externalidades positivas para a economia.

A irresponsabilidade da equipe econômica fica evidenciada pelo fato de que não houve previamente à edição da MP a elaboração de estudos e análises de impacto sobre as consequências do fim da TJLP para o investimento de longo prazo (em especial em infraestrutura), a competitividade da indústria, o nível de emprego, o apoio às MPMEs e, especialmente, para o BNDES enquanto Banco de Desenvolvimento.

A MP 777 na atual conjuntura é imprópria, considerando-se a relevância da TJLP para a economia real brasileira. Mas o jogo é pesado. No momento em que o presidente do BNDES, Paulo Rabello de Castro, sinalizava preocupações com as consequências danosas da medida, os interesses econômicos que se beneficiam dela começaram a se rearticular politicamente e, de modo habitual, a dirigir sua “artilharia” para provocar o recuo do presidente, o que acabou acontecendo ontem (12), um pouco antes de ser iniciada a primeira audiência pública sobre a MP. E não será novidade que voltem a se intensificar, na imprensa, os ataques ao BNDES e a seus funcionários com matérias requentadas – e polêmicas – já esclarecidas.

O desfecho da Medida Provisória, que se dará no Congresso Nacional dentro de um mês, deixará patente o peso dos diferentes interesses econômicos dominantes no país e quais os cenários possíveis para o desenvolvimento e o futuro da economia (e da sociedade) brasileira, que com a MP 777 encontram-se ameaçados.
Associação dos
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