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O Planeta dos Macacos é Agora

Eduardo Debaco – Economista do BNDES

Vinculo 1410 – No clássico do cinema de 1968, baseado no livro de Pierre Boulle, de 1963, que também já foi seriado, regravado e continuado diversas vezes, uma cápsula espacial com astronautas americanos cai em um planeta dominado por símios após entrar em um buraco de minhoca. A perplexidade toma conta da tripulação, que pensa ter viajado milhões de anos-luz e encontrado um mundo distópico onde os seres humanos são escravizados por orangotangos e chipanzés muito fortes e muito burros. Como o mito social moderno estabelece que a inteligência supera a força, os humanos são oprimidos e mantidos analfabetos pela espécie dominante. A chegada de americanos inteligentes produz o início de uma revolta organizada, com o apoio de membros da intelligentsia primata. Por fim, descobre-se que, na verdade, spoiler alert, eles não viajaram no espaço, mas sim no tempo e aquele planeta é a Terra, sim a terceira pedra depois do nosso Sol, só que em um futuro não muito distante. 

As semelhanças com o mundo atual são muitas, mas a vida imita a arte com adaptações. Nos dias de hoje seria difícil imaginar uma sociedade privada da leitura e da escrita, então elas foram convertidas nos instrumentos de dominação. Como o analfabetismo em todo o mundo é, cada vez mais, uma anomalia, não que não exista em percentuais assustadoramente altos para o século XXI, a elite planetária encontrou a fórmula para utilizar a própria palavra escrita para o emburrecimento de todos. Antes que alguém me acuse de ser vago, a elite planetária tem nomes, atualmente o mais notável é Elon Musk, que disse que derruba quantos governos quiser, como fez com o governo eleito da Bolívia, país detentor das maiores reservas de lítio do mundo, insumo fundamental para os planos do megaempresário. Por que ele fez isso? Ora, o próprio Musk foi claro, porque pode e para assegurar que a elite fica mais rica à custa do aumento da pobreza e da desgraça da imensa maioria da população. 

E qual seria a fórmula para o emburrecimento com o uso da palavra escrita? O negacionismo é um movimento que vem ganhando força nos últimos 10 anos e teve suas maiores vitórias com as eleições de Trump, Bolsonaro e o Brexit. Com o terraplanismo vigente, as pessoas são convencidas a não escutar mais a Ciência e a razão. No mundo contemporâneo, os argumentos já não são necessários para ganhar um debate, uma eleição ou para se tomar qualquer decisão importante. A Diretoria do BNDES, por exemplo, não explicou até agora porque não quer renovar as cláusulas não-econômicas do nosso ACT (Acordo Coletivo de Trabalho) porque é isso o que eles querem, não ter que dar mais explicação do que fazem, quer dizer: são cláusulas que simplesmente ditam que decisões e mudanças importantes feitas pela administração sejam previamente informadas e debatidas com o corpo funcional. 

A verdade é que todos somos um pouco culpados, sem distinção. Quem nunca cedeu à tentação de emanar uma decisão ou cumprir uma determinação sem a devida explicação? A arbitrariedade e o autoritarismo existem em todas as sociedades e grupos sociais, mesmo nos mais democráticos. No entanto, é do Estado democrático e de direito que a outra parte, por mais humilde que seja, se assim desejar, terá como levar a questão adiante e conseguir, pelo menos, uma justificativa razoável para decisões que lhe afetem. 

Isso já não é mais assim, tanto em questões corriqueiras do dia a dia quanto nas grandes questões nacionais e planetárias. Basta fazer um meme e desqualificar o argumento do adversário, não precisa citar nenhum cientista que dedicou a vida toda ao assunto ou um filósofo reconhecido. Os dados do INPE são falsos! As queimadas são obra dos índios! Na natureza existem incêndios, isso é normal! A auditoria do Fundo Amazônia comprovou irregularidades! Esse jogo até poderia ser democrático, já que todos podem argumentar através de galhofas, mas a guerra de memes acaba em empate ou na vitória dos robôs e, no final, quem tem poder fica livre para decidir de forma arbitrária e autoritária. 

Com isso, estamos em um continente onde presidentes já não são mais necessariamente eleitos, podem ser autoproclamados, como aconteceu na Bolívia, com interferência de Musk, conforme o mesmo admitiu, ou na Venezuela, como pretexto para bloquear toneladas de ouro depositadas no Banco da Inglaterra e se apropriar das reservas naturais do nosso vizinho. No caso da Bolívia, a eleição foi tão fraudada pelo MAS (Movimiento al Socialismo) que hoje, mesmo com o principal candidato barrado da disputa (como aconteceu no Brasil), o movimento ganharia novamente a eleição e no primeiro turno. Então como a autoproclamada Jeanine Añez ainda está no poder? Quer dizer, na Bolívia, a esquerda precisa ganhar duas vezes a eleição para, talvez, levar uma. A fórmula ficou tão confortável para a extrema-direita que Trump, no debate de ontem (29/9), já deu indicações de que, se perder, cenário mais provável no dia de hoje, pretende se autoproclamar Presidente dos EUA. 

Conclusão: o mito social contemporâneo de que a pena fere mais do que a espada não se aplica ao presente contexto continental e estamos cada dia mais perto de sermos dominados por chimpanzés e orangotangos.          

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