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Relatos da Quarentena… de um aposentado há 10 anos

Melvyn CohenAposentado do BNDES

Lá se vão quase longos 30 dias do início dessa famigerada quarentena… 

Vínculo 1388 – Tínhamos, eu e muitos amigos, uma grande reunião marcada para comemorarmos 50 anos de nosso ingresso na EPCAR (Escola Preparatória de Cadetes do Ar)… Fazemos esse grande encontro a cada cinco anos, sempre na Escola, em Barbacena (MG). Éramos originalmente 345, agregaram-se outros no CFPM (Curso de Formação de Pilotos Militares) e na AFA (Academia da Força Aérea) e subtraíram-se outros que partiram mais cedo dessa vida, ou nem tão cedo…  

Mas o fato é que o adiamento desse evento, programado há anos – talvez há 50 –, foi um primeiro marco desses novos tempos para nós. O encontro começaria no dia 19 de março e até o dia 15 estava CONFIRMADÍSSIMO, mesmo com a desistência explicitada por alguns poucos, que se manifestaram anunciando “forfait” antecipado – e advertência de outros no estilo “vai dar merda”. 

Nessa semana ainda saí para almoçar com um amigo que chegara do Canadá recentemente, mas não sem os alertas dos filhos após denúncia da esposa… Quando ele chegou?  Já tem mais de 15 dias? No Canadá também tem surto de Covid-19! Não podem deixar para depois?… Enfim, ainda dava para argumentar e fui ao tal almoço. Meu amigo canadense, já precavido, anunciou que me cumprimentaria com os pés, ou no máximo com os cotovelos… Achei engraçado, ainda não havia passado por isso na real, só nos memes recebidos. Era dia 16… quando publicaram também no WhatsApp o cancelamento do nosso Jubileu (o tal Cinquentenário da Turma). Nesse dia também cancelaram uma reunião de condomínio que aconteceria na noite do dia 17. E, a partir daí, estávamos, eu e a família, em quarentena. Ainda fui a Botafogo pegar um exame médico que fizera na semana anterior… Fui de carro e álcool em gel, mas o exame não estava assinado, pois o médico não fora ao consultório – já vazio, por causa da “situação atual”…  Aí a ficha caiu. 

Somos um núcleo familiar com uma mãe (93 anos), casal, 3 filhos casados e 5 netos (com o sexto previsto para junho). Todos moramos no mesmo bairro, em casas diferentes, mas praticamente na mesma latitude e longitude; o mais distante mora a menos de 900 metros dos demais. As aulas foram suspensas nessa (naquela) semana. Fui dispensado até do meu dia da semana de levar os netos à escola. Já nessa semana foram suspensos, em nome de nossa (dos avós) preservação e saúde, os contatos físicos (o silêncio em casa foi ensurdecedor) e foram-se junto as correrias pela casa, as brincadeiras e as refeições em conjunto. Os tradicionais almoços de Domingo, que também já estavam envolvendo algum “stress” (afinal são muitos anos juntos), acabaram. Até no recente “Almoço de Páscoa” foi cada um por si, mas com direito a Google Hangouts, com todos falando e as crianças gritando. Recomendo, de vez em quando, principalmente para quem não tem crianças pequenas e barulhentas.  

Cheguei a ir à praia nessa primeira semana à tarde, onde gosto de ler, dar um mergulho e pegar as últimas horas do sol já fraco, mas muito agradável. Fui advertido pela guarda-vidas que gentilmente me disse: “Vejo que o senhor é uma pessoa esclarecida, pois está lendo (e ela nem sabia o que eu lia), mas sua presença na praia não é recomendada… Não tenho poder de tirá-lo daqui, mas se o senhor não sair espontaneamente, chamarei a PM para retirá-lo”. Convenci-me e parti. 

Nesses dias saí de casa algumas raras vezes para ir ao banco, à farmácia, levar mantimentos para minha mãe (que tem a maior exposição na família, com três acompanhantes que se revezam com o maior espaçamento possível), ou resolver um ou outro problema pessoal (raras duas ou três saídas em quase um mês). Nas saídas dessa última semana, além do álcool em gel já incorporado às necessidades, fui de máscara protetora. Vou ter calos nas orelhas se continuar saindo.

Dia desses até encontrei na rua um dos filhos, com um dos netos, de 4 anos, que saíra para “gastar energia” desse neto (tarefa complexa)… Conversamos rápido, mantendo a distância recomendada. Noutro dia, outro filho, que descera à rua com seus filhos, chamou-me para estar com eles (sempre mantendo o “afastamento” recomendado)… Foi uma cena estranha, talvez até triste… O neto mais velho (6), talvez entendendo pouco sobre tudo e achando estranho estar de máscara e sem poder tocar em nada, preferia voltar para casa e ficar na segurança de seu videogame… Já a mais nova (2), sem entender nada sobre nada, e sem máscara, em determinado momento veio correndo para mim e avisamos que isso não podia; começou a chorar, claro… E como explicar isso para ela? Chance zero… Cena triste! 

Nesse período tivemos ainda dois aniversários de netos comemorados com “distanciamento social”, bolos caseiros e uso das tecnologias de uso diário que nos mantêm próximos. Os amigos de colégio também mandaram mensagens gravadas para ambos… Uma comemoração diferente que deixará gravado, literalmente, depoimentos da ocasião. 

No dia a dia, tomo sol pela manhã (na janela da sala tipo varanda), leio jornal, checo as mídias sociais e interajo com os online, leio, vejo “lives”, jogo poker (Poker Stars na internet), converso com netos por vídeo e com amigos por telefone, além das necessidades básicas como comer e outras… E tenho algumas novas tarefas em casa, agora sem auxiliares: estender e tirar roupas na corda, limpar cestos de lixo (banheiro, área, cozinha), varrer a cozinha, colocar e limpar a mesa, lavar os copos e outras que ainda não assumi ou não assimilei bem. 

Cheguei, na primeira semana, a começar a escrever um livro… “Pundemia”, contando a história de uma pandemia que se transmitia pelo pum e iniciou-se numa distribuição de chocolates suíços ou belgas (a definir) numa grande reunião da ONU em Genebra, com a presença dos 193 países membros, seus representantes e familiares – que, além de comerem os chocolates, levaram embalagens de presente para seus amigos e familiares quando voltaram a seus países… e, sim, o início da “pumdemia” deu-se pela ingestão dos chocolates (feitos com uma safra de cacau brasileiro contaminada…). Há vários episódios hilários dentro do “pundemônio” que se tornou a “pundemia” – em aviões, navios, praias, escritórios, casas, igrejas… cenários piores que os da Covid-19… e com cheiro. Comecei mas desisti. Refleti que essa crise sem precedentes provavelmente não deixará espaço para humor dessa natureza… Projeto abortado. 

Enfim, acho que me estendi bastante, num auto “brainstorming” de quem ainda não se deu conta de fato do que está vivendo. É corrida de curta, média ou longa distância? Com ou sem obstáculos? Quais? Terá etapas de ciclismo e natação? Certamente que não estamos preparados para “Iron man” e talvez nem meia-maratona. 

E você, o que nos conta? Ativx ou aposentadx? Casadx ou solteirx? Filhxs, netxs, sobrinhxs? Hobbies? Dicas de filmes, livros, deliverys gastrônomicos? Como está o dia a dia com home office? Saudades da rotina, catraca e etc?  

Vamos deixar registros dessa época e compartilhar histórias e experiências que possam nos divertir ou dar novas perspectivas para esse período de incertezas. 

Tenho ciência que vivemos, eu e vocês que me leem, numa ilha com enormes privilégios comparativos – na verdade até incomparáveis. Se já tínhamos muito sofrimento, corremos riscos de ver ainda mais agravamento no cenário… ou, quem sabe, melhoras no “novo normal” que virá. Não tenho solução, nem propostas. Mas também não cultivo culpas. Apenas torço por um mundo melhor.

Associação dos
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