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Capital humano, educação, know-how tácito e conhecimento produtivo

Paulo Gala – Economista, professor da FGV-SP e autor do livro “Complexidade Econômica”, publicado pela Editora Contraponto

Vínculo 1247 – Da perspectiva da complexidade, a “educação produtiva relevante” do país é o conhecimento tácito que está nas empresas e nas atividades e, portanto, não se aprende na escola. É uma questão de on the job experience. Medindo a complexidade, o Atlas capta bem melhor o conhecimento relevante para produzir. Um músico ou um tenista tem, por exemplo, enorme conhecimento tácito relevante. Se ler partituras fosse o bastante, qualquer um que tivesse aprendido isso poderia ser um excelente músico; conhecer as regras de tênis e os movimentos básicos tornaria qualquer pessoa um potencial campeão.

Conhecimento e know-how de produção estão embutidos nas redes sociais produtivas, assim como o conhecimento tácito dos grandes músicos e artistas está “embutido” nessas pessoas. O aprendizado produtivo relevante é social: nas economias, pessoas aprendem com outras pessoas mais experientes sobre como fazer coisas em geral e produzir bens e serviços. Não é possível ser um médico sem antes ter feito residência, ou ser um controlador de tráfego aéreo apenas tendo lido livros e manuais sobre o tema. O mesmo se aplica à capacidade de produzir computadores, carros, aviões, pneus e qualquer outro bem ou serviço. O aprendizado produtivo tem aspectos experimentais e sociais que dificultam a acumulação de know-how e conhecimento, condicionando-a a condições preexistentes nas economias e sociedades. A destreza oriunda em alguma atividade está vinculada a destrezas (cognitivas) de ordem superior, e estas só ocorrem quando existe um certo nível de fluência em um certo tipo de conhecimento. A leitura rítmica, harmonia e técnica para o músico e boa técnica e preparo físico para o tenista são os requisitos para esse tipo de profissional de sucesso. Assim, desenvolvimento produtivo e educacional são complementares na tarefa de promover o desenvolvimento econômico.

Como os antigos economistas clássicos do desenvolvimento já destacavam, há uma circularidade em toda essa discussão sobre o conhecimento produtivo tácito contido nas redes produtivas locais. Se o país não tem um parque produtivo relevante onde as pessoas possam buscar esses conhecimentos, tudo fica difícil, pois elas não aprenderão isso nem na escola nem na faculdade. Para fazer relógios, um país precisa de especialistas e relojoeiros, mas se ali não existem empresas que produzam esse bem, não há incentivo para que esse tipo de trabalhador e de especialista se mova para lá. Trata-se de uma típica “falha de mercado”, apontada pelos economistas clássicos do desenvolvimento.

Aqui R. Hausmann destaca o papel fundamental do Estado para ajudar a iniciativa privada a resolver esses problemas. Hausmann sugere que o Estado poderia funcionar como um identificador de oportunidades de diversificação produtiva e como um agente de coordenação, trabalhando para ajudar a iniciativa privada a ocupar esses espaços. Não se trataria de “escolher vencedores”, mas de trabalhar em conjunto com a iniciativa privada para buscar ganhos relevantes de produtividade, avançando na direção de diversificação produtiva e de upgrading tecnológico, na linha do que fizeram os governos de sucesso do Leste Asiático.

A metáfora da floresta do desenvolvimento econômico, criada por Hausmann e Hidalgo, também ajuda a entender melhor as dificuldades do processo de mudança estrutural que aumenta a complexidade das economias. Imagine que o espaço produtivo do comércio internacional seja uma floresta onde cada árvore representa um produto. Árvores próximas representam produtos “próximos”, que requerem capacidades similares para serem produzidos: por exemplo, camisetas e blusas, ou motores a combustão e carburadores. Árvores muito distantes representam produtos que não exigem capacidades similares para serem produzidos: petróleo e aviões, bananas e microcircuitos de computadores. O Atlas da Complexidade calcula essas proximidades como a probabilidade de dois produtos serem coexportados, conforme vimos acima. Imagine agora que cada empresa é um macaquinho que habita uma árvore ou se especializa em produzir algo. As diferenças entre países no comércio internacional podem ser entendidas como árvores que já foram colonizadas por macaquinhos. Países ricos têm florestas densas com muitos macacos em muitos tipos de árvores já colonizadas, um tecido produtivo complexo; países pobres têm poucas árvores, colonizadas por poucos macacos. Para se desenvolver, um país precisa que seus macacos pulem para árvores não colonizadas, ainda vazias.

A metáfora é boa para ilustrar a natureza cumulativa e marginal do desenvolvimento econômico. Os macaquinhos só conseguem pular entre árvores próximas, não conseguem dar grandes saltos para alcançar as árvores do outro lado da floresta. Ou seja, as empresas vão migrando para atividades similares, provavelmente mais lucrativas, a partir dos conhecimentos e habilidades que já têm, o mesmo valendo para seus trabalhadores. Um exemplo interessante é o caso da Bombardier, canadense, que usou seu enorme sucesso e conhecimento em veículos de neve e snowmobiles, com destaque para o Ski-Doo, para entrar no mercado de veículos para diversão náutica, licenciando e produzindo em grande escala o Sea-Doo. Aqui, aparece de novo a questão relevante do ovo e da galinha e a necessidade de coordenação para que o processo de desenvolvimento se desdobre. Sozinhos, os macaquinhos terão muita dificuldade de colonizar as árvores frondosas e distantes que estão do outro lado da floresta.

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