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O relatório

Celso Evaristo – Empregado do BNDES

O relatório da Oxfam Brasil (1) – “A Distância que nos une – Um retrato da desigualdade brasileira”–inicia assim:

Vínculo 1268 – “(…) No mundo, oito pessoas detêm o mesmo patrimônio que a metade mais pobre da população. Ao mesmo tempo, mais de 700 milhões de pessoas vivem com menos de US$ 1,90 por dia. No Brasil, a situação é pior: apenas seis pessoas possuem riqueza equivalente ao patrimônio dos 100 milhões de brasileiros mais pobres. E mais: os 5% mais ricos detêm a mesma fatia de renda que os demais 95%. Por aqui, uma trabalhadora que ganha um salário mínimo por mês levará 19 anos para receber o equivalente aos rendimentos de um super-rico em um único mês.”

Este é o pano de fundo da tragédia brasileira. Quem pretender avaliar a atual conjuntura político econômica, tendências, contradições de nossa crise enquanto sociedade, sem partir daí, dessa iniquidade, se perderá num labirinto metafísico de conjecturas. Cresce a narrativa de que estamos presenciando uma onda conservadora. Apesar das quatro vitórias eleitorais consecutivas do PT, a tendência conservadora da maioria da população brasileira teria aflorado: um país essencialmente reacionário estaria “saindo do armário”. Nossa formação histórica corrobora para esta tese. Somos, destarte, um país de tradição patriarcal, escravocrata, católico, extremamente desigual de todo e sempre, de cujo âmago não poderia brotar uma sociedade não conservadora de cabo a rabo. O Brasil profundo é conservador; embora o senso comum permita a convivência contraditória de valores conservadores com outros mais atualizados.

O que se poderia chamar de ação política progressista, aqui no Brasil, deve-se, em grande parte, ao trabalho de base da esquerda católica, via Teologia da Libertação, a partir da Conferência Episcopal de Medellín, Colômbia, em1968. Essa organização católica de base foi, paulatinamente, desmontada sob o papado de João Paulo II. Foi feita a terraplenagem para o avanço dos cultos pentecostais, muitos deles explorando temas ligados ao ideário conservador  como os combates ao feminismo, ao movimento gay, à diversidade religiosa etc. O sempre presente discurso de combate à corrupção, tão ao gosto da classe média, completa a lista de temáticas mobilizadoras da opinião pública. No âmbito da representação político partidária, o desgaste da esquerda mais volumosa (PT, PCdoB, PDT) aumentou o fluxo de água pro moinho conservador.

Alguns analistas do campo da esquerda costumam citar o filósofo Antonio Gramsci (1891-1937) ao apontar o senso comum como repositório de valores conservadores; de direita, por assim dizer. No entanto, Gramsci caracteriza o senso comum não por ser um conjunto coerente de crenças ou um programa consistente de princípios, mas justo pela sua incoerência, ele, o senso comum, reúne ideias contraditórias: desejo por serviços públicos de qualidade e a diminuição da carga tributária e do gasto com políticas públicas; o moralismo em relação à sexualidade, convivendo com a defesa das liberdades individuais – direito de cada um fazer o que quiser; apologia da educação e redução do ensino público e gratuito.

Todavia, a mesma sociedade envolta em princípios conservadores sofre tensões desencadeadoras de anseios por mudanças. A desigualdade social apontada pelo relatório da Oxfam, referendada pela onda de violência urbana e rural, não encontra solução de longo prazo no modelo neoliberal de Estado mínimo, flexibilização (precarização) das relações trabalhistas, perda de direitos sociais, ajuste fiscal apresentado pela linha liberal/conservadora; pelo contrário, é por ele agravada ao extremo. Por trás do movimento político partidário que desaguou no impedimento de Dilma Rousseff e toda onda conservadora emergente não estavam as contradições do senso comum; ou melhor, não eram elas o fator determinante do golpe político desencadeado, mas a viabilização política para implantação do projeto neoliberal no país, materializado por duas reformas básicas: a trabalhista e a da Previdência. Outras ações provenientes do campo da reação política só servem de reforço ideológico para essas duas citadas; o que não significa serem elas algo desprezível na luta política. Não, o fenômeno da ideologia fornece forças materiais formidáveis na condução do sempre paradoxal senso comum. É combustível para mobilização de corações e mentes.

Para começarmos a entender o atual imbróglio brasileiro, necessitaríamos aprofundar diversos temas e introduzir outros, como a variável geopolítica internacional, mas nos afastaríamos do simples desabafo deste pequeno artigo. Mas a leitura do relatório da Oxfam sobre a desigualdade social no Brasil é bom começo pros interessados no assunto.
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(1) ONG criada na Inglaterra em 1942, que chegou ao Brasil em 1950, destinada, inicialmente, à ajuda humanitária, e que veio a dedicar-se ao estudo da desigualdade social, com vistas à redução da pobreza, desigualdade e à promoção da justiça social.

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