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Meus dois dedos no copo do Desenvolvimento Sustentável

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“Ei Catatau!”
(Zé Colmeia)

Vínculo 1541 – Acho que tem para mais de uma década que deixei de acreditar em Desenvolvimento Sustentável. Não porque não acredite em aquecimento global: muito pelo contrário. É exatamente porque acredito, porque levo as contas a sério, que eu não acredito em Desenvolvimento Sustentável. A hora em que algo poderia ser feito passou tem muito tempo. Lovelock, formulador da hipótese Gaia, acha que foi no fim dos sessenta. Quero crer que se quando da Rio 92 tivéssemos tomado alguma providência dramática poderíamos estar evitando as transformações que se aproximam. Quando de Kioto, quando os americanos enfiaram um monte de mecanismos de mercado para depois não assinar o acordo, já era tarde. E as medidas ali colocadas, medidas positivas com a crença de que os mercados resolveriam, eles enquanto os milagres tecnológicos não chegam, ilusão das ilusões. Esse tempo deixou de ser agora faz tempo.

A questão que se coloca não é mais o que fazer, mas para que fazer. E nesse sentido, a pauta da descarbonificação tal como colocada hoje é sem propósito. O que não quer dizer que significativos elementos dela não se justifiquem dentro de outro prisma. E que distorções do “mercado” não mascarem realidades desagradáveis.

Pegue-se o caso do fracking nos EUA. Ele aumentou a oferta mundial de óleo e gás de uma forma em que passou a ditar um teto ao preço do petróleo. Foi tecnologia que viabilizou isso? Hummm, não, essa tecnologia de fato já havia. O que se teve foi um efeito deflacionário escondido da política de quantitative easing. Juros reais negativos levam não só a viabilizar investimentos de capital, que numa situação normal não se pagariam, como a um desespero de investidores a buscar qualquer tipo de investimento de risco no afã de ter um ganho real. E, neste sentido, a jogada do FED além de salvar a riqueza na forma de ativos, fez com que os ganhos extraordinários de operar muito abaixo do custo do produtor marginal de petróleo fosse reduzido. Qual seja, árabes, russos, noruegueses e a Petrobrás lucraram menos do que teriam feito sem o quantitative easing.

O que vem pela frente é a retomada em grande estilo dos problemas associados ao pico do petróleo. Pico do petróleo é o momento em que a exploração convencional de petróleo começa a cair e ser substituída por formatos extremos, cuja exploração envolve muita energia e processamento. Por exemplo, a exploração das areias betuminosas canadenses ou o petróleo pesado venezuelano que, antes do pré-sal, seria usado na Abreu Lima. Pico do petróleo implica num deslocamento do custo de energia, o que viabiliza formas sustentáveis. E este é um ponto que se perde sobre os processos civilizacionais que há pela frente: temos que transicionar os formatos de produção e uso de energia. Soluções à la hidrogênio verde são a tentativa da ilusão de demais coisas constantes de algo que irá mudar.

As cidades ininvisibilizáveis

Quase uma década atrás, na rara vez em que me sentei numa mesa no Banco com o presidente Coutinho (graças a ser uma apresentação de Lúcia Falcon), propus que faltava ao país uma política de greenfield urbano. Qual seja, deveríamos voltar a fazer novas cidades, como fizemos em Belo Horizonte, Brasília, Palmas. Óbvio que a ideia foi descartada de imediato. Quase uma década depois vejo Trump propondo a mesma coisa: a construção de uma dezena de cidades novas em terras públicas, cidades bonitas, limpas. Não sei o quanto Trump tem consciência de que ele está imitando o que a China fez e vem fazendo: a construção de cidades novas, resilientes, preparadas para enfrentar as dificuldades climáticas atuais e algumas que se sabe virão.

O primeiro dedo que sirvo no copo do Desenvolvimento Sustentável é este: um processo de reformulação do urbano que, à moda dos CIEPS de Darcy, se faça com cidades novas, planejadas para o clima que se prevê para aqueles lugares para o século que vem, com sistemas de transporte pensados fora da hegemonia do automóvel que nos produziu Brasília e a Barra. Isto atende à proposição que ouvi anos antes do então diretor Antônio Barros de Castro de que o que faltava no processo de investimento no Brasil eram os untradables, o investimento direcionado a coisas que não fossem mercadorias a serem exportadas (curiosamente, a abordagem do presidente Lessa em relação ao pré-sal era fazer uma exploração comedida voltada para as necessidades nacionais de petróleo e não transformar o país numa “nova Arábia Saudita”. Neste sentido, havia uma noção de equilíbrio, moderação quanto aos fins, de sustentabilidade num conceito mais remoto, na reflexão dessas duas figuras venerandas).

Criar novas cidades experimentando mecanismos de propriedade diferentes dos tradicionais (como por exemplo a forma “medieval” de arrendamento público usada em Singapura, que custeia as aposentadorias locais; ou algum tipo de mecanismo que torne os imóveis sempre à venda como o proposto no livro Mercados Radicais; ou o uso de arrendamento ao invés de propriedade para habitação popular) que temos por cá não seria mal. Isso dificultaria, por exemplo, o tipo de engessamento que o Centro do Rio ainda enfrenta, com uma série de prédios abandonados presos em intermináveis inventários.

Isso reforçaria também, se bem utilizado, uma redistribuição de população e atividade econômica. Não dá para se discutir o desenvolvimento industrial de São Paulo sem se levar em conta as diferentes migrações que construíram seu proletariado industrial, que fizeram de Lula, um pernambucano, o líder e presidente que é. Um país onde essa migração interna parou é um país estagnado, sem eixos dinâmicos que não na exportação de comodities.

O sonho do faraó

Relativamente ao paz e amor com que este governo assumiu, Tereza Campelo desceu a lenha no agronegócio. Eu acho que ela está certa e errada ao mesmo tempo, que há uma dialética nesse processo. E não falo do ponto de vista político: falo das escalas no tempo e no espaço. Falo da geografia.

Contra: o agronegócio brasileiro é peça fundamental no segurança alimentar do Mundo. Tire-se o Brasil, ou volte-o no tempo, e estamos falando em fome, em perda de qualidade alimentar do mundo todo. O excedente de nossa agricultura é responsabilidade mundial.

A favor: Tereza está certa. O agronegócio voltado para a exportação contribui muito pouco para a segurança alimentar e a diversidade que a nossa comida tinha em relação ao Mundo. O agronegócio faz com que os preços internos se alinhem ao FOB em que exportam, fazendo um impacto inflacionário diretamente relacionado ao câmbio. Aliás, no câmbio está o principal efeito colateral danoso do agronegócio: o excedente que temos hoje em comodities joga o câmbio para uma posição de equilíbrio em que seremos deficitários em manufaturados e serviços. “No horizonte aquela soja que não acaba / Dodge Ram 2500 estacionada”, cantam os poetas em “Paredão berra”.

Síntese: assim como as cidades que precisam ser criadas/recriadas, o campo terá que se deslocar nas próximas décadas. Os climas serão outros, a disponibilidade do que a indústria química transforma de material fóssil em comida das plantas será outra. A energia para esses deslocamentos também mudará. A agricultura de baixo carbono, assim como a mudança energética, é condição necessária da Metamorfose do Mundo. Ela pode acontecer de forma consciente, planejada, desenvolvimentista. Ela pode acontecer sob a picaretagem neoliberal de papelório verde, extraindo lucros sobre a sociedade, e sob a indústria da culpa e do trauma das ONGs. Ela pode acontecer porque entramos num cenário de caos até que o Jackpot gibsoniano aconteça. Mas não escapamos mais dela. As vacas magras virão em algumas décadas. E, pessoas de ciência que somos, tenhamos um pouco do conservadorismo contábil de preparar e provisionar para essas intempéries. A tecnologia pode até vir a nos salvar, mas seremos outros. Não contemos com ela. 

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