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Pânico!

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

“As pessoas assustadas
mal informadas
Puseram a fugir… sem saber porque”
(Inocentes)

“I wonder to myself
Could life ever be sane again?”
(Smiths)

Vinculo 1538 – Eu estou ficando velho. Minhas referências musicais desta epígrafe, oh my god!, remontam meados dos oitenta. Meus heróis morreram de câncer.

Tenho sessenta anos. Ambas minhas filhas já deixaram de ser teenagers. Se encontram na aparente segurança da Europa da OTAN. Portanto, é com surpresa e espanto que vejo pessoas mais novas (e não tão novas assim), com filhos pequenos, tomadas pelo pânico de que uma celebração tupiniquim de Columbine/aniversário de Hitler acontecerá no dia seguinte àquela que talvez seja a mais importante data de aniversários neste país: o dia do Índio. Não porque minha mãe irá fazer 90 anos nesse dia, mas, caramba, com Getúlio Vargas e o Rei Roberto Carlos, 19 de abril é um dia para ser muito celebrado.

O dia seguinte… Eu tenho essa coisa com datas. Confesso que fiquei pesadamente incomodado ao ouvir em nosso auditório, num 20 de abril na hora do almoço, uma execução do quarteto Imperador de Haydn pela OSB. Quero crer que não foi uma piada de mau gosto. Mas 20 de abril virou uma espécie de versão maligna de algo como o dia da toalha, do Bloomsday, um dia onde algo de bizarro, macabro pode acontecer.

E agora, em cima da possibilidade remota de que algum (ex-) estudante (e/ou) maluco possa vir a fazer um esfaqueamento de crianças, instaura-se um pânico e o próprio Ministério da Justiça e Segurança Pública monta um disque denúncia digital para tentar prevenir que isso aconteça, tendo como parceria uma entidade privada cuja principal missão histórica é rastrear pedofilia na internet (boa sacada para uma ação rápida). Contra o que exatamente… bem, aí vão os diferentes pânicos das diferentes épocas.

“Olha a última moda que chegou de New York / E deve ser bom como tudo que vem do norte”, assim cantava Léo Jaime nos 80, numa perversa ironia de como importamos atitudes dos EUA, mesmo as atitudes paranoicas. Por exemplo: um par de amigos de esquerda, que não se conhecem, me narra de Brasília o pânico de que atentados acontecerão nas escolas. Não sabem o que fazer: é seguro levar o filho para a escola? Um me cita Columbine, fala da necessidade de se controlar as manifestações de ódio em redes sociais. Chato que sou, eu lembro que o último atentado escolar de destaque nos EUA foi numa escola católica em Nashville, praticado por um homem trans. Que inclusive deixou um manifesto que até agora a polícia não vazou. Mas isso foge ao estereótipo do maluco de direita. Talvez porque o problema não seja da direita em si, mas de pessoas malucas, desajustadas, num mundo anômico em que ninguém se preocupa com ninguém.

Mas o problema não fica em Brasília. Quarta-feira a faxineira me aparece com sua filha, que ela não manda para o jardim de infância no dia pois está com medo de um atentado na escola. E aí eu começo a me perguntar que maluquice se passa neste país. Sim, tinha carecas nos oitenta em São Paulo e em Brasília, mas não neste grande Rio das milícias, onde o risco de sempre são as balas perdidas, o pancadão de nossa segurança de ostentação scaring the nation with their guns and ammunition.

Os oitenta… lá me lembro de ter lido O Grande Medo de 1789, de Georges Lefebvre, sob o pânico de uma conspiração de aristocratas em conluio com o rei no pré-revolução francesa. O Grande Medo: no golpe/não golpe do 8/1, do qual nada concretamente sabemos ainda, tirando a clara omissão da polícia local e o inside job da família militar nos acampamentos; na fraude que se desvela (ah aleteia, como te amo mais que à veritas) do 6/1, onde sob pressão de sua minoria radical a nova presidência da Câmara dos EUA tornou públicas (através de um jornalista alinhado, claro) as milhares de horas de vídeos da invasão do Capitólio, vídeos que tinham sido cerceados às próprias defesas dos acusados da invasão; assim no Norte, como no Sul, a assombração do grande medo é um episódio de Scooby Doo ou algum encosto que precisamos exorcizar de nossa política?

O medo é o sentimento pelo qual as pessoas se submetem ao Leviatã. Desmontar o medo sem desmontar o Estado é o projeto civilizacional antípoda do que foi o bolsonarismo. E isso não se faz pela via da censura, mas pela via de uma ação clara. Quem sabe um ministério para cuidar de segurança de fato.

Mas a questão de se preservar liberdade e democracia continua, a meu ver, essencial. E neste sentido há que se reconhecer o tipo de assimetrias que o povo de economia comportamental vem diagnosticando ao longo de anos versus a construção do ser humano racional, consciente, com que o discurso econômico, político e jurídico é construído neste nosso Ocidente (e não entenda por isso, querida leitora, qualquer tipo de endosso ao discurso jurídico de CRT). Há que se perceber o quão danoso é resolver com perspectivas idealistas questões que estão materialmente dadas. Mas essas questões precisam ser politicamente trabalhadas, ser trazida à luz as consequências desses defaults que involuntariamente vamos construindo, na maioria das vezes para não encarar os problemas de frente.

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