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So long, and thanks for all the phish

Paulo Moreira Franco – Aposentado do BNDES

Distante fugitivo
Da primitiva aldeia dos macacos
Onde cresci, onde me debrucei
E de onde fui expulso
Por raiva e desafio
Ao berço e à dinastia
(Tite de Lemos – Sueli Costa)

Vínculo 1427 – Nada não serve mais para nada. A minha seinfeldiana atividade no Banco era entrar nas conversas dos outros, tomar café, trocar ideias, acalmar pessoas, apaixoná-las por suas próprias ideias. Onde houvesse impasse, levar consenso. Onde houvesse certeza, trazer a dúvida. Mas não há mais pessoas chegando na minha baia às 19h e se perdendo em conversas até bem depois que a luz se foi. Não há mais visitas que filam uma cápsula de café em xícaras de vidro e contam suas histórias. Não há mais colegas conversando em baias ao lado que eu possa alertar como uma situação semelhante se desenrolou década atrás. Conversar, contrapor, contestar, convencer, começar. Amarrado no poste ouvir canto das sereias, mãos longe de empunhar tanto remos quanto o chicote.

Eventualmente entrar em campo e executar uns punts, modéstia à parte, em geral bem executados. Um punt, para os que não conhecem, é o primeiro ato que uma defesa executa no futebol americano. E possivelmente as melhores coisas que fiz no Banco foram coisas que convenci superiores a não fazer, as ciladas que a proatividade tão estimulada em ambientes corporativos põe equipes em esforços impensados e, por vezes, inúteis. Mas isso levou um bom tempo depois de constatar a minha anticarreira. Que acabou. Neste momento escrevo não mais sob a condição de funcionário do Banco. O que provavelmente quer dizer que é bem provável que eu venha a escrever muito pouco nestas páginas no futuro.

O Arthur contou um troço numa das reuniões de informe que algumas pessoas próximas e os presidentes da AF sabiam tem muito tempo: nunca fui filiado à AFBNDES. As reformas do atual governo me levaram a me filiar à AF. A maior parte dos artigos que escrevi aqui foi escrita sem eu ser filiado à AF. Razão: a AF é uma organização que pode ser dominada politicamente por um grupo de pessoas não envolvidas no cotidiano do Banco, que não são afetadas pelas relações trabalhistas que não se restringem a salário e plano de saúde. A AF pode ser dominada pelos que eu sou agora, os aposentados. Pelo menos um par de vezes eles foram o bloco crítico para a constituição da coalizão majoritária nos meus praticamente 28 anos no Banco.

O que é uma organização sindical dominada por aposentados? O lamentável Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo, dominado pela facção do deputado Paulinho, é o grande exemplo disso desde a década de 70. E não desmereço aqui as boas intenções da grande maioria dos aposentados, seja do Banco, seja dos metalúrgicos. Mas eles não sofrem as consequências das ameaças, explícitas ou veladas, da administração: da perda de cargos, das movimentações impedidas ou forçadas. O ponto de sela dos interesses de ativos e aposentados se resume a dinheiro e saúde, e isso implica em processos de negociação que não entram no âmago de como o Banco é conduzido, nas relações de trabalho concretas nas baias e salas de reunião e redes de WhatsApp que funcionam 24/7.

O meu ponto, portanto, foi sempre considerar a AF como uma espécie de partido aliado numa coalizão, mas na medida do possível propor a constituição de uma comissão de fábrica, de uma instituição local de representação centrada no espaço de trabalho, à qual a AF daria suporte. E não a AF diretamente conduzindo esses processos cotidianos de negociação. Por quê? Porque a possibilidade de se agir rapidamente em processos como as reformas de estrutura organizacional que aconteceram durante o período recente do Governo Golpista, por exemplo, seria maior. Porque a AF tem um papel de articulação com a sociedade civil que, sinceramente, só vi ser articulado a partir da questão da TJLP – e nisso o trabalho da AF foi (e tem sido) bastante elogiável.

Ao propor essa estrutura não estou a desmerecer as recentes gestões da AF. Muito pelo contrário, acho que cada uma delas “encontrou tanto os tempos como as circunstâncias coincidentes com aquele seu modo de proceder”, como disse Maquiavel. Conheço bem os três últimos presidentes e são pessoas que admiro profundamente, com quem tive ótimas discussões, pessoas que sinto orgulho profundo de ter sido concursado da mesma instituição pública que eles. Fabricio, Thiago e Arthur são pessoas extraordinárias, pessoas de uma devoção pelo Banco e por seus colegas como poucos entre nós somos, pessoas que tivemos a sorte de ter a cada momento no comando da Associação. Fabricio conseguiu despertar a Multidão do Banco numa mobilização sem precedentes. Entender a forma como o Governo Dilma e seus (sequer-)apparatchiks tecnocráticos sufocaram essa Multidão e destruíram com a Associação naquele momento é entender porque ela foi deposta, a estupidez de um governo que traiu sistematicamente a base social e política de quem era agente em favor da ideologia de classe de seus componentes. Thiago, que não sei quantos de vocês sabem, é um razoável escritor (há outros como ele entre os já não tão jovens do Banco, como o Roy, por exemplo, que valem ser lidos), é uma das pessoas que (como o Zé Edu) mais me fez revisitar uns certos recônditos do pensamento econômico (tipo Rangel e Veblen). E Arthur… acho que antes de qualquer um dos três estar na presidência da AF eu já clamava ao Arthur que ele fizesse uma articulação dos economistas progressistas do BNDES, que se pudesse ter um conjunto de consensos saindo dos quadros do Banco sem ser propriamente ideias oficiais do Banco e os que publicam no Valor. Aliás, Pauli, Arthur, Fernando, Jorge, parabéns por terem mantido a calma nesta negociação toda.

Ainda no âmbito da questão das formas de representação, há que se ampliar a articulação entre a representação no CA e a Associação. E neste sentido a experiência de executivos aposentados pode ser útil, bem como articulações que envolvam feedbacks da sociedade civil que não sejam aqueles filtrados pelo interesse do governo. Acho que o resultado da última eleição reflete bem essa percepção de que o trabalho no CA deve ter sincronia com a AF. E neste sentido o Arthur sabe integrar isso bastante bem, em que pese seja recomendável acrescentar algum tipo de assessoria informal nas questões jurídicas e contábeis relacionadas a certos processos que são conduzidos pelo CA. Parte da atuação do William durante a época em que tínhamos um governo com alguma capacidade de diálogo, durante a gestão do Luciano, envolveu aspectos desta natureza. Mas sem um engajamento mínimo dos funcionários esse esforço será inútil. Posso dizer com orgulho que também conto William e Paulo como amigos que eventualmente apareceram para conversar até apagadas as luzes. Ambos nascidos em 64, mas em etapas distintas de carreira. William, com uma longa história e participação temporária nessas gestões da Associação, Paulo alguém que ainda constrói sua carreira aqui (reflexo condicionado, aí) e que, espero, venha a perseverar em iniciativas voltadas à coletividade do Banco. Não basta ser talento técnico, é preciso participar.
Mas não dá para ser cronista de um cotidiano do qual não faço parte. Não dá para palpitar sobre com o que você não vive com. Não há como estrangeiro criticar ações de pessoas que estão na linha de frente. Em especial, de pessoas que você, melhor do que ninguém, tem compreensão clara dos talentos e armadilhas que as constroem. Portanto, o tipo de narrativa que construí aqui, por ideia e convite de Marco Aurélio Cabral, uma dessas pessoas estranhas e brilhantes como há dúzias (quem sabe centenas) no Banco, uma crônica do que se passa no Banco a cada momento, de questões de política interna, de visitas de pessoas de fora, isso não é mais possível. Este não é mais meu cotidiano. Este não é meu cotidiano desde o início do confinamento.

Obrigado companheiros, vocês são extraordinários, vocês são o mais fabuloso grupo de funcionários desta República. Foi um prazer ter passado metade de minha vida (até o momento) a vosso lado.

Mas não deixem a excelência subir às vossas cabeças.
Ainda haverá pelo menos mais um par de artigos.
E para sempre haverá um monte de amigos.

E o que fazer
Eu quero, eu quero, eu quero

PS: ia me esquecendo. Quando você se aposenta pelo INSS (sim, esperei me aposentar do Banco para me aposentar pelo INSS, um “veganismo” da minha parte), você passa seu dia recebendo dezenas de mensagens e telefonemas oferecendo empréstimo consignado. E você fica se perguntando qual a contribuição social de um sistema financeiro cujo objetivo é produzir endividamentos, não importa de que jeito. Um sistema que faz o phishing mais deslavado sobre aqueles com baixa capacidade de entendimento de finanças, possivelmente de entendimento do que quer que seja. Mas isso é uma outra história…

Associação dos
Funcionários do BNDES

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