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De Jair ao Jubileu

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

 “Radical reforms — reversing the prevailing policy direction of the last four decades — will need to be put on the table. Governments will have to accept a more active role in the economy. They must see public services as investments rather than liabilities, and look for ways to make labour markets less insecure”. (Editorial do Financial Times)

Vínculo 1387 – Eu poderia estar fazendo um Downfall, onde nosso nominalmente presidente tem um piti com Dória, Mandetta, Pretzel etc…, mas nada que possa se fazer nesse sentido supera o que foi a performance do degolado Alvim. Eu poderia estar fazendo uma piada longa sobre como esta cena de O Ditador poderia ser legendada como um diálogo entre Mandetta e Jair sobre isolamento vertical/horizontal.  Mas como manejar vídeos não é o meu forte, trago-lhes um Kübler-Ross. E em homenagem ao alvinegro maior, aquele em que joga CR7, fá-lo-ei em J.

(pequena digressão aqui: assim como a canarinho ficou inutilizada pelas manifestações da classe média otária a partir de 2015 – e, sinceramente, era pra ter sido aposentada logo após o 1×7 –, isso me aconteceu com uma linda camisa de camelô, mezzo camisa da seleção portuguesa mezzo a estampa de um jovem Cristiano Ronaldo na altura da Euro de 2004 com os dizeres “paixão nacional”. 7 naquele time era Figo)

Jair (Negação)

Jair achava que governava? Sério? No primeiro momento em que se faz necessário que o Estado funcione, realmente funcione, Jair é posto de lado. De sua cadeira de rodas certamente o Poder Moderador fez-se presente intervindo no Executivo. Jair e seus filhos tentam ainda manter seus esquetes, mas com ibope cada vez menor.

Mas vem cá: de que luto se trata? Bem, vocês leram o que está escrito acima, no trecho do editorial do FT. O que morreu foi o projeto neoliberal, seja nas versões primitivas e toscas do thatcherismo e dos chicago boys dos 70 (como o Guedes), seja nas versões contemporâneas de globalização, financeirização e reformas. Jair e seu Ipiranga – que não grita mais para não ficar tão queimado quanto os outros personagens da Escolinha (Weintraub, Araújo, Osmar Trevas) – insistem que passada a gripezinha tudo segue. Jair por vezes parece achar que o mundo é uma trincheira no front oeste, onde baixas são uma coisa natural, ordens se cumprem etc. e tal.

Dolo eventual é a tipificação criminal das mortes causadas porque Guedes se recusou a desligar parte da economia, a reconhecer o que os países da tão almejada OCDE já faziam. Essa é uma conta que será depositada muito em breve a seus pés.

Jejum (Raiva)

O presidente propõe um jejum. O presidente dá sinais de destempero e desconforto, ameaça demissões. Seus filhos postam e apagam ataques no twitter. Xinga-se a China. Escrevendo assim até parece um hexagrama. Não, não é. Assim como não veio o hexa, esse é um drama vazio. Os sinais de raiva que já aparecem irão começar a crepitar em breve, seja na impotência de um governo omisso, seja nas consequências da doença que ataca em larga escala.

O jejum que se seguirá em breve será forçado. Se por um lado Jair quer que as pessoas voltem ao normal, morrendo apenas o que, meio milhão, um milhão nas trincheiras, há uma alternativa a isso que era pra ontem: montar um sistema de emergência de suporte às populações carentes. Talvez seja por isso que as tentativas de golpes contra o governo socialista bolivariano da Venezuela tenham dado com os burros n’água, como outrora foram os porcos na baía. Mas Jair não quer resistir a uma invasão: ele é o populismo de direita clássico, que se alimenta de raiva e ressentimento.

Jiló (Negociação)

Passada a etapa das palhaçadas, entra no horário nobre a negociação, aquela situação em que pessoas razoáveis conversam. Medidas amargas, medidas e amargas, deverão ser tomadas, cortar na própria carne será proposto (parafraseando La Boétie, o discurso da shylockificação voluntária). Claro que os IBUs das medidas que cada setor deveria tomar não serão iguais. E nisso vai todo esse processo de se resolver as duas coisas inevitáveis dessa história: o quadro institucional que fora precarizado com o Golpe em 2016 já perdeu qualquer legitimidade, como uma cerveja sem gás e lúpulo; e não é dando undo que vai se resolver os problemas atuais – mas sim com novos mecanismos.

Mas como é negociação, nada disso será endereçado. Dedos e anéis, a máxima de Tancredi Falconeri, tudo isso pode parecer negociação, mas não é: isso é resolução. As medidas amargas são a ilusão de que com cortes o mesmo roteiro ruim pode ser mantido. As mesmas cenas que já estão gravadas. Os mesmos canastrões, repetindo as mesmas falas. (Des)gastar o menos possível. Um engano. À Morte e à História não se engana.

Jogadas (Depressão)

Quando escurece de fato é que as grandes sacanagens são feitas. E é no momento em que o desespero bater, em que a ordem e as empresas estiverem realmente quebrando, que as novas fortunas e os novos arranjos de poder acontecerão. Sabe a máxima de Carl von tão malversada por aí? Pois lhes afirmo: a riqueza é a continuação da política por outros meios.

Há uma lenda de que um venerado membro daquela família de banqueiros para quem Macron trabalhou (nessa hora é que se vê a indigência intelectual de zero-2 e de zero-aka The Hole Bananinha-3: nem pra tuitar que o francês trabalhava para os Rothschild ou usar uma camisa do ursinho Pooh quando for falar mal da China) teria dito que “buy when there’s blood in the streets, even if the blood is your own.” Esse momento da mais escura noite, quando o desespero e a falência dos modelos estiver para ser revelada pelos primeiros raios da aurora, é para ser percebido com atenção. Dentro dele se desvelará o novo.

E para os utópicos comigo à esquerda: esqueçam! A Casa sempre ganha. O Cassino não vai fechar. Luzes de neon serão desligadas, mas o carteado continuará, embora com mais discrição.

Jubileu (Aceitação)

Levítico 25:

10. Santificareis o quinquagésimo ano e publicareis a liberdade na terra para todos os seus habitantes. Será o vosso jubileu. Voltareis cada um para as suas terras e para a sua família.

11. O quinquagésimo ano será para vós um jubileu: não semeareis, não ceifareis o que a terra produzir espontaneamente, e não vindimareis a vinha não podada,

12. pois é o jubileu que vos será sagrado. Comereis o produto de vossos campos.

13. Nesse ano jubilar, voltareis cada um à sua possessão.

14. Se venderdes ou comprardes alguma coisa de vosso próximo, ninguém dentre vós cause dano ao seu irmão.

15. Comprarás ao teu próximo segundo o número de anos decorridos desde o jubileu, e ele te venderá segundo o número de anos de colheita.

16. Aumentarás o preço em razão dos anos que restarem, e o abaixarás à medida que os anos diminuírem, porque é o número de colheitas que ele te vende.

17. Ninguém prejudique o seu próximo.* Teme o teu Deus. Eu sou o Senhor, vosso Deus.

(*certamente um recado de Agnes Nutter para certos eleitores)

Traduzindo isso para o economês, essa crise se resolverá com um Refis para acabar com todos os Refis. Qual seja: todos os formatos de dívidas financeiras, dívidas com prestadores de serviços públicos, dívidas de aluguéis, dívidas fiscais, todos serão, de alguma forma, alvo de um perdão. A mesa de poker precisa ser zerada para que o jogo continue, e ela de fato será. Quão mais rápido se assumir isso e se abraçar a morte dessa mesa – e com sorte de muitas das regras com os quais se jogou nas últimas quatro décadas – melhor.

O que em termos do Banco quer dizer que há que se fazer uma estruturação clara dessas operações com o Tesouro de forma com que isso possa claramente ser consolidado e a liberdade possa florescer de novo. Há que se reconhecer que parte dos créditos postergados serão perdoados, transformados em equity, seja lá o que for, mas uma libra de carne não deverá ser arrancada das empresas.

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