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A Bruxa de Blair / Esteve o Lisboa e me lembrei de v…

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

I was dreamin’ when I wrote this
So sue me if I go too fast / But life is just a party
And parties weren’t meant to las
(Prince)

Por que forjar desprezo pelos vivos
e fomentar desejos reativos

(Caetano)

Vínculo 1222 – Há uma máxima militar, sabe-se lá de quando, de que os generais estão sempre lutando a guerra anterior. Ou, como consta num dos Livros, naquele tempo, “os homens conjuram ansiosamente em seu auxílio os espíritos do passado, tomando-lhes emprestado os nomes, os gritos de guerra e as roupagens, a fim de apresentar-se nessa linguagem emprestada”.

Este é o ano de 2016. Quase duas décadas atrás, Blair era um cara legal, nem esquerdista nem conservador, assim, sabe, terceira via. Hoje é um criminoso de guerra, alguém tóxico do ponto de vista eleitoral, visceralmente odiado pela base de seu partido. Disso a Baronesa não pode ser acusada: ela sempre foi alvo de ódio, sempre alguém que mesmo para seus aliados era uma necessidade para momentos provisórios, a ser descartada quando a normalidade fosse atingida. E no ano em que na agulha do disco Prince cantava que nesta noite festejaremos como se em 1999, por mais que a Caetano dissessem “política é o fim”, ela ganhou sua sobrevida de um bando alucinado de militares argentinos. E quando chegou 1999, o mundo era outro, onde um dos fenômenos pop do ano foi The Blair Witch Project e sua pioneira campanha viral na florescente internet.

Este é o ano de 2016. Estamos no Retorno de Saturno do Choque de Capitalismo, caramba! Jeffrey Sachs, que nos 80/90 foi o profeta da terapia de choque, hoje limita seu papel nessa história (embora não se toque que a sua Bolívia, ao apagar do Século XX, se tornaria um marco da luta antiglobalização) e prega os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Naomi Klein meio que enfiou uma estaca na palavra choque. Mas, de alguma forma, há ainda quem acredite em choque, há pessoas que discursam como se estivéssemos entrando em 1999. Ou em 1990. Anos que começa-ram sob um otimismo dosado de pragmatismo e resultaram num fracasso nacional próprio, autoinduzido, a “bala de prata” de Collor e a “banda diagonal endógena” em FHC. Fracassos com propósito, com um viés.

O ideário neoliberal clássico sequer virou uma vitrolinha, esse objeto pouco prático ressuscitado por hipsters e adolescentes. Sequer fetichismo. É puro anacronismo, olhos fechados para um mundo que mudou significativamente nesta volta de Saturno. Embora poucas coisas possam ser tão atemporalmente britânicas como o Piggate, o fato é que a passagem de Cameron pelo governo marcou uma mudança (entre os conservadores) de um entendimento neoliberal oitentista do mundo para um baseado em coisas como Behavioral Economics. Do outro lado do Atlântico, na passagem de Bloomberg pela Cidade Global, medidas semelhantes. Na Alemanha, temos (sabe-se lá até quando) Angela Merkel, incontestavelmente conservadora, que corre o risco de ter sua carreira política terminada não por querer taxar pobres, mas por querer salvá-los da guerra, mesmo não sendo de seu país.

E não que isso seja necessariamente melhor: o nudge do Sunstein acabará na mesma pilha de esquecimento que o shock do Sachs. Isso acontece com todas as ideias, tanto as boas quanto as más, tudo passa, tudo passará. Mas não agora. Essa é a versão de um discurso/prática neoliberal capaz de ser efetiva nesse mundo que passou pela crise de 2008, pelas primaveras e occupies, em que os sistemas políticos desabam pelo mundo afora e o crescimento prometido pela boa doutrina econômica não chegou… E agora, sob o pretexto do Brexit, o gabinete de Theresa May deixa a austeridade de lado.

E tinha um par de meses que ia rabiscando gradualmente o que vem antes quando tive a graça de ver (e ouvir) os elegantes gráficos embasando os lúcidos argumentos de Laura Carvalho no debate promovido pela Associação. E o anacronismo que (na minha opinião) transparece na nova gestão que atravessamos cá ela localizou também no discurso do Lisboa, na pauta do governo Temer. É uma agenda vencida, seja no prazo de validade, seja nas eleições que se sucederam pelo mundo afora desde os noventa. Agenda como a que Pedro Parente andou tentando vender aqui ainda era Luciano (“agora querem que a gente financie privatização a fundo perdido”, como definiu uma amiga), agenda que colunistas recitam, “lengalengamentem”, seja na TV a cabo, seja em grandes folhas de papel que vão ao lixo no dia seguinte.

Mas, falando em Laura (sintomaticamente, o 13° nome feminino mais registrado em Portugal em 2014, deve haver alguma conspiração aí), e no Lisboa, algo que se aproveite?

Ao contrário da Laura, que veio para falar da PEC… e falou da PEC!, Lisboa veio para pontificar, para pregar que não temos diferenças entre os economistas de verdade (e quem fala em Consenso de Washington é feio e bobo), que não há alternativa (TINA), que… bem, de PEC ele falou muito pouco. Porque, afinal, esta é uma agenda que não quer dizer seu nome, que poucos assumirão tal como colocada no projeto (entre os economistas de fato – não os colunistas, os economistas-chefes e outras criaturas assíduas da TV a cabo), agenda da destruição explícita, totally math, do setor público, agenda de sua redução a um mínimo que permita preencher estatísticas de que ainda vive.

Lisboa – que pra muitos pareceu por demais agressivo e indelicado (confiem, é só a afetação cínica de determinada subcultura dos que foram jovens no início dos oitenta), começou contando sua iniciação de como um estudante esquerdista da UFRJ tornou-se adorador dos números. Bem, não diria que dos números: da matemática e dos modelos.

E aí vai o problema: a realidade é coisa diversa do que ele apregoa. Paulo Romer, num bem escrito e arrasador paper que andou circulando cá na AP na semana anterior, detonou com a tal unanimidade em que o Lisboa acredita. A maioria do mundo desenvolvido está em ZIRP/NIRP. Qual seja, com juros básicos nominais zero ou negativos. Como um banco pode operar a médio-longo prazo nesse ambiente? Os tais lugares onde a Previdência foi “reformada” apresentam desemprego de jovens elevadíssimo. Será só correlação sem causalidade, ou haverá mais coisas associadas a esse processo de redução de direitos (não só previdenciários) que promove essa contração de emprego? Entre a Embrapa no Cerrado do Centro-Oeste e o Matopiba vai uma distância de décadas no tempo, sendo que hoje tanto sementes quanto a comercialização desta eficiente (vantagem competitiva que se deve mais à geografia do que por qualquer prática gerencial) agricultura se dá sob o controle de multinacionais? Será que, assim como seu parceiro Scheinkman, ele desconhece que há uma discussão importante (uns caras assim como Lawrence Summers, por exemplo) acontecendo sobre a incapacidade das medidas de produtividade acompanharem o que está acontecendo na economia? Será que ele não entende (coisa que o Andreessen sabe, que até os caras da McKinsey entendem) que o sucesso futuro de uma empresa na edge tecnológica decorre da capacidade dela de operar no vermelho, por vezes por décadas (tipo assim, Embraer e Samsung Eletronics), fora das medidas de performance financeira que o mercado usa para avaliação, fora da racionalidade dos modelos econômicos? Será que ele não entende, coisa que o próprio pessoal do Vale do Silício já entende, que talvez não haja empregos remunerados para todos num futuro breve, e que conceitos como bônus populacional – que no fundo é uma forma reducionista de entender um processo de urbanização acelerada (que basicamente envolve untradables como moradias e estabelecimentos comerciais) associado em geral a um boom demográfico – talvez não se apliquem à realidade material do porvir? Ou, sendo especificamente crítico, que uma economia em que se pensa só em termos de tradables, exportações, livre movimentação de capitais e inflação – como é o Brasil hoje, do ontem recente das crises dos 80 e 90, e da agenda que ele apregoa – não realiza os investimentos nos untradables do cotidiano que consomem/consumirão o bônus demográfico? Será que ele não entende que o pacto que regeu a indústria brasileira de Juscelino até a o final dos oitenta eletrocutado pelo shock de Collor sem que nada fosse posto até hoje em seu lugar?

Pra quem for ver o vídeo da palestra, antecipo: vejam até o fim e prestem atenção nas perguntas de William e Bruno. Foram ótimas.

A propósito: foi lançada este ano uma tentativa de ressurreição da Bruxa de Blair. Ao que parece, não deu certo.

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