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Da Forma Errada – Passado

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Vínculo 1287 – Uma grande inovação do Banco foi substituir o tradicional arquivo redondo pela caixa retangular azul. A dica 4 do Stephen Shapiro em Best Practices Are Stupid – 40 Ways to Out-Innovate the Competition: “Dont think outside the box; find a better box“. Afinal, dada a ubiquidade da folha de A4 no mundo contemporâneo, a caixa retangular torna bem mais fácil a reapropriação material do conhecimento impresso na forma de folhas de A4. A caixa retangular, não sei se vocês dão conta, alude à que costumeiramente é usada com esses grandes heróis do mundo digital, os gatos. Sim, pois os cachorros, como nos esclarece o pessoal do Porta dos Fundos (Episódio “Jornal”), são definitivamente criaturas que demandam antigos Canais ao invés das novas Plataformas.

Capítulo 23, “A visão de fora”, em Rápido e Devagar – Duas Formas de Pensar, de Daniel Kahneman. Capítulo muito interessante. Não, não vou citar a seção da falácia do planejamento. Quer dizer, não agora, neste texto. O que me interessa é a historinha que ele usa na abertura. Longa demais para ser transcrita aqui (quem quiser, o trecho em questão está neste link de uma consultoria), vou até ao que é a lição moral (nas palavras do próprio Kahneman):

“Esse episódio constrangedor permanece uma das experiências mais instrutivas de minha vida profissional. No fim, aprendi três lições com ele. A primeira ficou imediatamente óbvia: eu me deparava com uma distinção entre duas abordagens profundamente diferentes da previsão, que Amos e eu mais tarde classificamos como visão de dentro (inside view) e visão de fora (outside view). A segunda lição foi que nossas previsões iniciais de cerca de dois anos para completar o projeto sofriam de uma falácia do planejamento. Nossas estimativas estavam mais para uma hipótese superotimista do que para uma avaliação realista. Demorei ainda mais para aceitar a terceira lição, que chamo de perseverança irracional: a insensatez que mostramos nesse dia ao não abandonar o projeto. Confrontados com uma escolha, abrimos mão da racionalidade, em vez de abrir mão da empreitada”.

A pergunta que eu faço a vocês é: qual a previsão de linha de base da vida útil de um Planejamento Estratégico do Banco? Não estou falando de seu acerto, não estou falando do prazo de conclusão do plano em si. Estou falando em até quando um plano é plano (e não material destinado à reciclagem).

Aqui cabe outra imagem, que também envolve gatos. Diz a lenda que quando um leão depõe um outro, tomando-lhe a alcateia, a primeira coisa que faz é matar os filhotes do leão anterior. Não é estritamente assim ao que parece, mas serve de metáfora. Quando uma diretoria nova assume o Banco (especialmente se mudam o presidente e o diretor sob o qual está o planejamento), a primeira coisa que se faz é chamar um processo novo de planejamento estratégico. Digamos que é um esforço primitivo no mesmo sentido, o de se perpetuar no tempo.

Há no passado algum momento em que um Planejamento Estratégico significou algo que não um conjunto de folhas de A4 (e arquivos digitais) sequer apto à crítica dos ratos e camundongos? Bem, aqui entro no campo das lendas, do tempo onde eu não estava cá.

Para começar, há que se entender a distância que há entre a tragédia e a farsa. Os anos oitenta são a pura tragédia, o cumprimento de um destino traçado por forças além do controle dos atores. No Banco, onde havia um núcleo ideológico forte de membros do Partidão, as diferentes crises da década punham em cheque o próprio entendimento da realidade. Na tentativa de se redefinir um futuro para além do modelo de desenvolvimento tradicional e da substituição de importações, sob a gestão de Júlio Mourão como sup AP o Banco desenvolveu um processo (que no contexto da época era) revolucionário. A ideia de integração competitiva, o uso de cenários, a metodologia de planejamento estratégico, tudo ali era basicamente novo, um esforço heroico de entender um mundo onde uma nova ordem financeira internacional estava sendo constituída, com a perestroika acontecendo sobre o que era o telos distante de fundo, com pressões externas sobre a economia brasileira mais graves do que quaisquer que conhecemos antes e viemos a conhecer depois em função da crise da dívida. Um mundo desmoronava antes que os muros viessem a fazê-lo, e aquelas pessoas tentavam dotar de sentido o porvir.

1989 houve uma eleição presidencial. Uma vez eleito, o presidente Collor tratou de construir um plano de governo. Luiz Paulo Vellozo Lucas, então chefe do DEPLAN, um engenheiro do Banco com pouco mais de 30 anos, tornou-se o diretor do Departamento da Indústria e do Comércio da Secretaria Nacional de Economia. O que fora a discussão estratégica do Banco virou o a discussão estratégica brasileira.

E cá, Avenida República do Chile, nesse período? Collor entregou o Banco a Eduardo Modiano, um economista da PUC, que veio trazendo uma concepção neoliberal totalmente descolada desse mesmo plano concebido aqui. Privatização, demissões de funcionários, descontinuidade em relação ao planejamento anterior, tudo isso nesse que provavelmente foi um dos momentos mais negros que o Banco passou. Paradoxal? Sim, o governo Collor foi um disparate paradoxal, a UDN trincada. Curiosamente, o presidente Paulo Rabello de Castro em palestra recente tocou na sua interação com o Banco na época de um único presidente: Eduardo Modiano.

Quem quiser saber dessa história em maiores detalhes sugiro ler um artigo de 1994 do próprio Júlio Mourão, A Integração Competitiva e o Planejamento Estratégico no Sistema BNDES. E, para os mais curiosos em relação à época, há um Roda Viva de 1990 com o Vellozo Lucas.

Voltando ao ponto: em que momento um Planejamento Estratégico do Banco quer dizer algo além de um retrato narcísico de uma administração passageira? Numa rápida olhada para esse passado, diria: quando as coisas ruem, seja o modelo do país, seja a ideologia das pessoas. Essas condições até existem hoje, embora as pessoas não se deem conta disso. E essa era a diferença do Júlio Mourão em relação ao de hoje: o entendimento ideológico e o engajamento dele preexistiam ao Banco, iam além dele. No desmoronamento atual não vivemos mais a Tragédia, mas seu remake.

Da Farsa trato em breve.

Esclarecimento: não pense o leitor que nutro alguma devoção pelo alinhamento político-ideológico desse povo que habitava o Banco nessa época. Tirando apoiar a eleição de Tancredo, creio que desde 80 eu estive numa posição política contrária à deles. Nem sei se na época eu teria aderido ao todo da ideia de Integração Competitiva. Hoje, em retrospecto, vejo uma série de acertos e alguns erros críticos, mas que não creio que seriam visíveis na época. Mas nem por isso deixo de admirá-los.

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