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A Hora Errada (2) – Netflix and Chill

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

“One of the things I like that they do for us is that, in effect, I get good advice, if you will, from their people based upon how we’re doing business and how we’re operating, over and above the, just sort of the normal by-the-books audit arrangement.”
(Richard Bruce Cheney)William Roper: So, now you give the Devil the benefit of law!Sir Thomas More: Yes! What would you do? Cut a great road through the law to get after the Devil?William Roper: Yes, I’d cut down every law in England to do that!

Vínculo 1277 – Sir Thomas More: Oh? And when the last law was down, and the Devil turned ‘round on you, where would you hide, Roper, the laws all being flat? This country is planted thick with laws, from coast to coast, Man’s laws, not God’s! And if you cut them down, and you’re just the man to do it, do you really think you could stand upright in the winds that would blow then? Yes, I’d give the Devil benefit of law, for my own safety’s sake!(O Homem Que Não Vendeu Sua Alma)

Noite de domingo. Algum tipo de perversão leva a minha TV – após ter terminado a temporada de Mindhunters na companhia da namorada – a estar passando um vídeo num pen drive. Um evento do passado recente, uma celebração meio esvaziada com um título de gosto duvidoso. Um xará Paulo fazendo o papel de mestre de cerimônias, um xará Paulo presidindo. Ao final, medalhas. Mérito Desenvolvedor! Pr’aquele que fez dois PNDs com (então) mínimas considerações pelo social, a medalha Roberto Campos; pr’aquele que cá passou duas vezes de forma destrambelhada, sendo que na segunda espantando os pássaros da família Ramphastidae, a medalha Rômulo de Almeida; pr’aquele que por duas vezes rei da economia brasileira, o próprio Leão, mas que nunca teve coragem de sobrepor o desenvolvimento às necessidades de curto prazo, a medalha Bulhões Pedreira. Não são eles o Homem de Lata, o Espantalho e o Leão? Não é, portanto, Paulo, o Mágico de Oz?

Mas antes disso, no palco, seis senhores de terno escuro: o TCU; aquele que provavelmente foi o melhor administrador dentre o Carlismo; Cafa, gestor que se cacifou na burocracia da Fazenda em Brasília para comandar sua instituição de origem; o homem que te venderia um tapete voador com defeito, dizendo-o feito em Sampa (embora com instruções em mandarim); um ex-funcionário, ex-diretor, ex-vice, ex-presidente; e um velhinho com um monte de histórias interessantes. E você olhava os seis e se perguntava: quem é Keyser Söze?

Mas aqui vou me ater ao primeiro deles a falar. Quem mais tiver a oportunidade (e a mórbida curiosidade) de assistir, atente ao tom de voz, ao olhar, à postura corporal, a uma autoconfiança semelhante à de um oficial militar ou dobrador de fogo. Não estava o TCU ali para dialogar: eram termos de rendição. Vou pegar quatro frases nas suas falas e fazer uma pequena discussão de quão problemáticas elas são.

Eu fiz uma mudança junto com o corpo técnico em 2013-14 do Tribunal passar a verificar não somente a legalidade dos atos, mas a eficiência do Estado.” À primeira vista pode parecer uma melhoria. Palavras como “eficiência” (e sua filha “efetividade”) estão na moda. Mas não vou problematizá-las neste texto. Há nessa frase um problema maior: com que autoridade um órgão acessório do Legislativo pode fazer uma mudança dessa monta em suas atribuições? Que usurpação da liberdade do Executivo é essa que não passou por nenhuma discussão, nenhuma análise de suas possíveis consequências?

“Eu me inspirei naquela ideia que os americanos fazem, a discussão O Estado da Nação, eles fazem uma avaliação O Estado da Nação, nós fizemos, passamos a fazer…” Se algo sinaliza a usurpação em curso, nada mais sintomático que es-ta frase. O State of the Union é um documento apresentado pelo Presidente dos EUA ao Congresso em que ele “not only reports on the condition of the nation but also allows the President to outline his legislative agenda (for which he needs the cooperation of Congress) and national priorities.” Aliás, há cá a Mensagem ao Congresso Nacional, uma versão bem mais detalhada dos feitos do governo, disponível aos que forem buscá-la no site da Casa Civil.

“E é assim que vamos transformar a empresa Brasil mais competitiva”. Palavras “competição” e “competitividade” foram proferidas incontáveis vezes, como se fora “inovação” em discurso do presidente Luciano. Pergunta: por acaso o que é válido para uma empresa é válido para um país (e em que condições – sob OMC, por exemplo)? E o que um órgão de auditoria tem a haver com isso?

“O nosso papel é fazer, claro a fiscalização da legalidade, e mostrar aonde estão os gargalos” E aqui remeto à primeira epígrafe. Para quem não lembra, Dick Cheney foi vice-presidente dos EUA e, antes disso, CEO da Halliburton, uma megaempreiteira americana com muitos negócios na área de exploração de petróleo. A frase é um depoimento usado em promoção institucional da Arthur-Andersen. Até 2002 havia cinco grandes firmas de auditoria em escala mundial – hoje há quatro. A disposição de dar “good advice” no caso da Enron levou-a a sua virtual dissolução. Identificar gargalos e fiscalizar legalidade são atividades bastante distintas. A meu ver, algo como assobiar e chupar cana.

Mas não é só o TCU com a mais de uma centena de auditorias que atravessamos. Sob a égide do combate incessante à corrupção, o conjunto do “Sistema U”, esse aparato fiscalizatório do Estado que inclui MPU, PF e CGU, foi tomando as dimensões monstruosas que possui hoje. Não que isso não proceda, mas há limites. E limites que não estão só no esculacho ao qual dezenas de colegas do Banco foram submetidos para glória midiática dessas instituições. A segunda epígrafe trata exatamente disso. E, nesse sentido, é como se vivêssemos hoje Rapa-Nui – Uma Aventura no Paraíso.

Voltando à minha implicação lá atrás com a Lourdes Sola, no artigo anterior desta série, esse tipo de arranjo onde tribunais e burocracias de fiscalização vão se atribuindo prerrogativas e poderes não é compatível com um Estado Democrático de Direito. E nisso há que se reconhecer a sabedoria de um caso americano recente, onde a Suprema Corte derrubou por unanimidade a condenação por corrupção do governador de Virginia. A preocupação “It is instead with the broader legal implications of the Government’s boundless interpretation of the federal bribery statute.“, disse o Chief Justice em relação ao que via ser um abuso da Procuradoria. Em sendo os EUA, acredito que nenhum powerpoint tenha sido ferido ou maltratado na construção da acusação.

Aqui A Vida dos Outros já produz resultados. A kafkiana situação a que foi submetido o reitor da UFSC levou-o ao suicídio (e não que a variante americana do Sistema U não tenha produzido seus resultados acadêmicos: Aaron Swartz). Isto está na conta deste excesso, das “árvores” derrubadas em nome da ordem e do progresso moral.

Mais “árvores” estão sendo derrubadas, “árvores” que afetam nossos planos de vida, nosso cotidiano. A revisão constitucional que vem sendo perpetrada neste governo, a toque de caixa (plim!), é uma desestabilização legal do país que impede de se fazer qualquer projeção sobre o futuro. Qual a legitimidade dessas mudanças? Qual o impacto sobre as carreiras dos parlamentares que se voluntariarem a fazê-las?

Não preste atenção ao Governo Temer atrás da cortina.

No A Hora Errada anterior eu terminei com uma frase de Mao. Se pensássemos como maoístas meio século atrás como seria o Brasil de hoje, quem seriam as pessoas no poder? Certamente aquele menino do Piauí que estudou sociologia (Moreira Franco) seria o grande cérebro do politburo. Não se estranharia aquele estudante de direito tão ligado a Marighela (Nunes Ferreira) comandando nossa política externa. Ao invés do capitalismo americano, as empresas chinesas, com seu avanço e progresso tecnológico, estariam assumindo nossos investimentos de infraestrutura, nossa energia, e ao invés de máquinas capitalistas, seria a empresa do Partido Comunista de Pequim (Foton) a fabricar aqui seus caminhões, com alguma pessoa dinâmica no comando, como aquele estudante de engenharia que escondeu o Serra (Mendonça de Barros) quando veio o golpe militar. Forças Armadas e Cultura deveriam estar sob pessoas conectadas com a União Soviética, por exemplo, pessoas do engajado Partidão pernambucano (Jungman e Freire), em nome da unidade do socialismo. Qual seja, o Brasil de hoje é algum filme de viagem no tempo, uma espécie de Um Homem do Futuro sem um Zero a nos redimir, onde uma caricatura de Capitão Nascimento bate à porta. Peggy Sue, Seu Passado a Espera, Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto.

Em sã consciência, qual o quadro institucional daqui a dois anos? Qual daqui a doze?

Na recente manhã de domingo eu esperava uma maratona de Premier League revendo O Alvo. Entre os lindamente datados slow motions de John Woo e Van Damme ao som de guitarras-farofa, a cada intervalo um comercial do SENAI cheio de máquinas que fazem ping, com um senhor magro e bem falante: o homem dos tapetes voadores. Definitivamente também ele não era Keyser Söze. Acho que um dia ele se chamou Jimmy McGill…
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(Para ler a primeira parte do texto, clique aqui.

Primeiro vamos aos filmes e séries citados ao longo do texto. Acho que todos podem ser assistidos sem maiores danos à saúde. Estão com links para o imdb.com.

50 anos atrás O Homem Que Não Vendeu Sua Alma papou os Oscars de melhor filme, melhor ator e melhor diretor. Na China, acontecia a Revolução Cultural.

Mind

hunter é uma interessante série da Netflix lançada este ano. Conta, de forma adaptada, a história dos policiais/cientistas que inventaram o termo serial killerBinge!

O Mágico de Oz dispensa comentários.

Keyser Söze é um personagem de Os Suspeitos. Kevin Spacey antes da fama e da infâmia. Filmaço!

Rapa-Nui – Uma Aventura no Paraíso é um filme curioso. Bom? Não propriamente. Mas tem sua graça. Há controvérsias se a História realmente bate com o que está no filme:

https://blog.frontiersin.org/2017/09/26/frontiers-in-ecology-and-evolution-easter-island-human-population

https://www.npr.org/sections/krulwich/2013/12/09/249728994/what-happened-on-easter-island-a-new-even-scarier-scenario

https://arstechnica.com/science/2016/02/new-evidence-easter-island-civilization-was-not-destroyed-by-war

A Vida dos Outros é um daqueles filmes dos quais se sai do cinema pra lá de épico. Muito, muito bom filme. Mas só como obra de ficção. Porque, em si, o que torna o filme pra lá de épico é uma romantização do que foi o terror de um estado policial. Neste sentido, ele não funciona como cautionary tale do que passamos hoje no Brasil. Os dois artigos abaixo tratam dessa deficiência do filme:

http://inthesetimes.com/article/3183/the_dreams_of_others

https://www.theguardian.com/books/2007/may/05/featuresreviews.guardianreview12

O Homem do Futuro é um simpático filme brasileiro onde Wagner Moura faz o papel de Zero, um cientista que faz uns vai e vens no tempo tentando consertar sua vida romântica. É bonitinho, mas longe de Zero ser um personagem impactante como o foram (e seriam) Roberto Nascimento, Spider ou mesmo Donato.

Peggy Sue, Seu Passado a Espera, é um filme bem anos 80, meio De Volta Pro Futuro, meio mais ou menos. Mas esse diálogo é legal, e tem tudo a haver com nossos ex-maoistas:

–          You see, I think that time is like a burrito in the sense that one part of itself will fold over and it will just touch the other part.

–          What’s inside?

–          You can fill it with whatever you want.  You can fill it with memories, with experiences, trigonometry. Anything.

Já Querida, Vou Comprar Cigarros e Já Volto, trata do mesma questão de voltar atrás no tempo, só que com uma acidez fantástica. E se em peggy sue você ri de uma música dos Beatles, aqui uma música do Lennon é parte da história.

O Alvo é um daqueles filmes totalmente descartáveis. Como comerciais de TV a cabo.

máquina que faz ping é um elemento em O Sentido da Vida, um filme cheio de cenas interessantes. Há uma discussão que certamente representa a culminação de um processo corporativo de planejamento estratégico.

Jimmy McGill é um personagem secundário que ganhou sua própria série.

O vídeo no pendrive é “O BNDES em Sua Melhor Idade”, disponível para ser copiado nas melhores COPEDs do ramo. Reis Velloso, Carlos Lessa e Delfim Neto receberam as medalhas, uma bela ideia do Presidente (mas não sei onde ele vai arrumar gente do mesmo quilate ano que vem). Os palestrantes (na ordem de descrição) foram Augusto Nardes, Cesar Borges, Paulo Caffarelli, Paulo Skaf, José Pio Borges e Luiz Lemos Leite. Os Paulos são Mauad e Rabello de Castro.

State of the Unionhttps://en.wikipedia.org/wiki/State_of_the_Union

Cheney: http://www.cc.com/video-clips/cywb2d/the-daily-show-with-jon-stewart-moment-of-zen—good-accounting

Sobre Aaron Swartz, essa entrevista com Lawrence Lessig é talvez um dos melhores lugares para se entender de quem se tratava:

https://www.theatlantic.com/business/archive/2017/08/lawrence-lessig-aaron-swartz/537693

https://en.wikipedia.org/wiki/Aaron_Swartz

Sobre o caso do governador de Virgínia, seguem a matéria de jornal de onde extraí a citação, um link com monte de links de discussões jurídicas para os interessados, e uma crítica avulsa (da qual pessoalmente, discordo):

https://www.washingtonpost.com/politics/supreme-court-rules-unanimously-in-favor-of-former-va-robert-f-mcdonnell-in-corruption-case/2016/06/27/38526a94-3c75-11e6-a66f-aa6c1883b6b1_story.html?utm_term=.4a5cdb01b6e0

http://www.scotusblog.com/case-files/cases/mcdonnell-v-united-states/

McDonnell’s conviction was vacated on the grounds that the meaning of “official act” does not include merely setting up a meeting, calling another public official, or hosting an event.” Muita palhaçada e powerpoint seriam evitados com esse entendimento tão claro da Suprema Corte dos EUA.

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