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A Hora Errada (1) – A Visita da Senhora Lourdes

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Vínculo 1267 – “Tenho a honra de defender, em nome de nossos companheiros João Paulo e Olívio Dutra, do Partido dos Trabalhadores; Marco Maciel, José Lins e Carlos Chiarelli, do Partido da Frente Liberal; Cardoso Alves, do PMDB; e Juarez Antunes, do PDT, posições partidárias divergentes em outros assuntos e convergentes neste momento. Convergentes, companheiros, porque temos a certeza de que a liberdade de organização está diretamente ligada à liberdade política. A democracia está diretamente ligada a esta liberdade.”
(DIÁRIO DA ASSEMBLÉIA NACIONAL CONSTITUINTE, 2 de Março de 1988, p25)

E eis que um amigo me comenta a indelicadeza de um perguntador barbudo que fez um heckling da simpática Lourdes Sola, que esteve aqui palestrando no processo de planejamento estratégico em curso. A provocação: se ela lembrava como foi a votação sobre sindicatos na Constituinte?

A provocação não era gratuita. Ela complementava o ponto de uma pergunta anterior. E aqui faço uma breve digressão sobre a arte da pergunta. Faz-se pergunta para esclarecer um ponto do que foi dito. Faz-se pergunta para afirmar uma posição. Isso é o comum das perguntas. Também delas faço, mas sinceramente acho que há pouca graça nisso. Tal como entendo, tal como gosto de fazer, boa pergunta é aquela que permite ao palestrante dizer o que ele quer dizer fora das amarras do tema da palestra, do powerpoint que o emoldura naquele evento. Uma boa pergunta rompe as defesas da formalidade e o liberta para dizer o que realmente acha sobre o que o aflige/emociona naquele momento. Que nem sempre é o objeto da palestra, mas que quase sempre nos traz algo muito mais interessante para o entendimento do mundo (e do palestrante).

No caso da professora Sola, a crise de legitimidade e mudanças que tornam a sociedade mais ativa era o que ela veio nos dizer. Engasgada era a afirmação que uma Constituição deve ser feita por um pequeno grupo de ilustrados especialistas e simplesmente referendada pelo órgão representativo eleito. E uma observação de que nos EUA uma vez que a Justiça decidiu ninguém questiona, ao contrário do Brasil. Observação que funciona para muitos casos, menos para quando isso realmente importou: após o mandato que Roosevelt ganhou com a eleição de 1937, por exemplo.

Voltando à interpelação, o parágrafo na abertura deste texto foi parte da fala de Guilherme Afif Domingos, deputado federal pelo PL com mais de 500 mil votos na eleição de 86. Na época do PL de Álvaro Valle, agora PSD de Kassab. Coube a ele defender uma emenda aglutinativa desse conjunto de parlamentares propondo a pluralidade sindical, desamarrando com o cartório – que existe até hoje. Sim, a emenda foi recusada (148 sim, 305 não, 19 abstenções) com os votos contrários de Geraldo Alckmin Filho, José Serra e Michel Temer. FHC deve ter ido ao banheiro, já que não votou nessa mas votou na seguinte, que aprovou o texto que ficou. O PT se absteve nessa segunda votação.

Por que trazer isso? Porque o processo político é um pouco mais complexo do que os manuais construídos na polaridade entre esquerda e direita. Porque essa votação sinaliza uma ruptura que a professora Sola parece desconhecer. Pois enquanto seus pares políticos na época defendiam a manutenção de um status quo, outros já estavam dentro da lógica de mercados enquanto solução dos problemas. Pós-queda do Muro o neoliberalismo tornou-se A ideologia. E nossa recém-aprovada Constituição algo subitamente anacrônico. E pessoas que defenderam o antigo status quo se tornaram porta-vozes do novo novo sem a menor menção à radical mudança que se passava, neoliberais renascidos… bem, teve o Choque do Capitalismo.

Se a doutora Lourdes não se dá conta dessa mudança, de como ela destrói o demos ao fragmentá-lo em identidades e consumidores – em oposição ao processo anterior construído a partir de classes sociais e organizações (como sindicatos e partidos) – ela também não consegue entender o desmoronamento atual da ordem neoliberal. Ela está a duas revoluções de distância, sendo uma delas a revolução em curso. E, neste sentido, o desmoronamento eleitoral das caixas ocas em que se tornaram os partidos do Ocidente no (pós)neoliberalismo – última das quais foi a Alemanha – é coisa que escapa ao tempo de Sartori. A crise de legitimação que ela enxerga, da qual ela falou, é um processo mais grave, profundo, complexo, universal. Essa é uma revolução cujo entendimento sobre ainda está por ser construído. Mas há pensadores contemporâneos – como Mark Blyth, Wendy Brown, Janine Wedel, só para citar três autores, atuantes em disciplinas e matrizes teóricas distintas – onde é possível vislumbrar algum sentido nesse processo.

Este desmonte dos sistemas partidários pelo mundo afora é um primeiro ponto de alguns artigos que pretendo escrever sobre a pertinência de se fazer um processo de planejamento estratégico neste momento. Não só aqui quanto nos outros pontos a serem explorados posteriormente, é a hora errada, pois.“Há uma grande desordem sob o céu, a situação é excelente.”
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http://www.senado.gov.br/publicacoes/anais/constituinte/N014.pdf
https://en.wikipedia.org/wiki/Judicial_Procedures_Reform_Bill_of_1937
http://tucano.org.br/historia/choque-do-capitalismo

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