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Grupo BNDES?

Paulo Faveret – Economista do BNDES

Vínculo 1392 – INTRODUÇÃO. Em 2017, compartilhei algumas provocações com os responsáveis pela reestruturação em curso – qual delas, já nem sei dizer. Optei por recuperar o texto apesar de alguns pontos datados, porque a crise econômica derivada do coronavírus reenquadrou a questão da intervenção estatal no mundo todo, mesmo onde o liberalismo dominava. O cenário de uma maior participação direta do governo como empresário não está descartada, ao contrário, é bastante provável.

No que se segue, há ideias minhas e de terceiros. Não me preocupo em dizer qual parte é minha ou dos outros. Até porque as “minhas” ideias geralmente nascem em vários lugares, surgem de conversas variadas, são sempre resultado de construções sociais. Eventualmente encampo ideias de outros e nem isso elas são menos “minhas”.

PARÊNTESES. Como em outros casos, os chineses assistem satisfeitos aos dilemas ocidentais entre estado e mercado, coisa que inexiste para eles, campeões em número e tamanho de empresas estatais, sem contar que mesmo empresas “privadas” são comandadas por empresários filiados ao Partido Comunista Chinês. A respeito das estatais chinesas, leiam nota recente do FMI aqui. Antes da crise atual, Europa tinha 598 empresas estatais, enquanto o Leste Asiático, 332. Aguardemos o processo de assunção de dívidas e de salvamento de empresas e refaçamos a conta em um ano.

UM POUCO DE HISTÓRIA. Na Europa da década de 1930 e pós Segunda Guerra Mundial, multiplicaram-se as “nacionalizações”, termo utilizado para designar os variados tipos de controle estatal, seja por criação de empresas ou por transferência de empresas privadas para o governo – forma mais frequente. Todos os países industrializados assistiram ao avanço do governo na produção e nas finanças.

Na Itália, tantas e tão variadas foram as empresas nacionalizadas que o governo instituiu “Duas novas holdings estatais, o Instituto Italiano de Finanças Industriais (Istituto Mobiliare Italiano; IMI) e o Instituto de Reconstrução Industrial (Istituto per la Ricostruzione Industriale; IRI) – foram criadas para resgatar empresas em falência e fornecer capital para novos investimentos industriais; eles também forneceram gerentes treinados e supervisão financeira eficaz. A Itália adquiriu, assim, um imenso setor industrial liderado pelo Estado, que foi especialmente importante nos setores bancário, siderúrgico, marítimo, armamento e fornecimento de hidreletricidade. No entanto, essas empresas não foram nacionalizadas. Em vez disso, eles operavam no mercado como empresas privadas e ainda tinham muitos acionistas privados”. Leia mais aqui.

NOVA MACROESTRUTURA DO BNDES. A reflexão é baseada no eixo “objeto de trabalho – maneira de trabalhar – especialização da missão e objetivos”. A novidade aqui é trazer a “maneira de trabalhar” para o centro da atenção. Isso significa que se cada unidade de negócio for desenhada com precisão terá grande correlação com a maneira de trabalhar das pessoas ali alocadas. O resultado será uma alocação mais condizente com as competências técnicas e, sobretudo, com as comportamentais e os valores dos empregados, o que ajudará muito na mobilização da energia e da criatividade. Ademais, ao distribuir a “macromissão” do banco (que passaria a ser um grupo) em “mezzomissões” de cada componente, o escopo de atuação ficaria mais claro e os objetivos, mais palpáveis e mensuráveis.

É necessário rever permanentemente os objetos de trabalho do banco (o que financiamos), a maneira como lidamos com eles (como financiamos, instrumentos etc.), as estruturas correspondentes e, algo sobre o qual pouco se fala, a maneira como trabalhamos. Os novos objetos (pobreza, cidades, educação, segurança etc.) e os novos instrumentos (digitais, a maioria, mas não só) requerem formas de trabalhar diferentes. Eles exigem conhecimentos que não temos na escala necessária, o que assusta a maioria, que deve se sentir descartável ou pouco útil. Um programa massivo e organizado e incentivado de (auto)aprendizado em novas competências técnicas é essencial. A turma tem que se capacitar em áreas onde o banco hoje é deficiente. Além disso, porque a implementação de projetos nessas áreas é mais complexa do que em outras, as pessoas precisam aprender a operar em rede, dentro e fora do banco, o que requer intensas competências de relacionamento, ou capital social, como alguns dizem.

SEGMENTAÇÃO DE ESTRUTURAS. Isso passa também por reconhecer que estruturas deveriam ser segmentadas levando-se em consideração o modo de trabalhar. Acho que deveríamos testar a hipótese de tornar o banco uma federação de empresas, não mais uma grande empresa, com a consequente mudança na governança do topo desse conglomerado, ou grupo, como queiram. FINAME, BNDESPar, Renda Fixa, Não-Reembolsáveis, EXIM – há pelo menos essas cinco unidades de negócios muito diferentes em tudo e, sobretudo, no modo de trabalhar.

Se reconhecermos que são diferentes em quase tudo e instituirmos uma segmentação ostensiva (no limite com sua transformação em empresas separadas), uma imensa energia será liberada, pois as pessoas com afinidade com cada modus operandi serão bem alocadas e produzirão mais resultados. Ademais, as missões de cada uma das áreas de negócio seriam distintas, reduzindo o excesso de demandas simbólicas sobre instrumentos incapazes de atendê-las.

RENDA VARIÁVEL. Esse caso é apenas o mais ostensivo. Esse instrumento tem potencialidades e limitações muito diferentes das da renda fixa. Não é justo cobrar dele os mesmos objetivos de desenvolvimento do restante do banco. O escopo e a forma de atender esses objetivos são diferentes e precisam ser respeitados. O perfil das pessoas também é bastante diferente e isso se vê pelas escolhas naturais nas áreas preferencias de trabalho (“o rio corre pro mar”).

FINAME. Essa veterana empresa só terá chance de sobreviver, para além de mero canal para MPME, se se reinventar como empresa de base tecnológica. Isso já está acontecendo espontaneamente, pois as pessoas perceberam as gigantescas mudanças estruturais em curso e começaram a propor novos instrumentos e projetos, que requerem novas mentalidades e comportamentos. A nova Finame requer uso intensivo e criativo de TI.

EXIMBANK. Desde o início, é uma ilha com políticas, sistemas, métodos, interlocutores e contratos distintos do resto.  Integrado imperfeitamente com o restante do sistema de financiamento exterior, não tem toda a potencialidade explorada. Como no caso das outras duas áreas de negócio mencionadas, a lista de exceções em relação às POs é grande. Melhor reconhecer, aceitar essa realidade e liberar o Exim de vez das amarras que podem fazer sentido em outros instrumentos, mas não se adequam ao modo de trabalhar e fazer negócios.

RENDA FIXA.  É uma área de trabalho onde os ajustes não são revolucionários e já temos bom domínio de forma e conteúdo. Aqui o tema crítico é eficiência e doses adequadas de padronização e customização. Padronização para reduzir custo de transação e aumentar velocidade de resposta, facilitando também crescente automatização. E customização para dar conta da complexidade de projetos de desenvolvimento, que nem sempre devem ser padronizados posto que a efetividade da ação do banco poderia ser sacrificada. Trata-se de uma sintonia fina sofisticada e em permanente recalibração.

NÃO REEMBOLSÁVEIS. Por fim, sem esgotar, tenho fortíssima inclinação pela ideia de que o não-reembolsável pode crescer imensamente nos próximos anos. O Fundo Amazônia sinaliza o caminho de uma nova governança e novos instrumentos. O BNDES tem posição privilegiadíssima para ser “o” gestor de fundos de impacto por excelência, mediador de captação e aplicação de recursos públicos e privados, nacionais e internacionais, em áreas como meio ambiente e social (inovação, quiçá). Há recursos sobrando no mundo à espera de bons projetos e bons gestores. Ninguém sabe fazer isso melhor no Brasil do que o banco.

Os volumes mobilizados não serão gigantescos comparados com outras áreas, mas podem ter imenso impacto no desenvolvimento e serem cruciais para a recuperação da imagem (ou construção de nova imagem) do banco. O FUMIN – Fundo Multilateral de Investimentos – do BID oferece excelente exemplo. Se isso dará origem a uma fundação ou a uma empresa, não vem ao caso e não seria minha primeira preocupação. Eu estaria muito mais interessado em deixar claro que o BNDES trabalhará para ser o principal veículo mobilizador de recursos e capacidades públicas e privadas para projetos e iniciativas inovadoras no campo de inovações socioambientais.

Um dos mais importantes diferenciais competitivos do BNDES na gestão de fundos de impacto no desenvolvimento é sua capacidade singular de avaliar eficácia e efetividade. O banco dispõe do sistema mais abrangente e sofisticado do Brasil para monitorar e avaliar efetividade. Isso auxiliaria muito na atração de parceiros públicos e privados com foco semelhante em resultados.

NOTA. Os três parágrafos anteriores foram escritos em 2017. Têm hoje caráter flagrantemente utópico. Como o artigo olha para o médio prazo, achei importante registrar.

GOVERNANÇA. Nesse “Grupo BNDES”, as diretorias de cada empresa seriam diferentes entre si, mais especializadas. Como na EMBRAPA, seleção pública pode ser um caminho para conciliar diversidade de visões com excelência técnica. Já o Conselho de Administração do grupo ou conglomerado poderia ser mais aberto do que hoje, com maior representação social – trabalhadores e empresários, governos estaduais, não só governo federal. O CA ampliado definiria as macro-opções e objetivos, e depois cada empresa do grupo teria uma missão mais clara e focada e receberia a parte que lhe cabe nesse latifúndio do desenvolvimento. Seria um belo experimento sociopolítico empresarial. O grupo seria muito híbrido no todo, mas cada componente seria menos híbrido, menos ambíguo do que é hoje. A ambição seria montar uma rede empresarial articulada interna e externamente por objetivos e métodos bem definidos

Notem que essa busca por heterogeneidade nos níveis mais altos de governança ocorre em muitas empresas multinacionais. O Facebook, por exemplo, criou um Comitê de Supervisão independente, com orçamento próprio, no qual participam especialistas internacionais. Ou seja, a empresa alienou parte de sua soberania operacional em favor de atores externos para atenuar as críticas em relação aos resultados de seus algoritmos. Analogamente, o BNDES precisa de diversidade em sua governança exatamente pela natureza de sua missão. Operar o desenvolvimento é lidar com a complexidade e uma das regras da gestão da complexidade é exatamente a necessidade de vozes e olhares diversos sobre o problema em questão.

PARCERIAS E REDES. Se cada empresa se tornar mais especializada, cresceria a possibilidade de ela se articular com os parceiros relevantes em cada área de negócio. Por exemplo, porque a subsidiária EXIMBANK não poderia receber aportes de outros atores? Isso talvez valha para o FINAME que, se bem-sucedido em seu reposicionamento de mercado, poderia interessar a vários bancos e se tornar algo semelhante a empresas com vários investidores. O “nosso Fumin” certamente deveria ser aberto a vários tipos de investidores, primeiro nos fundos criados e depois no próprio capital, por que não?

FECHAMENTO. A estrutura de conglomerado facilitaria a gestão de eventuais ativos públicos e privados que o banco possa vir a ter que encampar em função da crise. A experiência do IRI e do IMI poderia ser estudada, bem como outras, mais contemporâneas.

Talvez não haja nada inédito no que foi dito. Em face da radicalidade e novidade da situação em que nos encontramos, deveríamos ao menos mergulhar nessas hipóteses para testá-las.

O central é manter uma postura de pragmatismo bem informado e com visão de longo prazo. Todo o dogmatismo em meio ao caos trazido pela pandemia é danoso.

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