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Plano Real: Afinal, como surgiu a URV?

Claudio Braga de Abreu e Silva – Engenheiro da AFBNDESPAR

VÍNCULO 223 (22/09/1994) No período de julho a outubro de 1993, quando ainda se discutiam outras formas de tratamento para nossa economia, enviei para diversas pessoas e entidades formadoras de opinião e tomadoras de decisão do país – inclusive para o Presidente Itamar Franco, o Ministro Fernando Henrique e seus principais assessores – o meu trabalho denominado “A INDEXAÇÃO DIÁRIA NEGOCIADA”, cuja versão preliminar foi entregue em 30/07/93 ao então presidente do BNDES, Dr. Delben Leite, e a final concluída em 31/08/93.

Como o próprio nome sugere e o seu conteúdo confirma, minha proposta é muito semelhante ao denominado Plano Real, particularmente no que se relaciona à sua principal inovação: criar-se um indexador diário para ser adotado de forma compulsória para os salários e de forma voluntária e negociada pelos agentes econômicos, e que, no final do processo, acaba transformando-se na nova moeda forte nacional.

Fundamentado em uma série de evidências, que não serão aqui totalmente apresentadas, acredito que o meu trabalho foi a base para a elaboração do Plano Real. É lamentável que, embora tenha recebido cartas de agradecimento do próprio ministro e de seus assessores, nenhuma delas esclareceu tal fato. Minha intenção foi a de contribuir e sinto-me recompensado por ter sido adotado algo parecido. Contudo, gostaria de ter meu mérito reconhecido, pois tenho este direito.

Meu trabalho foi uma contribuição pessoal, no âmbito da campanha do Betinho, ao Grupo de Ações Estruturais Contra a Miséria e a Fome dos Funcionários do Sistema BNDES – onde trabalho e sou Diretor Financeiro da AFBNDESPAR. Sempre lhe conferi um caracter supra-classista e supra-partidário, pois acreditei firmemente que a eliminação da inflação do Brasil passava pelas suas propostas, na medida em que elas viabilizariam um efetivo pacto nacional.

A maior prova disto é que minha proposta foi distribuída, de julho a outubro de 1993, para mais de 150 pessoas e instituições do poder executivo federal, estadual e municipal), do Congresso, e de entidades representativas da indústria, do comércio, do setor financeiro, dos trabalhadores, das universidades e da imprensa, entre outras. Tenho comigo mais de 40 cartas de agradecimento pelo envio do trabalho. Destaco a enviada a pedido do ministro pelo chefe do gabinete do Ministério da Fazenda (de 29/09/93), e as dos Dr. Edmar Bacha (de 08/09/93), e do Dr. Winston Fritsch (de 30/09/93), remetidas logo após as primeiras notícias na imprensa sobre a adoção do indexador.

Reconheço que o então Ministro Fernando Henrique Cardoso e sua equipe tiveram o mérito de ter acreditado na proposta e concretizado a idéia inovadora do plano, onde a utilização do indexador diário permitiu que, pela primeira vez em nossa história, se aplicasse um programa de estabilização feito gradualmente e em etapas, sem congelamentos, sem seqüestro de poupança, sem quebras abruptas de contratos, sem maiores surpresas e de forma transparente, anunciada e negociada.

A criação do indexador-moeda viabilizou proposições semelhantes feitas em planos de estabilização denominados de bi-monetários ou de moeda indexada, elaborados há muitos anos por membros da equipe econômica, que, contudo, nunca foram executados por terem alguns problemas.

A grande diferença entre o Plano Real e os planos bi-monetários é na fase de preparação: no primeiro convivem na economia um indexador-moeda e a moeda fraca, e nos segundos convivem, simulta-neamente, duas moedas efetivas, uma forte e outra fraca.

Os problemas dos planos bi-monetários são uma tendência à hiperinflação na moeda fraca – em função de ninguém querer ficar com ela em seu poder – e a impossibilidade de se determinar a taxa de conversão entre as duas moedas. Tais problemas forçam a redução do período de transição, cujo alongamento é justamente um de seus objetivos. Isto porque, como a inflação só pode ser apurada em uma única moeda, na medida em que os preços na moeda fraca fossem sendo convertidos para a moeda forte, seria necessário se fazer uso da própria taxa de conversão entre elas para determiná-la em qualquer das duas moedas. É como na imagem da cobra que engole o próprio rabo, pois matematicamente a incógnita é função dela mesmo. E sem a determinação precisa da taxa de conversão como se controlaria o volume total de moeda na economia, se não através de mecanismos de engessamento monetário, tal como o lastro(indisponível)em moedas estrangeiras?

Na minha proposta e no Plano Real, introduz-se apenas mais um indexador na economia. E, assim, a inflação pode ser apurada normalmente, pois a moeda é uma só. Isto viabiliza a adoção do indexador-moeda por um período de tempo prolongado, sem qualquer risco de hiperinflação, ao contrário do que achavam quase todos oseconomistas, desde a época da elaboração do meu trabalho até data da criação da URV.

No caso do Plano Real, o período de existência da URV, além de ter sido retardado, foi muito curto, e, adicionalmente, o uso dela foi muito restrito. Teria sido em função do ajustamento do cronograma do plano ao do calendário eleitoral? Ou do medo infundado da hiperinflação por parte dos economistas? Ressalte-se que, ao contrário, houve estabilização da inflação nos quatro meses de vigência da URV, devido à maior uniformização da indexação existente. Por outro lado, verificaram-se aumentos da inflação por ocasião da introdução da URV e na sua transformação no Real, certamente devido ao aumento das expectativas dos agentes econômicos, face ao curto período de existência do indexador. Vale dizer que os últimos aumentos causaram perdas para os trabalhadores, que só serão repostas por ocasião da sua data base.

No meu trabalho o indexador-moeda foi denominado de Cruzeiro Cambial (CrC$), e seria apurado diariamente com base na cotação de uma cesta de moedas estrangeiras, tal como anunciado inicialmente pela equipe econômica. Ele teria a função de uniformizar os preços relativos na fase de preparação, e com isso reduzir o aumento de parte da inflação real decorrente das expectativas dos agentes econômicos. Depois da criação do Real, o CrC$ continuaria a existir, e, além disto, passaria a ser de uso compulsório por um período de um ano ou mais, que chamei de fase de estabilização, na qual seriam concluídas as reformas estruturais necessárias para acabar com a parte da inflação real decorrente do desequilíbrio fiscal. Só então, na fase de consolidação, se transformaria o indexador-moeda na nova moeda forte nacional, que denominei de Cruzeiro (sem adjetivos!), e se proibiria a indexação. Deste modo, o Real, que denominei de Cruzeiro Novo, seria apenas uma moeda transitória, criada para eliminar a inflação inercial, e não para ser usada para fins eleitorais.

Todas essas considerações feitas acima foram objetos de artigos que fiz, em fevereiro a maio de 1994, como contribuições adicionais, que, contudo, não foram levadas em conta pela equipe econômica. Só resta torcer para que eu esteja errado, de modo que o Plano Real, apesar das suas imperfeições, acabe dando certo, pois a inflação tem que ser extinta.

A essência do meu trabalho baseou-se na elaboração das vacinas contra veneno de cobra, onde se usa o próprio veneno do animal. Imaginei que para acabar com a indexação, dever-se-ia primeiro superindexar a economia para depois proibir a indexação. Em função disto, surgiu o seu subtítulo: “Contra o veneno da cobra, só o próprio veneno da cobra”.

Isto acabou gerando duas evidências de que o Plano Real foi de fato baseado no meu trabalho, que são duas citações feitas na imprensa relacionadas ao conceito, as quais são reproduzidas a seguir:

  1. na revista EXAME de 08/12/93, na reportagem “Façam o jogo senhores”:

“Concebida nos laboratórios da equipe econômica do ministro Fernando Henrique,…, a UR destina-se a funcionar como remédio contra mordida de cobra. Como os soros antiofídicos, feitos a partir do próprio veneno dos répteis, a UR …., conforme definiu um dos principais assessores do ministro em conversa com a chefe da sucursal de EXAME em Brasília”
  • na revista VEJA de 14/09/94, na reportagem “A moeda dos pesos pesados”, em um trecho que narra citações do Dr. Edmar Bacha:

“O veneno da indexação mensal automática dos preços foi combatido com o mesmo veneno em dose maior: a superindexação diária.”

Será que a URV foi mesmo concebida nos laboratórios da equipe econômica do então ministro, e hoje candidato à presidência, Fernando Henrique Cardoso?

Com a palavra o senador Fernando Henrique Cardoso, que nunca respondeu a pergunta que fiz, nas cartas que lhe enviei nos dias 06/12/93, 25/03/94 e 26/08/94, sobre o fato do Plano Real ter sido feito com base na minha proposta. Responda senador, pois, afinal, todos têm direito de saber desta história.

Rio de Janeiro, 20 de setembro de 1994.

OBS: Encontra-se à disposição dos interessados na biblioteca do BNDES, no Rio, todo o material relacionado à “A INDEXAÇÃO DIÁRIA NEGOCIADA”, contendo suas três versões (original de 31/08/93, resumida de 08/09/93 e resumo de 25/11/93), cartas enviadas e recebidas, recortes de notícias publicadas na imprensa, e os cinco artigos que escrevi no período de fevereiro a maio de 1994, como contribuições adicionais

Artigo publicado no VÍNCULO em 22/09/1994.

► As opiniões emitidas nos artigos assinados são de responsabilidade de seus autores e não refletem necessariamente a opinião da AFBNDES ou do BNDES.

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