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Que tiro foi esse?, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“Let me tell you, you take on the intelligence community, they have six ways from Sunday at getting back at you”
(Schmuck Schumer)

VÍNCULO 1603 – Não me surpreendeu. Achava que seria algo mais bombástico, tipo Anwar Sadat, só que com um RPG. Tanto que concluí o artigo passado com isso. Mas o inesperado se fez presente, e o levemente ensanguentado Arquétipo do Trickster ergueu sua mão vitoriosa, como Charlton Heston em 2022, como James Caan em 2018, os futuros que esquecemos. Difícil matar um arquétipo, espírito do tempo caminhando entre os mortais. Só o tempo senhor da verdade irá derrubar àquele que nenhum pó retornará. O Trickster não é uma ilusão, like water, magia marcial em movimento. O Trickster é o inesperado, protegido pelo acaso. O Trickster é Prometeu fugindo com o fogo, distribuindo para a rapaziada (para ao final acabar tendo uns problemas com o fígado). Uma fração de segundo e uma bala perdida de AR-15, dessas tão conhecidas na Região Metropolitana do Rio de Janeiro, teria posto fim a Trump enquanto entidade pensante, provavelmente enquanto animal vivo. O caos teria sido instaurado, um caos que alimentaria a ordem vigente, soma servida ao Deep State Ferreiro das Mentiras, que acreditamos aprisionado com a Sombra. Mas esse não é o caos que rodeia o Trickster, o inversor da ordem, o despertador. O inesperado triunfou, magicamente, às 6:11 da tarde, para que no minuto seguinte se tivesse consciência da luta, “pois não é contra homens de carne e sangue que temos de lutar, mas contra os principados e potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal (espalhadas) nos ares.”

Boa a lembrança de Pepe Escobar, num artigo muito bem escrito, da frase do desprezível senador por Nova Iorque. Claro, o artigo do Pepe peca em certo momento pela fixação tão tupiniquim de que riqueza é algo que deriva do chão (no caso do artigo, o chão negro da Ucrânia). Riqueza é trabalho, ensina a China. O fogo ajuda, é bem verdade (valeu Prometeu, me lembra de te mandar epocler ou xantinon). Há outra fixação que é a ideia de que, por trás da trindade que comanda o (será que ainda o é) capitalismo contemporâneo existem famílias tradicionais de bilionários, Du Ponts e Rothschilds enquanto Tessier-Ashpools. Essa talvez seja uma ilusão confortável para não se admitir o poder desmesurado daqueles que simplesmente ocupam posições, o poder que advém das estruturas corporativas em si. Os irmãos Mike Donilon e Tom Donilon, por exemplo, para citar quem opera o teleprompter. Mas o artigo do Pepe realmente está divertido e bom. Também muito bons os vídeos discutindo tecnicamente o atentado e as (não-)medidas de segurança que se pode acessar no site do Larry Johnson.

Matar (ou tentar matar) presidentes e candidatos à presidência é uma coisa longe de ser inédita nos EUA. Quatro presidentes foram assassinados no exercício de seus mandatos. Aliás, dos quatro presidentes no monte Rushmore, um foi assassinado (Lincoln) e outro sobreviveu a um tiro em campanha (fracassada) para voltar à presidência (Teddy Roosevelt).

O que o tiro não foi? Uma facada. Há um monte de vídeos de um monte de ângulos, como observou Romulus Maia. Há entrevistas de pessoas que estavam no local. Portanto, qualquer teoria de conspiração que se construa não pode negar o tiro, por mais desesperada que se fique com os possíveis impactos eleitorais positivos que isso possa ter para Trump.

Aliás, as memes… Eu recebi “man of the ear” de umas cinco pessoas/grupos diferentes. Se a foto para a polícia da Georgia foi icônica, as imagens desse incidente são um patamar acima.

Mas o que aconteceu?

Um tiro dado por um rapaz sem muita vida digital. Que possivelmente teve comunicações encriptadas com alguém. Filiado aos republicanos, o que não quer dizer nada: democratas andaram fazendo isso para sabotar as primárias republicanas. Republicano ele não era: usou máscara contra covid por muito tempo, foi o último da turma a tirar. Mais do que qualquer coisa isso mostra o que era halal para ele.

Hipótese inocente do que aconteceu: uma lambança. Mais um sintoma de que hoje nada funciona nos EUA. O uso de um genérico de AR-15 do pai sinaliza uma possível improvisação. O teto daquele que era o único prédio adequado para alguém fazer o atentado possivelmente estava vazio pois fazia muito calor. Ficar num teto de metal com esse calor não é saudável, quanto mais confortável. Falha de comunicação entre a equipe inexperiente do Serviço Secreto (que, apesar do nome, quer dizer o pessoal que protege o presidente) que estava lá e a polícia local. A falência institucional que é o governo Biden quase matou seu rival.

Mas pode se entender tal negligência como intencional. Afinal, não é preciso você fazer um atentado contra alguém indesejável para o sistema. Basta você martelar na imprensa como aquela pessoa é a encarnação de todo o mal que alguém vai tentar se redimir perante Deus e o mundo matando Hitler no berço. É como um processo de fermentação: você deixa lá com o calorzinho que uma hora fica pronta a massa. E aí é só ter uma atitude descuidada e pronto! Problema resolvido. Eventualmente, algum FBI da vida dá um empurrãozinho. Terá ele tido algum auxílio no planejamento? De quem?

O timing, esse foi na medida. Até ali Trump não tinha vice. Agora tem. Qualquer atentado vai ancorar a escolha do sucessor nesse vice. E essa é a parte desconfortável para o establishment: J. D. Vance, senador por Ohio, 39 anos, autor de um best-seller: ex-marine, ex-pobre, o tipo de pessoa conscientemente abandonada por democratas como Schumer. Mas com Direito em Yale. Dado adicional para os que consomem a paranoia da “teologia do domínio”: ele é convertido ao catolicismo. Vance não só ajuda Trump a ganhar o abandonado meio fabril dos EUA, o apoio dos trabalhadores: Vance é um seguro, um escudo contra as tentações. Matar ou impichar Trump põe alguém mais radical ainda no projeto MAGA.

Não descarte um outro atentado. Algo mais violento, desesperado. A ordem neoliberal baseada em regras tem poucos meses pela frente. Que venha o caos ao Norte, e que tijolo por tijolo num desenho mágico uma outra ordem se construa.

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