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À Esquerda no Primeiro Quarto do Século XXI / Maria Lúcia

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Agora não pergunto mais pra onde vai a estradaAgora não espero mais aquela madrugada
Ronaldo Bastos

Muita gente não ouviu porque não quis ouvir Eles estão surdos!
Roberto Carlos

Vínculo 1316 – Normalmente eu estaria aqui escrevendo um artigo longo, cheio de coisas. Não que eu vá fazer um curto – hahaha, longe disso. Mas tentando chegar a um consenso com o Washington, e, após apenas quatro aulas do fabuloso international picture television curso de Storytelling com Dados, de Pinho e Tizziani, resolvi separar o assunto não em um, não em dois, mas espero que em Três artigos!!! (fim do intervalo comercial).

Há cá quem acredite que o papel de um partido de esquerda é oferecer suas ideias à disputa na arena política, persuadir os eleitores a apoiá-las, competir contra as ideias opostas que venham do campo conservador, dos centrismos, das demais esquerdas. Há cá quem acredite que o papel de um partido de esquerda é apresentar uma proposta clara, um programa de governo que indique o que ele irá fazer – e que seu sucesso será medido em quanto esse programa for executado.

Não é o meu caso.

Aqui faço um pequeno desvio, uma pequena história pessoal. Em 2011 fui escalado novamente para a negociação do BNDES no PPA. Nesse processo conheci duas pessoas importantes para meu atual entendimento de mundo: António, que veio a se tornar um dos meus mais queridos amigos, interlocutor em muitas conversas; e Maria Lúcia. Devo ter estado com Maria Lúcia não mais que duas dezenas de vezes. Algumas delas foram dos momentos mais marcantes que vivi nesta década quanto à transformação de meu entendimento do que deve ser a prática de um governo. Um par desses momentos na sala da ROD: quando ela, calçando algo tipo um Keds (já as mulheres de cá TODAS tinham salto), veio nos explicar que o PPA não era um monte de números a serem preenchidos – mas um chamado ao engajamento, à ação, e que mais do que preencher números no computador era importante que coisas acontecessem; quando ela fez uma apresentação das ações que participou (conduziu aqui seria uma palavra por demais forte) no âmbito do estado do Sergipe, onde um processo de orçamento participativo guiou o planejamento, uma apresentação que, na falta de uma palavra melhor, comoveu, pela beleza da forma e dos resultados apresentados, algumas das pessoas mais venerandas deste Banco.

A prática de Maria Lúcia se alinha, num certo sentido, com algumas observações do Mintzberg, que cá esteve no Banco nesta primeira segunda da primavera. No powerpoint daquele senhorzinho canadense (ou da URSAL), que defendeu o MST como uma solução original, havia uma foto de “Orçamento Participativo”, oriunda de algum momento da experiência épica de Porto Alegre. Seu discurso contra planejamento estratégico, com uma bela metáfora sobre ervas daninhas num jardim, muito claro. Seus elogios a esse Brasil suspenso pelo Golpe… bem, não poderiam ser mais diretos ante ao que a boa educação permite.

Esse é um ponto que certa esquerda brasileira teima em não perceber: quão rica, quão inspiradora para o restante do mundo foi a experiência de Porto Alegre, foram as ações dos movimentos sociais no Brasil. Ali estava um dos papas da administração, um senhorzinho preocupado com o fato de que o mundo da fairness da social-democracia que ele conheceu não existe mais, celebrando os movimentos sociais brasileiros como um exemplo a ser seguido pelo Setor Plural (um conceito um pouco confuso do Mintzberg que outra hora explico, mas que consideremos como algo meio como sociedade civil) do restante do mundo.

Isto tem implicações para partidos, isto tem implicações para governos. Mas não nos esqueçamos desta catedral onde trabalhamos: construída na esquerda do varguismo, revigorada no desenvolvimentismo da ditadura militar, sobrevivente às crises da dívida externa, executora de missões especiais para o Executivo: privatização, medidas anticíclicas, PAC, o que der e vier; amém. Nascido gauche, não se ache que arranjando outro anjo torto venha o Banco se tornar alguma dessas fantasias pró-mercado que as pessoas que pregam um mundo desbalanceado em prol do Setor Privado (outro dos conceitos postos pelo Mintzberg na palestra, cenas de um próximo capítulo) acreditam. Ou que o Banco deixará de ser a provável margem esquerda do caminho pelo qual a política econômica escorrerá. Pelo menos não no atual estado das coisas onde o dinheiro corrompe imprensa e academia (Mintzberg também tocou um pouco nisso).

Falo de esquerda – mas o que é ser esquerda hoje? Pegando emprestada uma versão muito simpática de Michael Hardt, um governo de esquerda é aquele que avança o movimento social. Transplantando para a terminologia do Mintzberg, não seria muito complicado afirmar que um governo de esquerda é aquele que reforça as instituições da sociedade civil e dos commons, sem propriamente desfazer-se como governo, sem perder o senso da coletividade, sem permitir a usurpação pelo setor privado.

Neste sentido, um governo de esquerda implica num estilo de liderança em que, ao invés de se buscar a férrea execução de um processo e de metas, busca-se a construção de um diálogo, a identificação de demandas e originalidades no discurso que vem das massas, do mundo local, da multidão – do Setor Plural/Movimento Social.

Porto Alegre foi isso e boa parte do sucesso das ações do Governo Lula e do crescimento do PT como partido e como eleitorado se deveu a isso. No bojo da crise de 2008, no entanto, começa um realinhamento em nosso favor, em favor do aparato burocrático de governo, processo que culmina com a escolha e eleição da “gestora” do PAC. A catástrofe que se segue de 2015 em diante é um sintoma disso, de um governo que recebe de braços abertos, por exemplo, coisas como o discurso de modernização da gestão do estado proposto pelo Gerdau.

Portanto, mais do que propostas, um governo de esquerda deve ter escuta. Mais do que compromissos escritos, deve guardar no lado esquerdo do peito. Para uma instituição fundada à esquerda como o Banco, há o ato de escutar e então entender, há o ato de aceitar e então propor, há uma estratégia a ser colhida – e não escolhida. Há outra formulação de Hardt & Negri, aparentemente meio tresloucada se pensada no âmbito restrito da esfera política, mas que, se enrolada nas ervas de Mintzberg, pode ser verdadeiramente curativa: a ideia de que à Multidão cabe conceber a estratégia e à Liderança cabe o papel tático de gerenciar as etapas concretas de sua viabilização. Ou seja,

Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar
Não sou eu quem me navega
Quem me navega é o mar

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