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A perversidade da Covid

Eduardo Scotti Debaco – Economista do BNDES

Vínculo 1399 – Obviamente, um vírus não pode ser perverso. A maldade pressupõe intencionalidade, racionalidade. Mas o vírus é cruel e talvez só venha a entender realmente quem tiver uma pessoa próxima internada. O mundo mudou do dia para a noite. Agora só saímos para a rua por obrigação e, quando isso ocorre, quando vou ao supermercado ou ao hospital, fica uma sensação de que vai dar pra aproveitar um pouco o “passeio”. Mas não há nada no caminho, às vezes um cafezinho, em pé. Desvio das pessoas, que nem sempre têm o mesmo cuidado, procuro lugares ventilados. 

Mas o pior até agora é isso, saber que há pessoas internadas, sem ninguém conhecido por perto. Algumas são crianças, senis ou incapazes, sequer compreendem o que está acontecendo. Só sabem que estão há vários dias sem ver um familiar, um amigo, um conhecido. E os familiares, amigos e conhecidos só têm notícias esparsas, contraditórias, por telefone. Escrevo estas linhas na volta do hospital, onde excepcionalmente minha esposa pôde ver minha sogra. 

Um amigo morreu outro dia. Eu adoro dançar, ele também adorava, era professor de dança e DJ. O pai dele também é meu amigo, frequentamos os mesmos bailes, já fiz um churrasco na casa deles, eu e minha esposa assamos a carne para 70 pessoas. Bons tempos. Vocês devem saber quem eles são. O pai é aquele que apareceu no RJ TV, fixando as cruzes que um sujeito perverso arrancou na homenagem feita em Copacabana. O sujeito perverso, vocês também devem conhecer. É pai de um escroque que foi condenado pelo uso de informações privilegiadas em operações financeiras, segundo informou o The Intercept. 

Mas também é perverso aquele que não se preocupa com a “gripezinha”. Sinceramente, nunca tive medo de pegar a doença e ainda não tenho. Não porque sou um atleta ou porque tenho boa saúde, o que, segundo certas autoridades, seria garantia contra a doença. Não tenho medo da morte, não a desejo, mas não a temo. Tenho medo de transmitir, e para evitar transmiti-la, não posso pegá-la. Faço tudo o que posso, também cometo deslizes, mas não me orgulho disso. 

Mais perversas ainda são as fake news que elegeram isso que está aí e que continuam causando morte e destruição. A nossa cultura não nos favorece nesse momento. Mesmo quando o sujeito entende exatamente o que tem que ser feito, ele acaba fazendo muita coisa errada, diferente do asiático. Quando ele vê uma guerra de narrativas, com mentiras endossadas publicamente pelas autoridades, aí já era. E aí há um sem número de perversidades. Quando é morador de rua, negro, índio ou pobre, essa é só mais uma situação. Até por isso as autoridades se negam a incluir a etnia nas estatísticas. No El País de hoje (25/6) tem a história de três mães yanomamis que foram para Boa Vista porque estavam doentes. Chegando lá, elas e seus filhos foram infectados pela Covid. Seus filhos morreram. Foram enterrados não se sabe onde. Elas não os viram desde que foram internados. Elas estão internadas em uma casa de saúde. Não falam português e não têm tradutor. Isso é fatalidade ou perversidade? Um pouco de cada. 

Por fim, também são perversos aqueles que, diante de tudo o que estamos vivendo, não se arrependem do voto que deram em 2018. Lamento, mas não há outra conclusão possível e eu não sou de fazer rodeios, não há fake news, pastor ou alienação que justifique esse estado de coisas. Não é à toa que Brasil é o lugar que experimenta a maior tragédia humanitária nessa pandemia. A morte não se presta a essa guerra de narrativas que temos que engolir diariamente. Ainda estamos discutindo se devemos privilegiar a saúde ou a economia, quando o mundo inteiro já entendeu que não haverá economia se não controlarmos o vírus. Enquanto isso, o Véio da Havan se preocupa com suas lojas recém-inauguradas que não atingiram o ponto de equilíbrio e a Localiza, com os milhares de veículos novos, fruto de sua nova estratégia de mercado, desvalorizando no pátio. 

Isso sim é perverso, não o vírus.

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