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Abertura

Paulo Moreira Franco – Economista, aposentado do BNDES

a fotografia
é um tempo morto
fictício retorno à simetria
(“Como rasurar a paisagem”, Ana Cristina Cesar)

Vínculo 1517 – No capítulo anterior, ainda sob uma leve incerteza da vitória de Lula, tratei da destruição da Alemanha. Hoje discuto o que isso implica para nós. Um cavalo selado passa lá fora, uma daquelas oportunidades históricas raras. A garupa nos espera ou estaremos eternamente condenados à garapa? Essa a digressão a que o convido, leitor.

Cenário: as instituições da ordem internacional baseada em regras (como dizem os americanos) foram para a… bem, o VÍNCULO é um jornal família, não usarei o linguajar dos defensores da democracia e da ordem como os Gaviões da Fiel e Galoucura. Apenas registro que muito transtorno teria sido evitado com a palhaçada do “não vai ter Copa” se essas forças democráticas tivessem sido acionadas, como achava que deveriam ter sido na época. Aliás, torcida do Flamengo: parabéns pela vitória. Duda na Câmara é uma gigantesca conquista para o desenvolvimento sustentável.

Mas voltando ao ponto, as instituições internacionais da compliance da ordem neoliberal, tipo OCDE e OMC, que serviram para manter uma hegemonia centrada nos interesses da finança anglo-saxã e na ideologia da burocracia interestatal europeia, essas estão feridas de morte. O que quer dizer que o espaço político para sair do receituário neoliberal está dado numa forma mais significativa que a de 2008. No entanto, nossas concepções de manejo de moeda ainda se encontram presas a um mundo da virada do século que não existe mais, o mundo em que reencarnar como bond market é a etapa que antecede a iluminação.

O primeiro ponto a entender é que aquele mercado líquido pré-2022 não existe mais. O segundo é que ele não é necessário. A inflação que ocorre hoje no Ocidente, uma reedição de estagflação, é um fenômeno de contração da oferta de bens por conta da desorganização produtiva e constrição de investimentos de energia durante o começo da pandemia (que não acabou, frise-se) amplificado por um conflito que privou o Ocidente de matérias-primas críticas e insubstituíveis no curto prazo. Rússia e China nos ensinam que um olhar de investimento direcionado à resiliência – e não a aproveitar qualquer oportunismo imediato em que algum idiota ganhe dinheiro sem construir capital – parece ser uma política bem razoável neste momento histórico. A Rússia chegou pela via das sanções externas que se agravaram a partir de 14; a China, vontade própria da Nova Economia de Projetamento descrita pelo Jabbour.

Isto quer dizer que há que se olhar para as vulnerabilidades da economia brasileira não mais sob um prisma quer de desenvolvimento (como na substituição de importações), quer de protecionismo mercantilista (como fomos forçados nos oitenta), mas sob uma visão de resiliência econômica, de uma capacidade de manter os lares renovados e abastecidos, mesmo em situações de colapso do mundo “sedoso” que virá depois liquidada esta globalização. O que quero dizer com isso? Não é hora de se fazer políticas industriais esperando que Nossa Senhora do Mercado nos dê a graça de uma indústria 4.0 – há que se planejar com as realidades materiais e com a clareza de quais vulnerabilidades nosso sistema carrega.

Ainda sob o prisma material, há uma grande oportunidade se descortinando, mas que deverá ser aproveitada rapidamente: o Brasil como destino migratório das empresas que deixam de poder funcionar na Europa. Não sei se ainda é assim hoje, mas na virada do século São Paulo tinha mais empresas alemãs do que qualquer cidade alemã. Expandir as operações brasileiras pode ser a forma de algum Mittelstand sobreviver. E para isso uma atuação pesada do BNDES financiando essas expansões/repatriações, bem como uma remodelação do tecido urbano dos lugares onde essa expansão for ocorrer, pode ser crucial. Isso, no entanto, implica em planejamento, direcionamento, escolhas – e não na mão do Mercado.

De onde sai o dinheiro? Certamente não de ideias cretinas de como se usar as reservas internacionais. Reservas internacionais, concretamente, servem para importar produtos de quem lá de fora não quer ser pago em reais e pagar dívidas contraídas no exterior, que só fazem sentido devido a leniências tanto do Fisco quanto do Bacen. Também são essenciais para a fuga de capital, o que não é propriamente algo que interessa a um país. A condução monetária fiscalista, construída em função dos choques externos dos oitenta e dos erros do Plano Real nos noventa, deixou de fazer sentido em meados do governo Lula.

A solução que defendo é a criação de uma segunda meta do Bacen relacionada a nível de investimento e não a nível de emprego. Por quê? Porque com investimento vem emprego de qualidade, enquanto com meta de emprego num lugar de subemprego crônico não quer dizer que se conquiste muita coisa. Mesmo nos EUA a meta de emprego acontece neste século com a destruição da classe média. Além disso, uma meta de investimento é mais fácil de controlar. Principalmente, creio, porque o país tem um par de instituições que já se provou capaz disso durante a crise da primeira década do século: o BNDES e a Caixa. O Bacen adquirindo debêntures desses bancos é uma forma de direcionar recursos para investimento sem riscos de virarem especulação, consumo ou gasto discricionário do governo. A capacidade, ao menos do BNDES, de atuar com o setor financeiro privado através de seus produtos automáticos, uma forma de tirar qualquer medo de um controle político desse processo.

Impacto inflacionário? Impacto inflacionário vem de você aumentar a disponibilidade financeira (dinheiro e crédito) de quem quer consumir sem que haja produtos para isso. Como por exemplo nos EUA com a Covid. Fazer com que medidas de redução de desigualdade não levem a uma aceleração inflacionária requer, antes de tudo, um crescimento da oferta do D3 (bens de consumo dos trabalhadores). Sua importação da Ásia hoje é repetir o erro do Real. A inflação que decorre do fim da deflação causada pela globalização, desta não há como escapar. Não há solução monetária sensata para o que é um deslocamento definitivo de certos preços, do fim de uma era de energia barata.

Isso será feito? Pouco provável. A discussão econômica continua presa à lógica fiscalista. A discussão na imprensa dominada pelos interesses do setor financeiro, interesses que fizeram do carry trade yen-real um dos grandes negócios da primeira metade de 2022. Por outro lado, há toda uma mobilização para se resolver as questões de desigualdade sem tecer considerações de que deslocar dinheiro não quer dizer deslocar recursos. Não faço uma defesa de aumentar o bolo para repartir, mas de fazer o bolo certo.

Semana que vem trato da outra maré vermelha, a americana.

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