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Baía de Guanabara: 25 anos de uma boca banguela

Luís Otávio Reiff – Economista, há 15 anos no BNDES. Neste artigo presto uma homenagem aos gênios Fernando Pessoa e Paulo M. da Rocha.

“Navegar é preciso, viver não é preciso”
(Fernando Pessoa)!”Tudo é projeto” (Paulo Mendes da Rocha)!

Vínculo 1362 – Há mais de 25 anos iniciamos o desejo de despoluir a nossa baía. Caetano já cantava, segundo Levi Strauss, sua boca banguela, e escancarada e suja, podemos complementar. Não há espaço para dúvida. A despoluição da baía é uma questão que põe em xeque e confirma nossa incompetência. O que perdemos, desde os anos 1950, quando o projeto de Brasília e diversas obras foram projetadas? Não sabemos mais fazer projetos?

Reportagem de O Globo (10/08/2019) mostra que Niterói conseguiu tratar 100% do esgoto em 20 anos, investindo R$ 700 milhões. O relator do novo marco do saneamento na Câmara, deputado Geninho Zuliani (DEM-SP), disse que serão necessários R$ 600 bilhões de investimentos para bater as metas do plano nacional de saneamento e universalizar os serviços até 2033. Os números são eloquentes e os desafios parecem insuperáveis. Mesmo Niterói resolvendo seu problema de saneamento básico, as águas de Icaraí e São Francisco continuam 40% do tempo impróprias. Ninguém acredita que a Baía de Guanabara consiga ser despoluída. Faz 25 anos que o Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG) consumiu mais de US$ 1 bilhão de empréstimos de JBIC e BID, construindo ou reformando estações de tratamento de esgotos (ETE). Embora o trabalho de despoluição da Baía seja complexo, o PDBG foi um fracasso. O que faltou: projetos mais bem desenhados, recursos, coordenação, execução eficiente?

Sabe-se que o arranjo federativo brasileiro provido pela Constituição Federal de 1988 não é bem desenhado para tratar questões que envolvem vários entes da federação. No caso da Guanabara, são 22 municípios e o Estado do Rio. O clássico dilema federativo da coordenação, cooperação e autonomia se apresenta. A alocação de custos e benefícios não é óbvia. Quem são os principais beneficiários e, portanto, quem seriam os principais pagadores da conta? Não é uma tarefa simples. Além do robusto trabalho de acurácia, precisão, abrangência e detalhamento dos cálculos, há questões distributivas envolvidas. A desigualdade da renda e do estoque de riqueza importa. Estas se traduzem em questões e disputas políticas em geral e política-eleitorais em particular.

A criação da Agência Executiva da Região Metropolitana (Instituto Rio Metrópole), que estabelece diretrizes para a gestão compartilhada da região, cujo objetivo é integrar o governo e todos os municípios para planejar políticas públicas, é um passo importante para o projeto da despoluição. Necessário, porém, não suficiente. A segregação dos custos e benefícios em uma conta separada dos gastos estaduais e municipais padrões é uma necessidade imperiosa. Propõe-se criar um “governo de propósito específico” (GPE), segregado do “governo de propósito geral”. Tal qual uma sociedade de propósito específico (SPE) aparta suas contas dos ativos das empresas participantes. Os ganhos de governança e financeiros são evidentes.

Vários passos seriam necessários no âmbito do desenho do arranjo institucional para a execução dos projetos e da engenharia econômico-financeira dos custos e benefícios. Dada a crise fiscal que passa o Estado brasileiro, obter fontes de recursos estáveis e com bom balanceamento entre encargos e retornos para o contribuinte-cidadão é essencial. O modelo em que todos os recebíveis estão concentrados nas tarifas, não tem se mostrado viável no atual estágio de desenvolvimento brasileiro. Basta constatar a dificuldade no deslanchamento de PPP patrocinadas. As PPP administrativas são mais exitosas, como é o caso de “iluminação pública”.

O grande pulo do gato, porém, é a cobrança da contribuição para o investimento, dentro de um modelo Land Capture Value. Esta formaria os recebíveis necessários para serem usados como garantia para que o operador/executor possa tomar recursos no mercado de crédito. Qual seria o valor, de quem seria cobrada, qual é a justificativa para a cobrança etc.? Com estados e municípios com baixa capacidade de investimento, a obtenção de fontes de financiamento alternativas e exclusivas para obras públicas é essencial.

A conta existe e é relativamente simples. A região metropolitana possui 4,5 milhões de residências. Esta será a unidade de referência. Destes, 2,5 milhões estão no município do Rio e 2 milhões nos arredores. Saber quantos serão beneficiados pela despoluição não é um exercício simples, pois há diversos tipos e formas de benefícios associados: valorização patrimonial, geração de negócios e empregos, aumento do turismo etc. Se limitarmos às bordas da Baía, seria cerca de 1 milhão de domicílios, sendo 500 mil no município do Rio, incluindo Ilha, subúrbio da Leopoldina, região portuária e zona sul, e os outros 500 mil em Duque de Caxias, Magé, São Gonçalo e Niterói. Considerando um valor médio de R$ 120 mil, teríamos R$ 120 bilhões em ativos. As estimativas sobre a correlação entre despoluição e valorização imobiliária são precárias. Cálculos preliminares apontam para, no mínimo, 10%, resultando em adicionalidade de R$ 12 bilhões no capital residencial. Esta é a monetização do bem-estar social que a população no seu entorno desfrutaria. Constitui também o valor máximo que os moradores estariam dispostos a pagar (willingness to pay) pela melhoria. Isso sem considerar o aumento do valor dos negócios privados. O aumento pode chegar a R$ 15 bilhões no período de 10 anos. O valor a ser capturado com a despoluição da Baía atinge a cifra de R$ 27 bilhões.

Temos um business case. Em primeiro lugar, teria que estabelecer qual seria o volume de investimentos necessários para a despoluição. Pela experiência histórica, como a Baía de Tóquio e de Sydney, o projeto de despoluição do Tietê, além do próprio caso do PDBG, Águas de Niterói e plano nacional de saneamento, podemos estimar em US$ 4 bilhões (R$ 15 bilhões) o valor aceitável para cumprir a tarefa. É razoável que este investimento não ocorra em um prazo inferior a 10 anos, perfazendo um investimento anual de R$ 1,5 bilhão. Seriam gerados 6 mil empregos diretos e outros 6 mil indiretos, apenas nas regiões próximas. Não seria factível uma velocidade maior. Seriam 10 tranches de aportes. Com uma taxa real de juros de 5% a.a., com 20 anos de prazo total e dois de carência, a prestação não passaria de R$ 65,00/mês em média para as famílias e R$ 1,3 mil/mês para as empresas. O valor total pago não passaria de R$ 23,3 bilhões – inferior, portanto, aos R$ 27 bilhões de adição de riqueza.

O modelo para de pé, embora a estruturação do manequim não seja tarefa óbvia. Muita costura, cortes, ajustes e arranjos serão necessários. A constituição da agência “Rio Metrópole” e a proposta de privatização da Cedae podem ser a alavanca e o mote necessários. A boca banguela não pode esperar. Estratégia, intensidade, canelas lisas para romper as linhas adversárias e mãos à obra!

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