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BRICS PLUS? Que nada, BRICS-PANGEIA! Perguntas & Respostas, por Hélio Pires e Marcelo Valente

Gramsci citava a dificuldade de novos fatos nascerem enquanto os velhos resistem em terminar.

Hélio Pires – Economista aposentado do BNDES | Marcelo Valente – Engenheiro do BNDES

O BRIC-PLUS

VÍNCULO 1559 –  Em 15 de agosto de 2023, participamos pelo Movimento Paraíso Brasil da live: A importância do BRICS nos cenários brasileiro e internacional. O intuito era mostrarmos a relevância do que significava o BRICS, antes do evento, na semana seguinte.

A 15° Cúpula do BRICS realizada em Joanesburgo, África do Sul, terminou em 24 de agosto de 2023 com a decisão da entrada de mais 6 países no grupo: Argentina, Arábia Saudita, Emirados Árabes, Egito e Etiópia. Agora, consolidado como sendo maior do que o G7 e também uma potência estratégica, tanto em termos energéticos, industriais, como de commodities, quer sejam alimentícias, ou minerais; ou seja, tudo isso representando riqueza real na prática e não apenas papel moeda – emitido sem limites –, títulos, ou derivativos, os mais diversos. Além de contar com países, que possuem grandes populações, extensões territoriais, economias em rápido crescimento e situados em posições estratégicas no planeta, tanto para o comércio como para serem vetores de desenvolvimento e lideranças regionais.

O presidente Lula é o único representante sócio fundador do BRIC original, que participou da primeira reunião de junho de 2009, em Ecaterimburgo, na Rússia.

Nós, do Movimento Paraíso Brasil, acompanhamos com entusiasmo a consolidação do Bloco como seguidores da Teoria das Finanças Funcionais de Abba Lerner/Hyman Minsky e também desenvolvimentistas. Por termos atuado, no passado e no presente, no BNDES, entendemos que não há impedimento ou restrição técnica alguma, não só para sua consolidação, ou mesmo, inclusive, para a expansão do grupo.

De fato, durante a crise de 2008, quando se dizia, reiteradamente, que em economia não existe almoço grátis e que governos tinham que ser austeros, e fornecendo o já desgastado exemplo de que a economia de um país deveria seguir os mesmos desígnios da “gestão doméstica”, só gastando o que se arrecada. Verificamos, na prática, no entanto, Estados e Banco Centrais atuarem conforme Lerner/Minsky postularam nas Finanças Funcionais, como emprestadores de última instância, ao abrirem os cofres nos países centrais em socorro do sistema financeiro privado, que estava “quebrado”, em série, por excesso de apostas especulativas, em especial, em derivativos, sem lastro algum, as chamadas subprimes. Não foi, portanto, só o almoço, foram as três refeições e mais a ceia grátis, durante todo o ano de 2009 para evitar, no primeiro ano da crise, a hecatombe sistêmica.

Lerner/Minsky eram espirituosos, diziam que no mundo neoliberal, é o “Grande Governo (Estado)” e o Grande Banco (Banco Central)” que, afinal, salvam sempre em última instância a “eficiente economia neoliberal”, que prega repetitivamente que o Estado tem que ser mínimo e que o mercado forte, e sem a intervenção ou regulação estatal, elimina sempre os elos mais fracos da cadeia (mas, diga-se de passagem, ninguém também foi posto na cadeia, por ter causado a crise especulativa, que ocorreu, essencialmente, no setor privado financeiro da economia!).

No Brasil, por este sempre dar sustentação ao sistema financeiro através de excelentes e seguros Títulos Federais, com elevadas taxas de juros reais, os poucos – grandes e concentrados – bancos privados nacionais não sofreram os efeitos da crise mundial, mas como é da natureza deles, em situações de risco, imediatamente eles travaram a concessão e rolagem dos financiamentos à economia brasileira. Naquele momento, o presidente Lula fez o que tinha que ser feito, ordenou os 3 bancos federais, o BB, a CEF e o BNDES, a rolarem e a emprestarem mais ao mercado a título emergencial e, ao Banco Central dependente, a baixar a taxa de juros.

No caso do BNDES, fez mais, ele inovou e liberou o “Arranjo BNDES-TESOURO”, tese que se discutia nos corredores do BNDES, ou seja, se nos países centrais os governos e bancos centrais liberaram o caixa para salvar bancos da falência generalizada, por que aqui o BNDES não poderia receber títulos do TESOURO para servir de lastro para o financiamento de empreendimentos novos, ou seja, de bons projetos, com VPLs positivos? Recursos no BNDES também serviriam para financiar outro tesouro do país: o PRÉ-SAL, recém-descoberto em 2006, graças à competência acumulada ao longo de anos da importante estatal brasileira, a Petrobras, a 7 Kms de profundidade, na plataforma marítima brasileira.

De fato, graças à atuação acertada, na época, do governo Lula e de seus importantes bancos públicos, importantes-instrumentos do Estado Brasileiro, o BNDES inclusive, à lá Lerner/Minsky, eles salvaram a economia brasileira da Crise de 2008, que veio de fora. Foi 0% de crescimento em 2009 e 7,5% em 2010! O sucesso foi tão estrondoso que garantiria o financiamento do nosso desenvolvimento futuro pelo BNDES-TESOURO, garantidos também pelos frutos do PRÉ-SAL, na Petrobras.

Só que, infelizmente, não foi o que aconteceu na década seguinte! Acharam “ratos no porão” da Petrobras e ao invés de desratizarem apenas os focos dos problemas, não! Desmancharam a estrutura da empresa e distribuíram partes do PRÉ-SAL às empresas amigas, ou seja, ao mercado.

Lá fora os governos liberais salvavam e salvaram, sem maiores pudores, de forma ilimitada, todas as empresas deles, aqui, logo após o Golpe de 2016 e a Lava-Jato, além dos contumazes ataques anteriores à Petrobras e à sua governança, destruíram, também, as melhores empresas nacionais de engenharia, que possuíam experiência e atuação internacional, além do setor de construção naval, que vinha se recuperando exemplarmente, desde o início da década passada, com a chegada do governo Lula ao poder, em 2002, e que era fortemente dependente de encomendas da Petrobras, dentre outros.

Apesar do mundo ter aprendido, nos anos seguintes, que liberar tsunamis de liquidez nos mercados, pelos seus bancos centrais, através de operações de “quantitatives easies”, não causava necessariamente inflação e que poderiam ajudar as economias a funcionar, ajudadas, inclusive, por baixas taxas de juros, e, principalmente, seguindo o que prega a teoria das Finanças Funcionais, aqui no Brasil o sistema legal e político, em meados da segunda década do séc XXI, impediu uma presidente em exercício, prendeu o outro presidente que, na década anterior, havia salvado a economia do país, e retirou, por instrumentos legais, a possibilidade do Tesouro aportar recursos no BNDES, com o empréstimos de títulos do governo para ele, o chamado BNDES-TESOURO. Criou também uma limitação de teto para gastos públicos, orçamentos secretos, fez a independência do BC, reformou a previdência, a legislação trabalhista e vivemos desde então, e até 2022, a tão famosa “paz dos cemitérios”! Sim, tudo “joia”, ou será que não!!!???

Voltando à economia internacional, vimos acontecer, na segunda metade do séc.XXI, dois comportamentos distintos, assim como foram também seus respectivos resultados:

1 – Pelo lado Ocidental, países que, inundados pelos seus governos de liquidez, os quais aprenderam que aumentá-la, deixando baixas as taxas de juros, não causavam inflação. O que fizeram então as empresas que lá se encontravam? Através de financiamentos fartos e baratos, que foram disponibilizados, usaram a “eficiência neoliberal”: recompraram suas ações, que se valorizaram, e usaram seus caixas livres para distribuição de resultados em dividendos e bônus e não investiram no médio e longo prazo. Resultado: tiveram anos de valorização de seus índices na bolsa de valores, mas deixando as economias reais de fato enfraquecidas.

2 – Pelo lado Oriental, países capitaneados pela China, ao invés de inundar a economia de liquidez, seus governos trataram de executar planos quinquenais de desenvolvimento. Como é do conhecimento da Teoria das Finanças Funcionais, o governo pode emitir dinheiro, mas os orientais não fizeram através de “quantitatives easies” e, sim, através de gastos em planos deliberados para etapas de crescimento e em infraestruturas, na economia real de seu país e internacionalmente também. Resultado: anos de desenvolvimento com integração de vários países com a inserção deles na nova Rota da Seda Chinesa: a Iniciativa Cinturão e Estrada ou BRI em inglês. A consolidação do BRICS, contando com 3 países orientais: Rússia/Índia/China, é exemplo desse sucesso. Nesse ponto, por iluminação do presidente Lula, desde a fundação fazemos parte do grupo vencedor! E devemos sim ter que saber nos inserir cada vez mais e melhor neste grupo!

Perguntas & Respostas

Que bom! Então tudo são flores? Depois de passarmos pelos últimos 5 anos de paz de cemitério, o Brasil reencontrará seu desenvolvimento através do BRICS PLUS? Sim e/ou não!

A princípio podemos redescobrir nosso potencial de desenvolvimento, as possibilidades se apresentam, apesar das pedras do caminho. Quais pedras? Tanto as pedras internas como as externas.

Para falarmos das pedras vamos falar da economia política. Acreditamos, como nos primórdios da teoria econômica, que ela é uma ciência política. Mas com o advento da cada vez maior integração das comunicações, hoje ela é cada vez mais economia geopolítica.

Então, existem as pedras internas e externas como partes da questão central referente a ela: ainda existe, por exemplo, autonomia e soberania para desenvolvermos nosso próprio destino? Em 2010, vimos que não! Fatos extraordinários com vetores externos e internos tiveram deliberadamente como resultante a economia brasileira e seu povo enfraquecidos.

Os anos recentes deixaram mais do que pedras, deixaram verdadeiras “minas explosivas” no caminho. E, agora, que toda a história foi revelada por um “hacker útil” e o intuito era monitorar/estancar o desenvolvimento autônomo do país, que certamente aconteceria a partir de 2010, agora que sabemos mais e melhor dessas “minas explosivas”, vamos continuar com elas no caminho? Não vamos desmontá-las uma a uma, uma vez que agora sabemos o mal que elas fizeram e porque elas foram instaladas? Vamos deixar então o desenvolvimento do Brasil travado? Agora que já conhecemos os impeditivos artificiais de sempre, tanto internos, como externos?

Entendemos que a saída é pelo destino do Brasil, o grande sociólogo Darcy Ribeiro, falecido em 1997, que amava e entendia o povo brasileiro, disse que ele é miscigenado do 3° milênio e que tem por destino a integração mundial. Pena que Darcy não assistiu à participação do Brasil na fundação do BRICS. É evidente que a participação dele na integração mundial se deu, de fato, no ato da criação desse grupo. E se consolidará na expansão natural dele.

Então, como desmontar “minas explosivas” e partir para o destino manifesto do país como vaticinado por Darcy? Evidentemente, integrando o Brasil firmemente ao BRICS, o qual ele já foi fundador e cujo futuro próximo é ser BRICS PANGEIA! Por que e como PANGEIA?

Simples, qual país não gostaria de se integrar a uma proposta que indica desenvolvimento comercial e paz? Já são, agora, 34 países na fila! Mas Pangeia, com todos os países, não representa uma ideia muito pretenciosa? Lembrar que o BRICS PLUS, inclui, também, o BRI, um projeto de integração abrangente, em nível de expansão. Evidentemente que sempre haverá países exceções, mas a exceção mais evidente, os EUA, podem nem ser.

Mas como? Por dois motivos: A China, o maior país do BRICS-PLUS, e os estadunidenses até 2016 viviam uma aliança muito construtiva do tipo: estadunidenses compravam produtos chineses e chineses aplicavam seus superávits em títulos federais estadunidenses. Não era uma aliança ganha/ganha? O que, ou quem estragou? Simples, os mesmos que estragaram o próprio desenvolvimento estadunidense da primeira década do séc. XXI, a especulação do sistema financeiro dos EUA, que gerou, inclusive, a crise de 2008. Na ocasião, apareceu, no entanto, um movimento de resistência interna que definiu tudo: “Ocuppy Wall Street, somos os 99%!” sim, o povo americano, que sofreu o ajuste no seu próprio meio/modo de vida.

Nos anos seguintes, até nem perderam muitos empregos em termos absolutos, mas os viram serem altamente precarizados e, com isso, a condição de vida por lá de modo geral! Da Crise, até os dias atuais, aconteceram mais duas situações extremamente negativas: uma pandemia e um conflito bélico. Ambas, revelando, na prática, um grande desajuste nas relações internacionais entre diversos e importantes países. A pandemia pela falta de uma ação positiva à nível global, o conflito bélico por conta do descumprimento do acordo de Minsk, de 2014, que a própria ex-chanceler Angela Merkel veio revelar que era apenas para ganhar tempo para a Ucrânia conseguir se recuperar! Uma análise de risco geopolítico e uma proposta pacífica.

Enfim, o mundo se encontra entre duas escolhas: uma era de paz e comércio ou um conflito de proporções desconhecidas – A Era de Paz e Comércio do BRICS-PANGEIA, com EUA, com tudo!

Esta é uma escolha do povo estadunidense e do povo europeu! Os 99% mostrarem que preferem participar de um projeto mundial de paz & consumo a se digladiarem em escolhas políticas internas, comandadas nos bastidores por um sistema financeiro monopolizado, juntamente com o velho complexo industrial militar.

Tipo: os estadunidenses viverão felizes com sua economia recuperada por conta da recuperação do seu comércio dentro do BRICS-PANGEIA com a eliminação das “neuróticas” sanções chinesas. Os europeus cairão em si quando se descobrirem eurasianos, com trens-bala de Lisboa a Xangai!

Quanto ao BRICS-PANGEIA, cabe, então, apresentar um Plano de Concertação Mundial com US$, com tudo! Mas como, não querem desdolarizar o sistema financeiro mundial?

Mas por que não o BRICS-PANGEIA propor, ao invés da desdolarização, um novo sistema financeiro inclusivo? Mas isso não é um delírio?

Sugestão: Um Sistema Financeiro Inclusivo para a Era de Comércio e Paz!

O BRICS-PANGEIA proporia ao mundo para efeito de integração e paz um sistema financeiro inclusivo operacional para o comércio internacional!

De novo, não seria pretencioso demais? Não, não seria, não seria nem uma invenção, na realidade tratar-se-ia de uma homenagem póstuma a um grande economista do século XX, John Maynard Keynes!

Explicando (baseado no texto de Fernando Cardim, 2004 – Bretton Woods 60 anos). Em Bretton Woods, em 1944, os aliados, já confiantes na vitória na 2ª Guerra firmaram uma conferência para definir um novo sistema financeiro para as vicissitudes econômicas do pós-guerra, dois economistas sobressaíram: o estadunidense Dexter White e o inglês John Maynard Keynes. White representava a força dos EUA, o maior credor mundial da época.

Keynes descobridor da “Demanda Efetiva (o outro foi Michal Kalecki), que, posteriormente, seu aluno Abba Lerner a desenvolveria e criaria a “Teoria das Finanças Funcionais”, propôs, como era de sua genialidade, um plano de desenvolvimento do Comércio Exterior. Um plano que completaria uma lacuna econômica, as crises do comércio exterior limitado pelo antigo sistema lastreado em ouro. Em síntese, sua proposta era a criação de uma câmara de compensação da moeda a ser utilizada apenas no comércio exterior e o intuito era tirar as amarras e desenvolver, expandir e equilibrar o comércio exterior no médio prazo.

Partia do princípio de que os países poderiam ser autônomos nas suas políticas econômicas internas para promoverem o pleno emprego, mas não eram autônomos no que tange às moedas internacionais. Assim, um país que promovesse seu crescimento poderia ao aumentar a renda aumentar concomitante seu nível de importação e desequilíbrio no balanço de pagamentos. Isso é um fato recorrente em países em desenvolvimento.

Então, a partir do conhecimento de que no comércio exterior as contas superavitárias e as deficitárias se anulam num saldo zero (vide exercício, Anexo), ele propôs a Câmara de Compensação Internacional (International Clearing Union) e a moeda escritural Bancor, operadas apenas, por exemplo, pelos Bancos Centrais. Exemplificando: uma exportação do Brasil geraria um pagamento em Bancor pelo país importador ao BC do Brasil, que a depositaria em seu caixa e geraria um crédito em R$ ao exportador. Na Câmara de Compensação os débitos e créditos estariam sempre equilibrados.

Países constantemente superavitários pagariam multas para a Câmara e os constantemente deficitários receberiam advertências para conter seu nível de importação. Mas não ficaria só nisso, a Câmara desenvolveria também a função de fomento, geraria fiduciariamente Bancor para empréstimos de projetos voltados ao comércio exterior dos países deficitários, a exemplo de instalações de armazéns para estoques reguladores de commodities.

Enfim, em busca de um Sistema Financeiro alternativo poderíamos recuperar e homenagear a genialidade da proposta de Keynes. Em nome da Paz Mundial, o “Bancor (em questão)” poderia ter uma paridade fixa de um mix de US$ e Yuan! Acreditamos que a homenagem ao Keynes ainda poderia desarmar os espíritos dos países temerosos em perder hegemonia perante o BRIC-PANGEIA.

Lembrar que em Bretton Woods a tese vitoriosa foi a dos EUA, com a criação dos contestados FMI e Banco Mundial, já o Dólar que foi fixado ao Ouro, teve, como era de se esperar, em 1971, unilateralmente, a paridade desfeita, colocando o mundo em constante instabilidade sistêmica.

Enfim, que a paz do Comércio e Progresso desarme os espíritos bélicos.

Anexo: https://paraiso-brasil.org/2023/09/01/brics-plus-que-nada-brics-pangeia-perguntas-respostas/

ANEXO

Exemplo de funcionamento da Câmara de Compensação entre os diversos países

P.S. Este artigo não representa opinião do BNDES e trata-se, portanto, de opinião pessoal e de responsabilidade apenas de seus autores.

Artigo originalmente publicado em 1º de setembro de 2023.

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