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Esperando Carletto

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

“All of old. Nothing else ever”
(Becket)

Vínculo 1539 – Curso de storytelling com dados de Emerson Tizziani, Eduardo Pinho em Xangai. Emerson me passa a seguinte missão: fazer uma apresentação sobre um tema que fosse universal. Uma apresentação para abrir a quarta e última aula, onde eu participaria palpitando sobre as apresentações dos alunos. Algo universal. Qual seria um tema sobre o qual, ali em fins de 18, início de 19, todo mundo teria uma opinião e a coisa não degeneraria numa desagradável briga política/ideológica? Algo ligado ao Banco? Nã… isso é coisa chata, nada didática, mera propaganda de minha parte para ancorar expectativas das pessoas.

Optei pelo único assunto sobre o qual todo mundo tinha uma opinião à época, e um assunto no qual eu poderia fazer uma apresentação COM DADOS mostrando como as percepções das pessoas sobre o assunto estavam erradas. Um tipo de polêmica consensual: a atuação de Neymar na Copa da Rússia.

Não, não vou fazer essa exposição aqui. Estava nos meus planos fazer uma recauchutagem da palestra com os dados da Copa do Qatar, mas não sei se rolará. Há um ponto, no entanto, que acho que as pessoas não entenderam sobre Neymar, o jogador, que é algo distante (mas nem tanto assim se você vencer o ressentimento piti borjuá) do Menino Ney vestido de prata durante um aniversário na pandemia. A palavra que define Neymar em campo é parça. As pessoas querem que Neymar seja aquele cavaleiro que aparecerá para resolver sozinho a trama do filme com sua infinita habilidade. Sorry, moçada, Neymar não é esse cara. Neymar também não é o cara que vai sacrificar o time para mostrar sua descomunal habilidade. Não, Neymar é parça. E este é um problema da seleção brasileira desde que o Fenômeno se foi e Adriano foi banido pois não era de Jesus. Falta um matador de lá pra cá, faltam os brilhantes finalizadores que foram Pelé, Jair, Romário, Ronaldo. Garrincha? Garrincha, como Messi, era um cara perturbado, fora do normal em mais de um sentido, capaz de vencer uma copa sozinho. Neymar não é esse cara. Neymar é apenas, se é que você me entende, um jogador de uma habilidade excepcional, um cara que do ponto de vista técnico foi o melhor do Mundo algumas vezes, mas que deu o azar de ter nascido na época deste Marlene versus Emilinha que são essas anomalias chamadas Leo Messi e Cristiano Ronaldo.

Não acho que Dunga errou em não ter chamado Neymar. Errou ao deixar de fora Adriano e Ronaldinho porque ambos gostavam de mulher e marafa ao invés de serem 100% Jesus. Felipão e Tite… sinceramente, por mais que tenham tido um ótimo desempenho no âmbito do futebol brasileiro, há uma convicção que concretamente nada de extraordinário/inovador foi cometido por eles. Diria que mais do que Felipão em 14, Tite em 22 conseguiu reinventar Neymar de uma forma interessante. Mas Tite é aquele tipo de técnico de clube, que carrega consigo jogadores de sua preferência – e não o cara que se pode permitir todo o luxo limitado de um plantel nacional.

O que nos coloca hoje diante do seguinte problema: o que será a próxima seleção brasileira? Quem a comandará?

Terminada a eliminação pela Croácia, o nome óbvio que me veio à mente foi aquele que tão óbvio que é que até hoje circula como sonho da CBF e de uns outros tantos apreciadores de futebol: Carlo Ancelotti. Ancelotti não é propriamente um teórico do futebol, um cara que busque o sucesso em campo a qualquer custo, um inovador. Talvez um cara de muita sorte, talvez um cara que se adapte muito bem ao material humano que tem, sem ficar exigindo de dirigentes e jogadores que sejam uma PEC milagrosa resolvendo os problemas de seu time.

Qual a ligação, no passado e no presente, de Ancelotti com o futebol brasileiro? Bem, suas vitórias na Champions League tiveram muitas vezes jogadores brasileiros como peças centrais, jogadores brasileiros que maturaram sob seu comando. Kaká, por exemplo, que ganhou o título de melhor do mundo por conta de seu triunfo na Champions de 06/07. Ou, no caso mais recente, a transformação de Vinícius Jr num dos mais devastadores jogadores em atividade. Na sua última Champions havia quatro brasileiros em campo: Militão, Casemiro, Rodrygo e Vini. E nesta semana Rodrygo enfiou duas cruéis bolas nas redes do Chelsea, uma delas numa inteligente bola tocada por Vini.

Assim como quando estava no Milan, Ancelotti não é um técnico para ganhar todos os títulos ao mesmo tempo. No Madrid, nitidamente a preocupação do time é somar mais uma Champions. Se ganhar, acredita-se que será difícil ele sair do Madrid. Se perder, mais uma renovação do comando técnico do time. Algo novo (Arteta, Pochetino, Xabi Alonso) ou outro retorno (Zidane, Mourinho).

Pela frente, Carletto tem uma grande pedreira: um time do City onde este Miles Davis da tática futebolística que é Pepe Guardiola reinventa mais uma vez.

Em algum momento nos primeiros anos deste século o ponta de pé trocado começou a se tornar uma peça padrão dos esquemas de três atacantes. No final da primeira década o destro CR7 pela esquerda e o canhoto Messi pela direita começaram a redefinir a forma de um ataque marcar gols. Salah talvez seja o melhor exemplo dessa interpretação da posição de ponta nos jogadores de hoje (e aqui Gabigol quando joga na ponta direita). Essa é a posição favorita de Mbappe, que não gosta de ficar preso ao centro. O ponta de pé trocado faz uma jogada afunilando para a área, ameaçando chutar, ameaçando passar a bola. Como enfrentá-lo quando o craque vem assim, pelo lado, cortando para dentro com o gol em vista, pé em punho para executar?

Guardiola resolveu o problema removendo os laterais e colocando uma defesa de 3 zagueiros em que, no caso de estar sendo atacada, os dois zagueiros centrais dos lados cuidam dos pontas e um zagueiro adicional que está na mesma linha que o cabeça de área recua construindo uma linha defensiva de 4. Diria que é algo tão engenhoso e rápido como um guarda-chuva sendo aberto.

Hoje o melhor ponta esquerda (destro) do mundo é Vini. E no início de maio a dupla Ancelotti e Vinícius Jr terá pela frente o maior desafio de suas carreiras: enfrentar este bem azeitado esquema do City. Se conseguirem passar, acredita-se que dificilmente teremos ambos em breve na seleção brasileira. Uma vitória de Ancelotti resultará em mais uma temporada em Madrid. O fato é que, ganhe qual time ganhar, a hegemonia de uma intepretação de futebol que passa pelo lateral/ala fazendo overlapping, coisa que se tornou praticamente a marca registrada do futebol brasileiro, está comprometida. Curiosamente, tanto Ancelotti no Milan quanto Pepe no Barcelona tiveram dois magníficos exemplares desse lateral brasileiro, Cafu e Daniel Alves.

E eu pergunto: e daí? A Copa será só em 26. Felipão foi campeão do mundo pegando a seleção numa fase bem avançada do caminho para a Copa. Se Carletto não estiver disponível agora, não custa esperar. A preparação longa da seleção com que nos acostumamos é o que leva ao engessamento, a criação de preferências por parte do treinador que não refletem o momento que os jogadores vivem.

Há uma revolução tática em curso, e devemos estar atentos. A copa é só em 26. Nada mais deve importar até lá.

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