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Gigantes sérvios, a defesa do Brasil e a sorte dos espanhóis

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

“Matt Damon!”
(Team America World Police)

Vínculo 1547 – O verão se aproxima no Hemisfério Norte. Sendo este um ano ímpar, sem copas do mundo, olimpíadas e copas continentais, podemos dizer que o ano esportivo terminou esta semana. E com uns feitos marcantes.

Um dos mais surpreendentes foi certamente a vitória da Ferrari em Le Mans. Desde 1965 que um carro da Ferrari não ganhava as 24 horas de Le Mans. Tá, em meados da década de 70 eles abandonaram a competição principal (correm várias categorias numa mesma prova – sempre há Ferraris nas categorias de GT). Bater a Toyota foi, acredito, o feito automobilístico do ano. Não sei se quem lê esta crônica viu o filme com Matt Damon fazendo o papel do Shelby. Belo filme, muito interessante história.

Houve também a final da Champions League. Guardiola finalmente ganhou sem Messi. Gol do espanhol Rodri, um belo gol, mas que, no fundo dependeu de alguma sorte. Definitivamente Guardiola não foi o melhor técnico em campo. Simone Inzaghi conseguiu manter o City em sous vide, e não fosse o talento de Ederson, ao menos prorrogação teria tido. Ao contrário do jogo contra o Chelsea dois anos antes, quando Guardiola escalou Gundogan na cabeça de área, posição em que ele não jogava sabe-se lá desde quando, desta vez ele escalou o time titular. Só que não nas posições usuais.

No artigo anterior falei do W-M que vira um 4-4-2 na hora de se defender, com um zagueiro<->volante que recua. Sábado descobrimos que isso não funciona tão bem assim contra um time com dois centroavantes. Esse zagueiro meio campista acabou jogando de lateral direito, e o time meio perdido. Taticamente, esse jogo traz um importante ensinamento para a nossa seleção. Há que se ter dois sistemas táticos bem claros. Um, tal como tivemos na Copa, o trio com Rodrygo, Endrick e Vini (os três estarão jogando juntos no Madrid em 26, que é quando a próxima Copa do Mundo acontece – a menos que o Madrid cometa o erro de levar aquela prima donna do PSG para lá – falo de Mbappé e não do Parça). O outro (sistema tático), um ataque com dois centroavantes. Como, por exemplo, com Romário (ou Bebeto) e Ronaldo, com Ronaldo e Adriano (para citar dois exemplos dos últimos 30 anos). Desde a Copa de 2006 que o Brasil não joga com dois atacantes. Mas pode ter chegado o momento em que aquele futebol sem pontas, com alas cobrindo os lados, faça sentido em certas situações. Sim temos o problema de não ter mais laterais como Roberto Carlos, Cafu, Daniel Alves, Maicon, Marcelo… Sim, temos o problema de que nossos pontas são do que mais ofensivo há: Vini, Gabriel, Rodrygo, aquele seis por meia dúzia de Antony e Raphinha que Tite levou, todos muito ofensivos, creio que incapazes de fazer o que um Quadrado ou um Perisic é capaz de fazer.

Claro que isso tem um problema: Carletto não gosta de dois atacantes. Esse era um ponto de atrito entre o presidente do clube, o inacreditável Berlusconi, falecido nesta semana, e o técnico. Ancelotti sempre foi entusiasta de ter um atacante apenas e carregar o meio campo de capacidade de ocupação de campo e passe. Bem, há três anos pela frente.

Mas há uns dados sobre Brasil na Champions League que não posso deixar escapar. Uns dados muito curiosos, na verdade. Pensamos nosso futebol como aquele espaço inventivo, dos craques. O Joga Bonito da Nike em 2006. De fato, aquela Champions League foi ganha por um Barcelona que colocou quatro jogadores nascidos no Brasil em campo ao longo da partida, sendo três que entraram de titulares no meio-campo. Mas isso não é nosso futebol na Champions. Pegando este século, desde a vitória do Bayern em 2001 até a do City em 2023, 17 goleiros foram campeões (alguns mais de uma vez). Desses, três espanhóis, três alemães, e QUATRO brasileiros. Tem outro dado curioso: de 2009 para cá só houve dois times campeões que não tinham um jogador brasileiro no quinteto defensivo (zagueiros, laterais, cabeça de área): o Bayern de 2020 e este City. Neste século, sem brasileiros, só o Liverpool de 2005 e o Manchester United de 2008. Qual seja: talvez a força do nosso futebol esteja mais em levar a sério isso que o mundo, na prática, reconhece: o talento que o Brasil gera nos seis caras que estão em pé na foto.

Mas por mais que a anunciada vitória do City finalmente tenha chegado, há um outro par de triunfos significativos que apontam hoje para a Sérvia – sim, aquela mesma Sérvia que batemos na primeira fase de duas Copas do Mundo – como os verdadeiros reis da bola. Seja a pequena bola de tênis, seja a maior de todas de basquete, dois descomunais atletas sérvios fizeram história no início da semana.

Pouco tenho a dizer sobre o Djokovic. Meus amigos que entendem de tênis dizem que ele é um jogador descomunal. Os títulos apontam isso: ele tem uma coleção de recordes que é ímpar. Djokovic foi alvo de uma polêmica meio ridícula com o governo australiano sobre seu status de vacinação, uma polêmica em que a imagem dos dois lados saiu arranhada.

Mas outro sérvio fez um feito notável esta semana. O comedido Jokic, pivô do Denver Nuggets, levou o time pela primeira vez a ser campeão. Eu digo levou porque ele foi o primeiro jogador da história a ter o maior número de pontos, o maior número de rebotes e o maior número de assistências numa série de playoffs, quebrando de forma brutal um recorde de triple doubles (mais de dez de cada coisa dessas numa partida) que vinha desde o lendário Wilt Chamberlain em 1967. Jokic é um cara tranquilo, praticamente sem presença em redes sociais. Há uma profunda irritação de parte da crítica desportiva americana com ele, o que levou a ele não ter sido eleito o melhor jogador da temporada regular. Razão? Votemos a Matt Damon. 

Saiu um filme sobre a história de como a Nike construiu sua simbiose com Michael Jordan e como isso foi bacana. Algo inédito. Revolucionário. “Fortune favors the brave!” Mas como pessoa que deve ter comprado Sem Logo perto de dez vezes, emprestando e presenteando o livro durante as duas décadas passadas, posso contar, querida leitora, que Naomi registra pelo menos dois crimes da Nike. Duas coisas nada simpáticas, nada positivas. A primeira, mais óbvia e gritante, é a superexploração do trabalho no Sudeste Asiático, as horas de trabalho excessivas com remuneração ridícula das pessoas que fabricavam os tênis. Mas há um segundo crime, um crime com impacto social não desprezível: ao fazer do Air Jordan algo icônico, algo que todo o jovem que se identifica com Jordan deve ter, a Nike (e Jordan por tabela) passou a explorar uma população que precisava de muito esforço para pagar os duzentos dólares daquele tênis que não custava um décimo para ser fabricado.

A mitologização de Jordan teve outro impacto: os jovens jogadores passam a emulá-lo. O objetivo é ser um superstar publicitário, um cara cuja riqueza vem dos tênis vendidos. A consequência desse modelo são jogadores que acabam tendo um excesso de ego. E isso deforma a formação de novos jogadores. Scottie Pippen tem uma coisinha ou outra a dizer sobre isso…

O que é um sintoma contemporâneo? Na posição de Center, aquela de Wilt Chamberlain, Shaquile O’Neal, Kareem Abdul-Jabbar, os quatro mais eficientes são estrangeiros: dois eslavos, dois africanos (um deles nascido na Suíça). Aí vem um austríaco em sexto e depois americanos. Metade dos dez melhores não é americana, embora alguns tenham passado por universidades americanas. O que diferencia o Jokic é seu jogo coletivo: ele pode pontuar, ele pode passar a bola, ele usa de seu tamanho para rebotes. Mas causar e lacrar não são coisas que ele faz na quadra e fora dela.

O astro desportivo contemporâneo é um péssimo exemplo. Sua ascensão social é não escalável: há poucos Neymares, poucos Jordans. O sucesso nessa área é crescentemente uma função de potência em que uma quantidade cada vez menor de pessoas fatura enormes somas a nível global, somas que acabam sendo mais uma prática de exploração do sagrado, do imaginário das pessoas, que o modelo americano faz. O sucesso não é um exemplo a ser seguido.

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