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Grade: F (parte 2)

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Si (como afirma el griego en el Cratilo)
el nombre es arquetipo de la cosa
en las letras de ‘rosa’ está la rosa
y todo el Nilo en la palabra ‘Nilo’.

(El golen – Borges)

Vínculo 1325 – Uma manhã de sábado. Deitado, escrevendo no notebook, vendo um jogo na TV, reparo que o campo ficou quase teal na tela ao longe. A TV está pifando! Levanto: a cor fica boa. E aí reparo que, quando olho só com o olho direito, a cor é uma. Quando olho com o esquerdo ou com os dois, a cor é outra, o exuberante verde quase claro dos gramados ingleses. Princípio de catarata, que o nosso cérebro corrige: meu olho esquerdo dominante corrige o direito cuja retina tão fatigada um dia descolou.

Cores. Uma das primeiras coisas que ensinamos às crianças. Uma cor é uma frequência de onda, certo? Errado: cadê o rosa no arco-íris, a cor que ficaria entre o vermelho e o violeta num círculo de cores? Há línguas que não têm palavras para distinguir entre o azul e o verde. Em Homero, o Oceano é descrito como cor de vinho – e isso não é porque ele é daltônico ou está usando uma imagem poética. Quantos homens sabem reconhecer nude como uma cor?

Nas meias do Emerson (ou no seu curso de Storytelling com Dados) há muita informação sobre cor, muitos exemplos. Quais se opõem ao vermelho, com que tons?

F for Fascism
Eu vi, eu vi, eu vi, eu vi, eu vi
En jornal nacionale!

The fascist regime” cantava o zangado poeta quando jovem navegante. Fascista aqui é um xingamento. Ao contrário do caricato cosplay neonazista, sacred realm of dream reality que tristemente se permite a céu aberto em alguns cantos, o fascismo como projeto político em si é um imaginário abandonado. Mas o que é fascismo?

Diferentes olhares, diferentes definições. Olavo de Carvalho, eminência groselha (éminence grise) do governo que (lhe) é próximo, tem um artigo publicado n’O Globo de quase duas décadas atrás, “Que é o fascismo?“, onde num curto espaço ele faz uma peculiar interpretação da história com o seguinte fecho:

Pelo fim do século XIX, as revoluções liberais tinham acabado, os regimes liberais entravam na fase de modernização pacífica. O liberalismo triunfante podia agora reabsorver valores religiosos e morais sobreviventes do antigo regime, tornados inofensivos pela supressão de suas bases sociais e econômicas. Ele já não se incomodava de personificar a “direita” aos olhos das duas concorrentes revolucionárias, rebatizadas “comunismo soviético” e “nazifascismo”. Assim começou a luta de morte entre a revolução socialista e a revolução nacionalista, cada uma acusando a outra de cumplicidade com a “reação” liberal.

O quanto a interpretação de história ali colocada aparece em coisas como a interpretação do futuro deputado Kataguiri da Idade Média? Ao menos Olavo nesse texto não coloca o fascismo como um socialismo. Essa é uma ideia cretina que você encontra em certas fringes (e não tão fringes) da direita libertária/reacionarismo cristão. Aqui, gente de bem como Adolfo Sachsida parece que andou flertando com o conceito, mas pelo visto também andou recentemente apagando coisas no youtube. Para os que quiserem uma versão menos tosca e insalubre de alguns desses argumentos – e em especial sobre Mussolini – sugiro o artigo “The Mystery of Fascism“, de David Ramsay Steele. Um ponto que eu gostaria de destacar nesse artigo:

Fascists were radical modernizers. By temperament they were neither conservative nor reactionary. Fascists despised the status quo and were not attracted by a return to bygone conditions. Even in power, despite all its adaptations to the requirements of the immediate situation, and despite its incorporation of more conservative social elements, Fascism remained a conscious force for modernization.

Atravessando a fronteira, abandonando o mundo vitorioso da escola sem partido ensinada em face e zap, temos o especialista, Robert Paxton, autor de Anatomia do Fascismo:

Fascism may be defined as a form of political behavior marked by obsessive preoccupation with community decline, humiliation, or victimhood and by compensatory cults of unity, energy, and purity, in which a mass-based party of committed nationalist militants, working in uneasy but effective collaboration with traditional elites, abandons democratic liberties and pursues with redemptive violence and without ethical or legal restraints goals of internal cleansing and external expansion.

Essa me parece uma boa definição. E como Brasil acima de tudo, Deus acima de todos, consideremos mais esse pequeno trecho:Mussolini and Hitler were both nurtured in somewhat different anticlerical traditions: in Mussolini’s case revolutionary syndicalism, in Hitler’s case anti-Habsburg pan-Germanism. This historical peculiarity of the original fascisms does not mean that future integrist movements could not build upon a religion in place of a nation, or as the expression of national identity.

Preocupante? Até aqui isso bate com o que vocês sentem?

Minha definição pessoal:

O fascismo foi um tipo de projeto político modernizante, de um mundo que se industrializava, num tempo onde o estado-nacional democrático era uma experiência recente. Sua base social/simbólica foi construída em resposta a um par de experiências traumáticas: a Grande Guerra e a Revolução de 17 (uma a ser relitigada, outra a ser evitada). Como o exército e a fábrica, realidades da organização da época, o fascismo se fundava no coletivo sob hierarquia. Sua visão expansiva era agonística: Schmitt e não Smith. O Estado tinha preeminência sobre o indivíduo; a Corporação industrial era o formato do futuro; a Arte (o belo, a cultura) tinha um lugar central.

Não vejo re-presente esse passado nem no global trumpism, nem no projeto/aliança bolsonarista. Não quando/onde os robber barons são as campeãs do capital intangível, as quatro grandes do Galloway – e não aqueles que convergiam e concentravam gigantescas inversões de capital em indústrias e infraestrutura. Não quando/onde os abstratos circuitos financeiros globalizados sequer precisam da ficção da relíquia bárbara. Um espírito é encosto no mundo, o espírito do capitalismo.

O discurso do trumpismo global é uma dissonância cognitiva que reforça mitologias do passado para fight the future. O que não se dá conta à direita é que o toxoplasma de Mont Pèlerin, os economistas mortos que escravizam as mentes dos que lutam contra o Estado e o coletivo, também está na raiz ideológica do neoliberalismo, ideologia de um mundo globalizado que a fringe vê como conspiração hostil. O que não se dá conta à esquerda é que se caminha para um mundo que ainda está sendo inventado: a fábrica será outra que não conhecemos ainda, os princípios econômicos que regem essas novas estruturas concentradoras de capital são outros. Gente como Bill Gates percebe isso. Mas Guedes não é Gates e a receita de Boulos não transcende aos limites da Receita Federal.

Portanto, se o discurso incorporado por Jair Messias, por seus guias e seus seguidores, é autoritário, excludente e violento, estes por si só não são sinônimo de fascismo.

Se não fascista, o que temos pela frente? Numa entrevista de rádio mais recente, Paxton observa sobre Trump (21:10):

“… is devoted to dismantling the legislation that protects the environment and protects working people. And that was not what fascism was about. Fascism was totally reprehensible but they looked after the environment and provided certain basic degree of welfare for the nationals of their working class…”

O fascismo propõe-se solução para o problema coletivo. O liberalismo tosco presente em discursos de entusiastas de Jair Messias nega a existência do coletivo. Libere-se o Mercado e por divina inteligência e obra as coisas se resolverão. O Brasil que está ali só existe enquanto alegorias de mão, consequência – não como projeto positivo.

Atente-se à base empresarial: redes de varejo, agronegócio, aqueles a quem dai-me também este poder, para que todo aquele a quem impuser as mãos receba o Espírito Santo e Pare de Sofrer™. Às redes de varejo tanto faz estar comprando trinkets of frivolous utility de fabricantes asiáticos ou de amazonenses. O importante é que tudo seja barato: salários, impostos, mercadorias. Ao agronegócio o que se importa não é problema desde que eles continuem livres de qualquer ameaça tributária e de atribulações regulatórias. Me pergunto quantos deles leram Equador. Já os dizimadoradores… bem, esses querem continuar com sua total liberdade de extrair doações e fazer seus processos de comunicação política desregulada.

O que não nos afasta da perspectiva de algo tenebroso e autoritário. Afinal, se a interpretação literal dos MBLs da vida é de que o nazismo era socialista porque era o PARTIDO Nacional SOCIALISTA DOS TRABALHADORES Alemães, nós bem sabemos que este terrível regime foi substituído por um regime no qual se respeitava a polícia e a ordem, a República DEMOCRÁTICA Alemã (literalidade no <<termo de uso recorrente em Olavo de Carvalho, com duas letras>> dos outros é refresco). Um lugar onde o estado se preocupava com a vida dos outros. E, nesse sentido, o superministério da Justiça é algo extremamente preocupante.

Chico Buarque profetizou:

Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:
Ainda vai tornar-se um imenso Portugal!

Diz o Paxton sobre Oliveira Salazar:Hoping to spare Portugal the pains of class conflict, Dr. Salazar even opposed the industrial development of his country until the 1960s. His regime was not only nonfascist, but “voluntarily nontotalitarian,” preferring to let those of its citizens who kept out of politics “live by habit.”

O grande risco que a gente (nós, BNDES; nós, país do futuro; nós, pais e mães de futuros brasileiros) corre hoje é de um retrocesso movido a agronegócio, de uma política econômica voltada aos interesses de curto prazo de quem tem um rápido giro de estoques, os mercadores de bugigangas e de papéis. De um governo que se dê por satisfeito em entregar as quase-rendas do setor mineral a financistas (mesmo que de fora). Nos tornarmos a Fazenda Modelo, onde:‘Do boi só se perde o berro.’ Deu um tapinha no dorso da estátua acrescentando: ‘Por isso mesmo é que nesta profícua Fazenda’, sorriu, ‘ninguém mais berra’

Chico Buarque profetizou:Ai, esta terra ainda vai cumprir seu ideal:
Ainda vai tornar-se um império colonial!

Um salazarismo tardio, salazarismo dos últimos dias. Um império colonial de nós mesmos, terra ocupada de Cristo e compliance, de fundamentalismo liberal e estado policial. Talvez Barroso devesse ouvir essa TED Talk do Yuval, não pelas definições, mas pelas preocupações.

Fecho, temporariamente, com o final do mesmo Borges, apontando para o próximo artigo, o qual será escrito sob o espírito de se a vida te der groselhas faça um sex on the beach:

En la hora de angustia y de luz vaga,
en su Golem los ojos detenía.
¿Quién nos dirá las cosas que sentía
Dios, al mirar a su rabino en Praga?

Associação dos
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