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Notas do Time Vermelho

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

“Fabricamos aos montes, aos dez
Nós ainda queremos muito mais”
(Lamartine Babo)

Cara colega do Bloco C,

Vínculo 1330, Anos atrás escrevi uma carta a uma presidente que cá passou, pessoa destemida e audaz que a nós (BNDES) fazia uma série de críticas que eram mais pertinentes do que assumimos. Infelizmente, para ela e para o Banco, seu olhar estava preso às guerras do passado. Diz o ditado que os generais sempre estão preparados para lutar a guerra anterior.

Pior do que a ilusão do preço médio – a ideia de que a diluição das perdas da desvalorização de um ativo pela compra posterior de mais a menor preço reduz sua perda –, são as pessoas que acham que a repetição de erros do passado na esperança de que agora venha a dar certo pode significar algum tipo de redenção.

Assumindo o papel de Time Opositor (não confundir com Oposição) em relação ao que parece ser a estratégia a ser conduzida por este governo que nem bem assumiu, duas propostas serão aqui brevemente apresentadas e discutidas. Ninguém as pediu, ninguém perguntou nada, talvez a ninguém interesse, whatever, vai assim mesmo.

Uma Lição do Passado

No raiar dos anos 90 a ideia de Choque era o chic. Hoje reconhece-se o baixo sucesso e o preço social alto deste tipo de condução de reformas. Mas por vezes é como se meu xará Guedes estivesse ainda preso àquele momento dos 80 onde essa era uma esperança revolucionária. A coisa que meu lado burkeano mais teme são revolucionários travestidos de conservadores.

No Brasil, o voluntarismo de Fernando Collor refletiu esse zeitgeist. E, portanto, a sua tentativa inicial de privatização foi desordenada, seja pela dilapidação do patrimônio da União em imóveis em Brasília, açambarcados pelos seus moradores de então, seja pela tentativa de forçar a privatização no processo de devolução da liquidez enxugada pelo confisco de poupanças. Ao final de seu breve governo, e naqueles que o sucederam no tempo e nas intenções de abertura – mas sem o mesmo pueril voluntarismo revolucionário –, o processo de privatização foi conduzido a contento e com relativo sucesso. Por quê?

Ao invés de se acreditar que basta botar as coisas à venda com um processo regulatório montadinho às pressas, crendices do gênero de que a lâmpada vai ser trocada sozinha pelas forças de mercado, esses governos puseram o BNDES a financiar o processo de privatização. Primeiro, transformando as dívidas das estatais privatizadas em créditos utilizáveis na aquisição das empresas, créditos que eram vendidos a prazo pelo BNDES. Quando esgotado esse mecanismo, ali pelo início do governo FHC, outros recursos do BNDES foram utilizados para financiar essas vendas, bem como a participação da BNDESPAR como eventual sócia minoritária.

O ponto aonde quero chegar é o seguinte: não é porque eu ache que os recursos do Banco deveriam ser usados para financiar as atividades/setores do tipo A, B ou C, que eu penso que a aceleração da devolução de recursos ao Tesouro é pior do que um crime: é um erro. É porque, se a meta de privatização colocada claramente por Paulo Guedes já na campanha é para ser executada e funcionar de forma não predatória ou traumática, o papel do BNDES na condução desse tipo de processo pode novamente ser crucial. Essa meta é bastante original no sentido de reposicionar a questão de liberar ativos que estão sob controle da União para uma utilização mais sábia pelo setor privado: a ideia de incluir o patrimônio imobiliário (gente, sabe aquele estacionamento no meio da Voluntários da Pátria: aquilo é terreno arrendado da União!) como um elemento central no discurso de privatização, e não ficar preso somente às empresas constituídas.

Indo direto ao ponto, a primeira proposta pode ser descrita da seguinte forma:

1. O BNDES conduzirá, sob o comando do Ministério da Economia, um processo de construção de empresas gestoras de grandes portfólios imobiliários regionalmente delimitados.

2. Essas empresas serão colocadas no mercado com participação do BNDES em seu capital, de forma a garantir ao setor privado um compromisso adicional de que este é um investimento seguro.

3. A União poderá se beneficiar futuramente pela valorização desse patrimônio sob gestão privada, seja pelos fluxos de caixa pagos ao BNDES, seja pela própria desmobilização dessas ações num momento mais tranquilo.

Que seja assim, que seja através de fundos imobiliários, qualquer que seja a engenharia concebida para isso. Deixar de usar o BNDES e os recursos que aqui estão para confiar que o mercado por si só (e não sem o skin in the game do próprio governo – para não dizer liquidez) vai resolver isso é algo aquém da responsabilidade em questão. E processos bem-sucedidos, feitos por pessoas com espírito público e entendimento de operação de mercados, são conduzidos no limite da irresponsabilidade.

Uma Ligação com o Futuro

Como já tratei em outros textos aqui neste mesmo VÍNCULO, Ricardo iniciou o processo de construção de um novo Banco. Embora ainda não seja muito claro como isso será feito (porque não creio que soluções de mercado terceirizadas para inadimplência/contencioso sejam matéria resolvida no âmbito do Sistema U), a ideia de que venhamos a operar diretamente as pequenas operações de BNDES Automático com uso de fintechs e coisa parecida parece ser visionária. Mas lembre-se que dirigíveis com hidrogênio também foram alta tecnologia de sua época.

O fato é que essa não deve ser uma experiência abortada. Pelo contrário. Por outro lado, nesse afã de se avançar as relações com (e para além) do sistema financeiro presente e futuro, há um ponto negligenciado no que é o conjunto principal das operações automáticas do Banco. Trata-se da FINAME, do Cartão, daquelas operações nas quais o fabricante de um produto ou o fornecedor de um serviço é credenciado pelo Banco.

Como nosso presidente destacou, o Banco deveria dar uma prioridade à empresa média. Isso, no entanto, existe num país apenas, a Alemanha, e com empresas industriais de bens de capital ou bens intermediários. John Kay costuma tratar disso, e isso também já discuti nestas páginas.

Para melhor apoiar este setor, que incidentalmente foi o que mais se engajou politicamente na defesa da manutenção das condições de remuneração do Banco quando se implantou a TLP, creio que seria necessário resgatar, de forma ampliada e aperfeiçoada, uma estrutura focalizada. O que proponho é a criação de uma Área de Operações Credenciadas. Esta Área conteria as estruturas responsáveis pelos produtos FINAME e Cartão BNDES, pelo Departamento de Credenciamento, que foi exilado na AP na última reestruturação, e pelo Departamento de Bens de Capital.

Razões? Para começar, o fato de que bancos dedicados como o Banco Volkswagen ou eventuais futuras estruturas cooperativas de financiamento de vendas de médias empresas de uma região, como cidades do interior de Santa Catarina, são a alternativa presente e futura ao custo de uma operação genérica do concentrado setor bancário, em geral ignorante em relação aos reais riscos e necessidades dessas empresas.

A isso se some a capacidade de, de fato, fomentar o aperfeiçoamento dessas empresas, criando condições para que elas se modernizem ao mesmo tempo em que o produto dessa modernização tenha condições financeiras adequadas à sua colocação no mercado.

Isto não quer dizer dirigismo como nalgum passado de caixa preta. Isto quer dizer apenas estimular sinergias e permitir que o suporte a uma empresa industrial se dê no âmbito completo de suas atividades, na melhoria simultânea de produção e vendas.

Por enquanto é isso. Em nada incompatíveis com as metas há outras propostas deste Time Vermelho que eventualmente cá estarão. Saibam meus habituais leitores que nos próximos episódios ironia e obscuridade retornarão a estas páginas. O colega do Bloco C provavelmente lembrar-se-á que nós, do Bloco F, em especial os que frequentavam os fundos do Bloco F, acreditamos no livre…

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