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O Piscinão do Ramos – Notas para um Ensaio de Curta-Metragem(ao som de Higgs Boson Blues, de Nick Cave)

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Vínculo 1311 – Personagens que cá terão curta duração, ou os homens avançados nos cinquenta.
O Ensaísta: cabeludo, grisalho, outrora cínico, agora só sacana (mas atente: nem sempre o é). Capricórnio. Só o Ensaísta, com sua voz aguda e irritante, fala nas cenas encenadas.
O Questionador: grisalho, de alma e cabelos revoltos, palavras entaladas na garganta. Capricórnio.
O Diretor: de terno, sorridente, bem articulado. Sagitário.
Em 20.300 dias sobre a Terra

“And in a way I’m yearning
To be done with all this measuring of proof.”
(The Mercy Seat – Nick Cave)

(Cena S1, área bancária – o Ensaísta pagando uma conta quando se houve uma voz imperiosa “… AGORA…”, como um brado convocando os eloi ao subsolo. É arrastado por dois amigos grisalhos para o auditório. Sentam no lado esquerdo, fila F. (Começa a tocar a música: Higgs Boson Blues, som abaixa após o primeiro verso, “Can’t remember anything at all“)

(Cena auditório – plano geral sobre um grande auditório com um quarto das cadeiras bloqueadas para que as pessoas se agrupem mais à frente. Média ocupação, figurantes majoritariamente de meia idade e função comissionada. Alguns incorporados e derrubados espalhados, ovelhas negras entre os chapa-branca. No palco: duas cadeiras, um Presidente de fora e um Diretor de dentro. Passam cenas de documentário do evento com frases esparsas da palestra se superpondo à música no fundo, subindo nos versos: “… running from his genocidal jaw / He got the real killer groove / Robert Johnson and the devil, man / Don’t know who’s gonna rip off who“)

(Cena no auditório – fragmento documentário de pergunta do Questionador sobre nepotismo – fragmento documentário de resposta do Diretor)

(Cena café no S1 – o Ensaísta, o Questionador, uma moça mais alta que os dois)

“O que você não entende é que o Ricardo só vê suas experiências pessoais. Ele nunca viu nepotismo no Banco porque, sinceramente, falem o que falarem, acredito que ele, pra ele, em benefício próprio, nunca o praticou. E essas palavras, ética, meritocracia, qualificação, participativo, tudo isso é de difícil medição e desigual definição. Por isso não costumo usar essas palavras. Cada um entende mais ou menos do seu jeito.”

(Cena na baia em frente ao corredor do banheiro masculino, 2º andar – o Ensaísta e um homem mais alto, mais forte, mais novo)

“Ele entende o mundo sob o prisma das operações de exim da época de FHC. O cliente era basicamente um só, a Embraer, e o Banco tinha uma relação continuada com suas exportações sem muitas frescuras sobre questões como conteúdo nacional, por exemplo. Esse entendimento formador pelo visto nunca o abandonou.”

(Cena na baia quase em frente ao corredor principal, 2º andar – um senhor baixinho e o Ensaísta, então com a barba menos branca)

“Espanha, o cliente do Banco num projeto de FINEM não é uma empresa. O cliente do Banco num projeto de FINEM é um Projeto. A empresa é quem paga, é quem dá as garantias, mas sem o projeto, bah, a operação não existe. O dinheiro só será liberado conforme o projeto ande. E se as coisas começa-rem a ser muito mudadas, o Banco pode fazer um vencimento técnico da operação. Isso não é óbvio à primeira vista: a gente sempre pensa cliente como uma pessoa, física ou jurídica. Mas nesse caso o cliente é, por assim dizer, um compromisso. E é por isso que eu gosto de dizer que estamos casados com as operações até que a amortização nos separe.”

(Cena café no S1)

“Lembra dos piscinões do Gros, do cliente-produto? Lembra da confusão que foi por conta de um processo mal-ajambrado, em que se atribuiu um excesso de atribuições às áreas de produto, que estavam nas mãos do povo da BPAR do Gros, e que ao invés de ficarem fazendo só BackOffice você ficou com a situação surreal de ambas as equipes irem em visita de análise? A ideia de tornar o Banco mais eficiente pela linha de montagem… putz, é fazer disso aqui um drag de Banco privado, saca, um Banco Montado, hahaha!, Falando nisso, tem uma história com a (…)”

(Cena na baia frente ao corredor do banheiro masculino)

“Você tem que entender que o Ricardo tem o mesmo entendimento de que um negócio é um negócio em si que o Gros tinha. Sabe aquele lance da Thatcher de que não há sociedade, apenas as pessoas somadas? No fundo fundo mesmo a mesma coisa. Se a melhor solução do ponto de vista do custo/prazo do projeto pra botar ônibus elétrico rodando em São Paulo for comprar ônibus chinês, whatever, dane-se o agregado das contas externas, os desdobramentos tecnológicos, a continuidade operacional, o ca<<Bip!>>o. Aquele problema tem que ser resolvido da melhor forma e a solução ótima daquele problema é a solução ótima, f<<Bip!>>-se o resto, entendeu?”

(Cena café no S1)

“A impressão que me dá é que, enquanto o Gros queria reformar o Banco como um todo, Ricardo está na verdade é criando um banco à parte lá na ADIG. Vai ficar um banco legacy, com os pepinos do passado e dos compromissos históricos com os setores que estão morrendo, banco rádio AM tocando pra velhinhos, e um banco com dois braços bem sarados e separados: o processo lean, enxutinho, e, do outro lado, o processo dos grandes negócios estruturados, que não necessariamente terão empréstimos, saca? Nada de Laura de Vison! Vittar! Puro Vittar! Vittar e aquele caritcho todo tatuado meio sertanejo que eu esqueci o nome naquele clip de praia. (…)”

“Gros foi a tragicomédia, porque, afinal de contas, aqui é o Bananão, não tem tragédia. Agora rola a farsa – e farsa é farsa, sem qualificativos. Nada de cirurgia, nada de jairurgia, nada de marinurgia – reestruturação de gênero no cartório sem o país dar-se conta. Aí quem sabe ela sobrevive a quem vier em 2019. Se vier Lula recheado acompanhado de canja de massa de estrelinha? Ou se finalmente vier o tão desejado magret ao molho de jabuticaba, trajando purê de barôa amarelo-canarinho, seja com chuchu, seja o pistola? Tanto faz!”

“Lembra que eu escrevi que era um ato de mágica o que estava rolando? Pois é: enquanto fica todo mundo chocado com essa sacanagem que sequer o Márcio Henrique teve o desplante de fazer, as movimentações forçadas, os dirty dozen que vão limpar a m<<Bip!>> que os caras fizeram nos verões passados de Luciano; enquanto você reclama com razão da concentração de poderes na Área de Administração, Recursos Humanos e, até segunda ordem, mas só porque a gente tá de mudança, tá, de Cobrança – c<<Bip!>>o!, esse lance da Cobrança é de um nível de bagunça de f<<Bip!>> – e que esses caras ditarão quem pode ir para onde; enquanto fica gente insistindo na p<<Bip!>> da TJLP-TLP como se fosse isso que estivesse entupindo a descarga do Banco… cara, a TLP é só mais uma das m<<Bip!>> que eventualmente vai descarga abaixo logo no início do próximo governo… o Ricardo vai mudando os procedimentos, os nomes, quem sabe até arrancando os “documentos” do Banco no futuro, sacou? Mas o ponto é: se vier algum maluco, essa estrutura nova, duplicada, à parte, camuflada no manto da modernidade, tem mais chance de sobreviver. E nisso tenho que reconhecer que o cara está sendo esperto em todos os sentidos do dicionário e mais alguns que ainda estão para serem tunados na Garagem.”

(Cena no auditório, cadeiras do final da sala do lado direito – o Ensaísta noutra cadeira, numa fileira de trás, tendo um colega de concurso com quem conversa. À sua direita, por trás do rosto do colega que olha o palco, o Ensaísta sorri por mais tempo que o que seria adequado em direção a um lindo sorriso de uma jovem ao final da fileira, como que saída de um Godard preto e branco dos sessenta, tipo Acossado ou Bande à part. Em off, seus pensamentos, depois que o amigo, pouco tempo depois, levanta e sai, a garota não mais lá)

“Daqui a um quarto de século, o mesmo tempo de um quarto de século que eu e Ricardo cá estamos, tudo correndo bem essa moça ainda estará cá no Banco. Eu, Paulo e Ricardo, na cúspide dos octagenários, no máximo passando por cá para resolver pendências na FAPES – ou tomar vacinas. Cada um no seu caminho. Ricardo acredito que tendo trilhado bem-sucedida continuidade de carreira, não mais pública, mas sob as bênçãos auspiciosas de bem-fazejo capital. Eu tendo mergulhado finalmente em Parfit e ProustMusil e WallaceBascom e Jodorowsky, tomos grossos que me esperam em seus plásticos, bem como umas outras centenas mais finos.”

Sorrentinamente, sorrio. Sorrio, como Marcello ao final de La Dolce Vita, numa comunicação sem sentido, em meio à zona que alvorece, com a leveza que está fora dessa vertigem, do meu conjunto de perplexos PUCs derradeiros, dos momentos no tempo de nossas histórias. Sorrio, como a mocinha ao final de 12 Macacos, ao mesmo tempo vendo a zona que rola no presente, ao mesmo tempo vendo o mais grave do futuro, esperança e disparate. Essa menina quando aposentada da FAPES envelhecerá sob o Jackpot gibsoniano a plena carga enquanto nós seremos lágrimas na chuva. E essa reformulação será então um curto momento na história dessa moça, momento apagado ante às mudanças mais profundas que Banco e país passarão em 2019. E em um quarto de século isto será uma nota de rodapé esquecida, os “Look on my Works, ye Mighty, and despair!” de Rabello e de Ricardo tão obscuros na memória quanto Gros, seus piscinões, seu Efeito Multiplicador do Desembolso.”

(música volta a subir: “And you’re the best girl I ever had / Can’t remember anything at all“)

abrace essa cantiga por onde passar

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