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O Visitante da Torre

It´s quiet here, I look thru my glass
At patterns all so well defined
Please send my winter coat soon as you can
I find I have no other lines
We men of science….You know(Tom Verlaine)

Vínculo 1212 – E esteve José Alexandre Scheinkman cá no Banco, no grande auditório, dando uma palestra. Um fofo! Um senhorzinho muito simpático, muito didático, muito educado, muito pessoal em seu relato. Conheço gente de fora que gostaria daquela palestra – que não foi concebida agora, que não fora construída visando o Banco como público-alvo. O powerpoint foi basicamente o mesmo de uma palestra para o INSPER realizada exatamente três anos atrás (mas, imvho, enxugado das partes mais interessantes, sobre cidades). Isso certamente foi sentido pelo público, tanto que o comentário da maioria das pessoas com quem falei após a palestra pode ser resumido a “meh”. Certamente a explicação dada sobre o que traduzindo para português é o CNAE pode até ser útil em outros lugares do mundo de finanças, mas em se tratando do quadro do BNDES ela causa um profundo (quase ofensivo) desconforto, a sensação de “estou gastando meu tempo com isto?”.

Gostei da palestra. Não propriamente com meus olhos de economista, menos ainda com os da engenharia de produção, mas, vista com os óculos que pirateei de meus amigos antropólogos, a palestra foi interessantíssima. Indo ao ponto, entendo dois pontos como centrais para a compreensão do personagem:

• Nunca foi num Walmart (em quase meio século nos EUA);

• Ele se dava ao trabalho de se deslocar três horas para conviver com os estudantes de Princeton.

O primeiro ponto sinaliza o quão personagem da ivory tower da ciência é o professor Scheinkman. Os dados se assentam ao modelo, o mundo é gaussiano, há resíduos. Os exemplos práticos… bem, tanto turbinas, quanto o exemplo da IBM, quanto o entendimento dele da Apple tem problemas sérios, e se o diabo mora nos detalhes, dava para fazer um Minha Casa, Minha Vida para toda uma Legião naqueles exemplos. Mas há problemas fora dos detalhes, nos modelos em si.

O mais básico deles é uma visão de que os fatores têm liquidez absoluta. Não creio que isso seja assim tão factível fora do espaço sem atrito da teoria. Podemos deslocar o dinheiro (Capital-Lei das SA) de uma empresa para outra, mas não podemos deslocar equipamentos (Capital-Adam Smith) de uma empresa para outra. E se práticas gerenciais podem ter impacto sobre produtividade (embora sejam muito mais difíceis e custosas de se copiar do que acredita nossa vã burocracia weberiana), equipamento que aparece marcado num balanço de empresa com seu valor escritural não é conversível em capital noutro lugar sem eventuais perdas de seu valor de mercado em função da obsolescência e/ou de ganhos de eficiência de equipamentos mais modernos. O mesmo ocorre via aquisição, que, como num transplante, envolve uma probabilidade não desprezível de rejeição.

Nesse sentido, creio que há uma inocência em se achar que existe um Fome Zero de almoços grátis sendo oferecidos por melhorias gerenciais nas estruturas e nas práticas brasileiras, tanto públicas quanto privadas, tanto nos governos quanto nas empresas – há um lanchinho e olhe lá! Correlação não é causalidade, nem como explicação de porque quem paga (ao invés de esperar almoço grátis com boas práticas de gestão e mensuração) tem melhores resultados no atacado; nem como explicação de perda de mercado tanto no sentido absoluto quanto no relativo de quem se preocupa mais com a eficiência financeira e custos e/ou com crescimento via aquisição de empresas do que na qualidade do produto que seus sedentos consumidores esperam contenha um mínimo de álcool e o tipo de lúpulo que o definia. Nem porque a empresa telefônica que o mesmo brilhante grupo de financistas agraciou temporariamente com sua compreensão de negócios seja hoje exasperante para um consumidor cevado em Apple Stores. Reconheço, a Estatística é deusa cruel, que aos iludidos pelo acaso sempre acaba entregando a regressão à média.

O segundo problema, um pouco mais sutil, é que diferentes estratégias empresariais podem coexistir dentro de uma mesma subclasse. Um exemplo prático: no mesmo 4781 de comércio varejista de roupas e acessórios tem-se tanto a fast fashion da Zara e como a cadeia tradicional com coleções sazonais da GAP ou da Banana Republic. Um smartphone pode tanto ser feito de forma verticalizada (Samsung), como construído por terceiros com componentes até do concorrente (Apple). Creio que o capital utilizado pelas empresas com maior verticalização nesses dois exemplos anteriores seja maior, muito embora elas consigam maior velocidade e vantagens no longo prazo do veloz/voraz mundo atual. O ponto é que a melhor prática de agora é a prática atrasada de daqui a pouco, Schumpeter e Christensen estão aí para explicar a possível onda de reshoring.

Há um terceiro problema, sobre produtividade em si, sobre o que ela quer dizer no mundo de hoje, sobre sua medição. Tem uma palestra de Lawrence Summers no Peterson Institute em novembro do ano passado que trata do assunto, palestra pra lá de interessante que recomendo aos demais interessados a ler/assistir/buscar os comentários a respeito (o do Adam Posen, por exemplo, é bastante interessante – mas há mais). Não é problema só do primeiro mundo, mas do mundo do qual fazemos parte.

O segundo ponto do personagem Professor Scheinkman é como ele é capaz de se esforçar em busca da excelência (que é um dos nossos Valores, diga-se de passagem). De como ele não só é testemunho vivo, mas como ele a valoriza. E aí há uma contradição curiosa: na discussão de produção de ciência/conhecimento – que para este economista que cá escreve é apenas um bem non-rival, non excludable – ele admite uma intervenção do Estado e o papel deste de escolher quais serão os lugares de excelência aonde o dinheiro será investido na produção desses bens. Porque esse bem (uma das pseudo-mercadorias, como dizia Polanyi) específico deve estar fora da operação de mercado, porque nesse bem específico o Estado deve fazer uma sinalização clara, é coisa que não se explicou ali. Excluindo uma pitada de modelo linear de inovação à moda de Vannevar Bush, no qual sinceramente espero que o professor Scheinkman não acredite, não ficou claro onde ele vê esses limites entre papel do Estado, do dirigismo, do mercado.

Tirando os tradicionais clichês de devoção à eficiência e à santidade do mercado, creio que há elementos na palestra que são ótimas defesas de pequenos programas do Banco, como o Prosoft, o Proengenharia e o Prodesign. A visão dele de que devemos buscar no nível micro, a partir de um entendimento setorial detalhado, trazer as empresas brasileiras para padrões mais modernos de utilização de capital, me parece estar em consonância com o que foi a prática das equipes de várias áreas do Banco nos anos recentes, uma compreensão no cotidiano do que as medições do professor apontam. E, nesse sentido, podemos reintroduzir a questão da gestão das empresas que está subjacente à leitura do professor Scheinkman no bojo de ações de upgrade tecnológico de nossas empresas, na qual ela é parte integrante do quebra-cabeça. Assim, o fato de que o cliente do Banco, ao contrário do que possa parecer para quem é externo, não é uma Empresa mas sim um Projeto, que sem projeto não tem FINEM, e que essas preocupações costumam ser consideradas nas análises dos projetos, mostra que nossa prática não está assim tão distante de uma resolução dos problemas ali apresentados.

Algumas pessoas com que conversei acharam que ele estava defendendo a reprimarização da economia ao ressaltar com entusiasmo a progressão da agricultura brasileira. Meu entendimento foi o contrário: que ele clamava por um aperfeiçoamento dos outros setores, pelo estreitamento da diferença de produtividade entre as empresas menos eficientes e aquelas que têm potencial de ser globalmente competitivas num mesmo setor. Assim como o papel do Estado: ele falou no ITA e na EMBRAPA – e da Google – de uma forma que não ficaria tão distante assim do que diria uma Mazzucato. É certo que faltou lembrar ao menos do CENPES, mas isto certamente violaria o tabu dos clichês do momento.

Residentes da ivory tower são ótimos como professores, interessantes para se estressar conceitos, mas, em contrapar-tida, sem utilidade prática imediata para os praticantes, teólogos em meio à condução de uma missa. E este é um Banco de praticantes. Adoraria que pudéssemos dispor da inteligência privilegiada, do zelo e da criatividade do professor Scheinkman de forma mais intensa. Que pudéssemos ter uma meia dúzia de discussões com ele, discussões onde fossem avançados não só alguns dos temas tocados ali, mas principalmente outros que ficaram de fora, como o tema das cidades, no qual ele foi, no mínimo, um extraordinário mentor. Projetos por hora em pausa, como o de Cidades Inteligentes e o de Desenvolvimento Regional e Territorial (o qual, imvho, ficou excessivamente focado no rural e periférico) poderiam ter uma interessante injeção de mais um novo entendimento, de uma visão que aponta para uma conexão entre ambos.

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