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Os Atos Falhos

Paulo Moreira Franco – Empregado do BNDES

“Institutional corruption: the consequence of an influence within an economy of influence that illegitimately weakens the effectiveness of an institution especially by weakening the public trust of the institution” (Lawrence Lessig). 

Vínculo 1380 – Era para estar escrevendo aqui sobre divisões da direita – assunto que tudo correndo bem tratarei nas próximas semanas –, mas uma sublime e involuntária peça de entendimento sobre nossa ordem neoliberal a partir dos noventa me urge a este texto. Pra não perder a forma, faço um desvio ao passado, uma pequena história pessoal.

Quase duas décadas atrás, quando um eterno candidato a conduzir nossa economia veio a ocupar um dos mais visíveis postos públicos da Nação, uma amiga me ligou. Amiga muito querida, falecida no início deste ano, completaria sessenta e quatro anos agora em março. Socióloga, PUC. Entre seus colegas em ao menos uma cadeira de história esse luminar. Ela estava revoltada com o fato de que este cara, que só tinha passado na cadeira porque ela e os amigos deixaram ele assinar um trabalho, tinha sido nomeado para o posto. Ela deu um exemplo, um exemplo muito curioso: “ele dizia que classe social eram pessoas que tinham os mesmos eletrodomésticos”.

Pros que não conhecem, na década de 70 o marketing media a classe em suas pesquisas perguntando quais eletrodomésticos e em que quantidade você possuía. Era um mundo sem Casas Bahia e Magazine Luiza, quando o BNDE sequer tinha S e a maioria das TVs, preto e branco. Trazendo para uma resposta semelhante contemporânea do filho de um primo a quem eu algumas vezes expliquei matemática: “O que é um número negativo?” (expressão de perplexidade como se eu tivesse pedido para resumir Lost, incontáveis segundos): “É um número com um sinal de menos na frente”.

Nessas quase duas décadas desde esse telefonema, no entanto, vejo que uma outra explicação poderia ser dada às mesmas palavras. Uma explicação que um marxista sacana de matiz situacionista poderia usar na boa. Bato no liquidificador um pouco de fetichismo da mercadoria, de objetos que definem a identidade, de “but, he can’t be a man ’cause he doesn’t smoke / the same cigarettes as me”, “marxismo cultural” a gosto e voilà, essa frase aparentemente idiota ganha toda uma outra conotação. Entenderia um bolsonarista? Nah. Praticantes de indiferença ou repetência, Diferença e Repetição passa ao largo. Mas não vou deplorar as pessoas, os parentes e amigos queridos que se revelaram no segundo turno. Aletéia irmão!

Sob esse prisma do que pode ser um conceito algo sofisticado que alguém involuntariamente diz de forma controversa – pois se toma ao pé da letra o entendimento ao pé da letra do autor da pérola –, há este parágrafo magnífico que foi alvo do editorial da semana passada:

Nosso Brasil viveu um dos maiores escândalos de corrupção da história, turbinado com dinheiro público. Esse dinheiro saiu dos cofres do povo brasileiro. Então é legítimo que o povo se pergunte e questione: ‘mas como não houve nada de ilegal?’. E a verdade é que a gente concluiu que não houve nada de ilegal. A gente construiu leis, normas, aparatos legais e jurídicos que tornaram legal esse esquema de corrupção. A conclusão é essa. E é legítimo que a população tenha essa dúvida, e é importante que o banco esclareça que não fez nada de ilegal

Onde eu vi algo parecido… Neste texto sobre uma entrevista com Lawrence Lessig:

His new book, America, Compromised, is based on a series of lectures he has given about how US institutions no longer serve the purposes for which they were designed. They now serve the wealthy and corporations, which work to help the rich get richer. What’s happening isn’t illegal. It’s systemic. He writes, “There is not a single American awake to the world who is comfortable with the way things are.” What can we do to change the system?

Lessig, pra quem não conhece, era talvez o principal pensador no campo do copyright até que seu aluno Aaron Swartz fez cair a ficha sobre o real problema: a política. Swartz é a versão americana do reitor Cancelier, o cara levado ao suicídio pelo aparato policial-jurídico do Estado.

O ponto central de Lessig é o conceito de dependence corruption, que pode ser resumido como a escolha entre os ricos que custeiam a política conforma a política de forma a invalidar a escolha popular. Eu retorno a esse tema na semana que vem.

Mas por enquanto me respondam: esta fala não retrata de forma esplêndida a privatização da Vale, empresa que hoje mantém o estado de Minas entre o terror e a lama? Não é o limite da irresponsabilidade? A Globocabo onde entramos no passado? As concessões com pedágios absurdos em trajetos onde não há alternativa pública? O setor de insumos básicos construído pelo governo Geisel, praticando, privatizado, a extorsão do preço importado alfandegado? (Aliás, pequena digressão: não é Vargas que está sendo destruído por Bolsonaro & Guedes: é Geisel. Geisel via longe, esses de hoje via lounge, lobistas que almejam ser enquanto voam pela AeroFAB.)

Gustavo, pelo visto, não entregou um dos arrombamentos desejados. Era pro Banco estar ajoelhado no milho. A abertura da “caixa-preta” não tinha por objeto algum descobrir algo, mas sim a omilhação do BNDES. O BNDES é arrogante e tem que passar a ser moderado, omilde. Jair, uma vez que entendeu o que se passou, tratou de deixar sua marca: onde tínhamos presigato (como diz uma amiga), enfiou-se uma sílaba adicional: agora é presigaroto. Ro, décima sétima letra do alfabeto grego, que a gente aprende na engenharia como densidade (que aumenta quanto maior for a eme sobre o volume). Deve ter dedo de Olavo nisso…

Um número negativo é um número menor que zero. Num mar de vermelho essa lição será aprendida.

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