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Rabello. A Solidão

Por: Nelson Tucci

Paulo Moreira Franco – Economista do BNDES

Vínculo 1292 – Estranhei que não havia as moças com a lista de presença (havia me inscrito na primeira hora). Vazio, certamente: os quitutes de café da manhã virtualmente intactos. Mas como a cerimônia de fato começaria lá pelas dez, depois da apresentação da Visão 2035 conduzida por alguns colegas da AP; e como conheço o fuso horário peculiar do BNDES, não estranhei.

Na primeira fila, Eliane olhava frequentemente pra trás, com seu rosto de mocinha da nouvelle vague um quarto de século depois. A expressão transmitia uma perplexidade. Era com o vazio na sala? Era com o fato de que nem 2% dos funcionários se dignaram a descer para o que era a anunciada despedida de um presidente?

Gente de fora havia, não só no palco, mas na plateia. Gente de qualidade, gente com história: galardões e trajetória, bispos e peões. Mas a tragédia que se desdobrava ali – a tentativa de resgate de alguma grandeza perdida na história do Banco e da República, uma espécie de procissão (em filme dos anos 50) levando o faraó à pirâmide que ele construiu para sua glória rumo a um além onde ele presidiria não mais o Banco, mas a República – a tragédia era outra. Lear. O abandono.

Rabello estava nitidamente incomodado.

Não sei se por acidente ou ironia, em momentos diferentes ele sentou na sua cadeira seu camarada Casper da Costa e o ex-roqueiro RR. Talvez querendo dizer: “olhem, esse é o silêncio pelo qual vocês tanto batalham” (na coletiva final esteve Cordélia ao seu lado). Rabello, que cá chegou distribuindo medalhas (e dando palco a Skaff); Rabello, que disse eppur si muove ao decorar a medida provisória da TLP; Rabello, homem que veio para dourar o pato do golpe, estava ali, um “pato-lamê” com seus fios dourados.

Não só houve medalhas – também discursos. Alguns bons, supreendentemente bons. Aos que se dispuserem a ver, acreditem: a moça da Força Sindical fez uma apresentação extremamente profissional, talvez a única que de fato dialogava com o 2035 do qual se tratava ali; o cara do TCU fez uma interessante observação sobre a ausência de “emprego” na estratégia do Banco. Villas-Boas, Paulinelli, o cara da Fiesp, a senhora da Confederação de Transportes perguntando na plateia, mesmo a pesquisadora da Embrapa que só tratava de comida foram interessantes. Sim, houve coisa abaixo da crítica, pelo menos três exemplares da indigência do establishment de economia que o Taleb tanto espanca em seus textos. Sim, o único sobrevivente dos cinco mosqueteiros de Temer reclamando da Constituição como se Temer não tivesse sido deputado constituinte do partido majoritário – e certamente votado a favor de mais de 90% do que entrou no texto final. Sim, o nepote de um dos papas de nossa Ciência Econômica pontificando o sonho de cinco porta-aviões numa marinha de um Brasil potência em 2035 (e sendo trolado pelo comedido e sensato comandante do Exército) como se fossem Audis na garagem de um jogador de futebol.

O presidente anunciou um conselho de notáveis para trazer luz ao nosso Conselho de Administração, analisar e validar as estratégias do BNDES (1952-) em relação ao futuro. Ellen Gracie (1948-), Delfim Netto (1928-), Ozires Silva (1931-), Alysson Paulinelli (1936-), Carlos Ivan Simonsen Leal (1957-), Gastão Toledo (194?-), Sérgio Moreira Lima (1949-), General Villas Boas (1951-)… alguém versado em estratégia como Carpegiani (1949-) ou Zagalo (1931-) cairia aí como uma luva. Maria Silvia (1925-2013) certamente não teria uma ideia tão criativa em direção a um capitalismo popular quanto juntar tão visionário grupo. (Observação: desligando a ironia, o mais velho dentre eles é justamente o único que eu chamaria para um conselho dessa natureza. Talvez por isso tenha sido o único a ser alvo da atual esculachocracia policial-judiciária)

Em sua coletiva final ele falou que dedicaria os próximos dias a orar. Como membro do rebanho político do Pastor Everaldo (notável por sua corajosa defesa da privatização da Petrobras e por suas perguntas a Aécio), a Oração Penitencial certamente não fará parte de suas meditações. Pensamentos e palavras tiveram destaque em sua passagem, em livros e documentos publicados sob seu comando. Mas faltaram atos, sobraram omissões.

Há quem veja valor nisso. A quem ache que boas declarações sejam o suficiente para salvar, que piadas como os 210 bilhões de desembolso (80 bi de operações, 130 bi de devolução não reembolsável ao Tesouro) são o bastante, digo: não, não são. De alguém que usa a palavra “lastro” em suas propostas privatizantes eu posso esperar um nostálgico, anacrônico desenvolvimentismo da boca para fora. Me surpreenderia se o ouvisse falar, por exemplo, em segurança alimentar ante ao aquecimento global – não no sucesso do agronegócio. Genesis 41 não faz parte do Livro mercado, bem como Levítico 25.

Rabello viajou o que pôde, o que, na minha irrelevante opinião de índio, é exatamente o que um presidente do Banco deveria fazer. Mas pra que isso tivesse funcionado ele precisaria ter tido alguém que conduzisse seus affairs internos, um Pio executor de seu poder. Rabello entregou o Banco à autogestão achando que chiliques motivacionais via vídeo e whatsapp bastariam. Sob seu apagar das luzes se fez (quem sabe se acabará fondo – vejam que falta faz Carpegiani!) este rodízio de diretores sem se combinar com quem viria a substituí-lo. Sob sua gestão a desenfreada ação entre amigos passou a ser travestida de seriedade técnica, appetizer de um improvável (mas não impossível) governo Bolsonaro entre outras coisas. Tudo isso divide. Desmotiva.

Maria Silvia saiu por vontade própria, fugindo da artilharia que viria sobre um governo Temer com o qual ela não era tão comprometida assim. Rabello também sai por sua própria conta. Move-o a megalomania? Sei lá. Sai daqui sem ser Mito, sem ser muito mais do que mais um retrato na parede. Mas teremos saudade.

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