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Sete anos e sete dias, neste Sete de Setembro, por Paulo Moreira Franco

Paulo Moreira Franco – Economista aposentado do BNDES

 
“Remember the story of Pablo Picasso
He could walk down your street
And girls could not resist his stare
Pablo Picasso was never called (…)”
(Pablo Picasso – The Modern Lovers)

VÍNCULO 1559 – 23 de outubro, em torno do meio-dia, Glória. Tendo diante de mim dois economistas de esquerda muito melhores do que eu, tendo por testemunha uma futura advogada, juro, sobre uma ortodoxa tapioca de queijo coalho com coco, não falar mal da Presidenta Dilma e de seu (segundo) governo antes de passada a eleição. Restrição que estendi por um pouco mais de tempo. Agora me considero liberado deste voto.

Eu poderia facilmente justificar o que se passou nesses oito anos com a observação feita pelo Felipe Rezende, quando este visitou o Banco e fez uma pequena palestra na AF, de que o Brasil entrara numa recessão de balanço e que isso, historicamente, é um atoleiro do qual se leva na média uns nove anos para sair. O que é uma recessão de balanço? É quando bancos, empresas e famílias acham que suas dívidas estão num nível tal que todo o dinheiro que entra vai para recompor seu balanço, reduzir o endividamento. Medidas monetárias para aumentar a liquidez e gerar investimento e demanda são inócuas nessa situação: o dinheiro que entra, empoça, é liquidado com a redução de dívida (lembre, em “eme-eme-tês” todo dinheiro é dívida, mas nem toda dívida é dinheiro – e por isso as dívidas privadas são algo tão complicado na condução de uma política monetária).

O que um governo faz numa situação dessas, especialmente um governo com moeda soberana? Gasto público, investimento público. O que ele não faz? Medidas de austeridade, ajuste fiscal. (A menos, claro, que você seja um daqueles personagens de piada que, na falta de se chamar Joaquim, é Pessôa que carrega Lisboa no nome).

Dilma Rousseff cursou mestrado/doutorado em Economia em Campinas. Não na PUC. Não na FGV. Não no INSPER. Não Ciências Sociais ou Direito, Economia! Não há argumento de “inguinorança” na linha “posto-ipiranguista” que possa ser feito sobre o que aconteceu no seu segundo governo, quando ela se livrou de Mantega, do conjunto de fiéis ao Lula que seguiram no primeiro governo dela. A decisão de ter Dilma retornando em 2015 pode ter sido automática, mas não foi unânime. Por exemplo, o então PR, que em 2019 retornaria ao seu nome original de PL, puxou um “Volta Lula”. Dentro do PT havia resistências a ela. Misoginia, segundo uma grande amiga.

Que houve misoginia contra Dilma, não há dúvida. Houve claramente contra Maria Silvia, mas não lembro de ninguém reclamando. Contra Rosinha, também não tenham dúvida, houve bastante. Como houve racismo contra o prefeito Pitta. Mas no nível dos ataques ao Nine? Sério, vocês não lembram da primeira década deste século?

Dilma tem um grande defeito/virtude. Esse atributo de personalidade, que fez dela a formidável gestora do PAC que foi, fez dela, em seu unpluged segundo mandato, uma péssima presidente (sim, escrevi péssima). Dilma excedia em seu micromanagement, na agressividade, na obsessão. É lendária a história dela com o avião presidencial e as turbulências. Eu poderia sintetizar o que diferentes pessoas dos mais variados matizes ideológicos e idades, que conviveram com ela em diferentes momentos e situações da vida, me descreveram numa palavra de três sílabas e com as três primeiras letras do alfabeto… deduzam qual pela epígrafe. Mas os ataques misóginos clássicos, histérica e emocional, não me lembro disso em relação à Dilma. Dilma é uma pessoa dura e calma, autoritária em sua rigorosa convicção técnica, executiva. Na metáfora que usei recentemente com essa grande amiga, que finalmente aceitou minha crítica a Dilma sem me chamar de misógino: Dilma é como um camisa 5 da linha Dunga/Mauro Silva, como um zagueiro do Vasco dos anos 70. Aquela coisa que a falta deles nas seleções de moços bem-comportados em Cristo que temos desde 2014 faz com que humilhações aconteçam nas Copas. Dilma tem a capacidade de violência verbal e mental necessária para fazer com que as coisas sigam no caminho que tem que seguir. O problema é que falta a flexibilidade que é necessária para um ator político, como um presidente da República do Brasil por exemplo, flexibilidade do ponto de vista gerencial e moral. O luterano Geisel lutou contra isso dentro de si, tendo o genial boêmio bêbado Simonsen como ministro da Fazenda, tendo que engolir o Maior Partido do Ocidente escolher Maluf para governador de São Paulo contra sua vontade.

Dilma, na sua ilusão de pessoa correta, com aversão a políticos e à corrupção por eles praticada, deixou que todo tipo de desmando e crescimento indevido do Sistema U acontecesse sob seu governo. Pior: deu corda e leis para esses excessos. Isso contribuiu infinitamente mais para o impeachment do que qualquer misoginia. A pressão de procuradores e outros burocratas antipetistas fez com que uma base parlamentar simpática a Lula se bandeasse desesperada para uma tábua de salvação “com o Supremo, com tudo”. E essa é a parte em que, romanticamente, ainda podemos ver ela como uma heroína trágica lutando contra essa perversa “política é como nuvem” que cínicos (como eu) dirão ser moinhos de vento.

“Mas apoiar o PT está fora de cogitação, o partido que destruiu Minas Gerais, que provocou a maior recessão do Brasil em 2015 e 2016, gerando mais de 10 milhões de desempregados, é um partido que não merece nenhum tipo de apoio pelos danos que já causou”. No dia do primeiro turno recebi um “kwai” do Zema falando isso. Reparem: não é roubalheira, não é pânico moral, não é comunismo. A crítica de Zema vai no ponto que, na minha interpretação de economista, faz do segundo governo Dilma um dos piores da história: a recessão de 2015. Para se ter um parâmetro: de 1962 para cá, seis anos tiveram uma queda de PIB acima de 1%:

– 1981 (-4,25%), após o segundo choque do petróleo, com a explosão dos juros sobre o dólar;

– 1983 (-2,93%), crise da dívida, bancarrota do México, reservas internacionais zeradas, dependência de petróleo importado levando a medidas de racionamento;

– 1990 (-4,35%), a maior contração de liquidez que você possa pensar em função do Plano Collor, que confiscou as poupanças financeiras para combater uma hiperinflação, com uma situação financeira internacional ainda muito complicada. A dependência de petróleo ainda era tal que ficamos neutros na Guerra do Golfo, pois o Iraque era um dos nossos maiores parceiros comerciais;

– 2015 (-3,55%), uma crise política interna. Reservas na casa das centenas de bilhões de dólares, dívida pública denominada em moeda estrangeira desprezível. Nenhuma restrição material externa. Sem maiores crises em âmbito mundial:

– 2016 (-3,31%), crise política interna com troca de presidente por meio de golpe. Reservas na casa das centenas de bilhões de dólares, dívida pública denominada em moeda estrangeira desprezível. Brexit e Trump, mas nada disso impactando assim os mercados;

– 2020 (-3,88%), a Covid e as medidas sanitárias que levaram a uma redução de atividades econômicas de natureza presencial, no Brasil e no Mundo.

Dá para perceber que há algo de errado no período 15-16, não dá? Não havia pressão externa nenhuma que justificasse uma contração da nossa economia. Não havia nenhum “ato de deus” a produzir paralisia. Não havia sequer uma hiperinflação em ressonância com um novo regime constitucional recém-entrado em vigor. O que, então, explica?

No início de 2015 está claro que a economia tem perspectivas de entrar em recessão. O que se esperaria seriam medidas para conter/controlar essa tendência. Por exemplo: com a expressiva crise internacional de 2008, o Brasil teve uma marolinha de -0,13% em 2009, seguida dos 7,5% que elegeram Dilma em 2010. Mas ali tivemos Mantega alocando crédito ao BNDES e ao restante do setor bancário público; e tivemos Dilma, ferreamente, garantindo que as obras do PAC viessem a acontecer. Já em 2015 a Área de Planejamento do BNDES passou meio ano discutindo como reduzir a participação nos empréstimos e empurrar custos de mercado tipo IPCA nos seus novos clientes. Qual seja: nós contribuímos para a contração da economia. E não fomos só nós.

Que Joaquim Levy, que depois viria a ser um breve e inexpressivo presidente do Banco sob Guedes, fosse incapaz de entender o que ele estava produzindo, fazendo um ajuste tipo FMI num país sem nenhum problema em suas contas externas, vá lá, um engenheiro naval que foi estudar economia em Chicago. Que o Planejamento, que nele a Secretaria de Orçamento e Finanças, que o Banco do Brasil, ou mesmo a Casa Civil onde ela pontificou, não entendessem isso e percebessem a gravidade dessas medidas contracionistas, bem, não há desculpas quanto a isso. Quase todos estudaram economia de fato, todos tinham o pulso do que se passava com o país em suas mãos. Pessoalmente eu esperaria alguma contrição dessas pessoas e da presidente Dilma, a tão propalada autocrítica que a imprensa de direita exigia ao PT (gente, isso é uma piada), de endereçar o ponto da crítica do Zema. Mas até agora ela não aconteceu.

Em Lula há a sagacidade que Dilma não teve e não tem, e isso me tranquiliza em relação a um governo que tem o regionalmente diverso e caoticamente democrático Centrão restaurado à sua base. Mas ele não tem mais Dilma, à margem da área econômica do governo e de suas crendices de superavit primário, para conduzir o novo PAC. E isso é preocupante.

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