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Somos todos racistas, por Rogerio Plank Goulart

VÍNCULO 1536 – Vou usar uma definição bem simples de racismo que li em “Memórias da Plantação”, de Grada Kilomba, com três palavras: diferença, hierarquia e poder.  

Quando acontece a diferenciação das pessoas por sua cor de pele (para a sociedade, o branco é o “normal”, as “Outras” são as outras) e a hierarquização dessas mesmas pessoas (as “Outras” são inferiores a nós) acontece o que chamamos de preconceito racial. Quando a dimensão “poder” entra em cena, é racismo. A utilização de “poder” aqui não diz respeito só à violência, física e/ou verbal, isso seria uma atitude atribuída ao “extremismo branco”. Estou falando de “poder” no sentido mais amplo, sua utilização em TODAS as estruturas da sociedade: histórica, política, social e econômica.  

O problema com o uso da palavra “Racismo” é que chamar alguém de “racista” é pior do que xingar a mãe. Pense, qual é a sua sensação em ser chamado de “Racista”? Faça uma pequena experiência. Fique em frente a um espelho e fale para você mesmo: Você é racista. Qual é sua sensação?  

A dificuldade de uma pessoa branca em conversar sobre “Racismo”, seja com pessoas brancas ou pessoas pretas, é o que Robin Diangelo no seu livro “Não basta não ser Racista” chama de “Fragilidade Branca”.  

O Brasil é o 2º em população negra (as pessoas que se autodeclaram pretas ou pardas), atrás apenas da Nigéria. É a maior diáspora negra no mundo.  

Nosso país desembarcou, ao longo de 4 séculos, mais de 5 milhões de seres humanos escravizados, vindos de várias partes da África. Esses escravizados eram retirados de sua terra natal, acorrentados, marcados a ferro quente (pelo menos 4 vezes!), transportados de forma desumana para uma terra que não conheciam. Ao chegar tinham que aprender a língua portuguesa, eram feitos “cristãos” e forçados a trabalhar em plantações de cana-de-açúcar, café, borracha, dentre outras. Os escravizados que tinham experiência em mineração na África eram obrigados a trabalhar extraindo ouro e diamante nas Minas Gerais, pois, acreditem, existiam muitos africanos com larga experiência prática nessa área, muito mais do que os colonizadores. Sobre isso, recomendo que leiam “Escravidão”, volumes I, II e III, de Laurentino Gomes, só o “I” já é um forte soco no estômago.

Aí você vai me perguntar: “O que eu tenho a ver com isso se a escravidão acabou em 1888?” Nós, pessoas brancas, temos muito a ver com isso, uma vez que a estrutura que montou a escravidão lá atrás – diferenciação, hierarquização e poder – se perpetua na sociedade atual.  

Exemplo: quando entramos num ambiente de poder, como a alta administração de uma empresa, um restaurante de luxo, uma equipe médica de um hospital, ou, em qualquer lugar composto predominantemente por pessoas brancas, e encontramos uma pessoa negra, pensamos que tem algo fora do normal. Isso porque, para a sociedade, o normal em espaço de poder é a pessoa branca. Os “Outros” estão fora de lugar e não deveriam estar ali, pois, já há uma ideia sistematizada e inconsciente de que eles, os “Outros”, são “inferiores” a nós. A sociedade normalizou a Branquitude, a Negritude são os “Outros”, que são “menos” que nós.

Comparando 4 livros que li de diferentes mulheres pretas, escritos a partir de 4 países diferentes (Alemanha, Reino Unido, Estados Unidos e Brasil): “Memórias da Plantação”, de Grada Kilomba; “Por que eu não converso mais com pessoas brancas sobre raça”, de Reni Eddo-Lodge; “Então você quer conversar sobre Raça”, de Ijeoma Oluo; e “Pequeno Manual Antiracista”, de Djamila Ribeiro, percebi que o sentimento das 4 mulheres, em relação a serem as “Outras”, é o mesmo.

A minha percepção como homem branco é que isso acontece porque o racismo é igual em toda parte.

Acho, sinceramente, que para deixarmos de ser racistas, a primeira coisa que temos que fazer é assumirmo-nos como racistas. Da mesma forma que, para começar a lutar contra o alcoolismo, a primeira coisa que devemos fazer é nos assumirmos como alcoólatras. Tente, juro que não vai doer. E talvez todos comecemos a enxergar os privilégios que a nossa branquitude nos proporciona (ver https://simaigualdaderacial.com.br/site/o-que-e-privilegio-brancoentenda/).

É preciso parar de pensar que vivemos numa “Democracia Racial”, onde todos são iguais e têm as mesmas oportunidades. Se você quer saber mais sobre discriminação racial, veja o site http://cedra.org.br. Lá tem uma série de gráficos mostrando a discriminação racial por diversos parâmetros. Todos os dados são provenientes de bases públicas.

Esses gráficos mostram, claramente, que existem discrepâncias muito grandes entre os Negros (os “Outros” da sociedade) e os Brancos (o “normal”).

Enfim, é isso, convido todos a pensar o que podemos fazer para acabar com a ideia de que tudo, emprego, vida escolar etc.., é definido com base na “meritocracia” e, realmente, tornar a nossa sociedade numa “Democracia Racial”, ou melhor, numa Democracia em que não exista mais o conceito de raça, “I have a dream”.

E para finalizar, gostaria de deixar a sugestão de duas leituras:

O “Pequeno Manual Antiracista” (já citado), da Djamila Ribeiro, e “Racismo Brasileiro”, de Ynaê Lopes dos Santos, que apresenta como o racismo esteve e está presente na sociedade brasileira através dos séculos. 

(*) Branco, racista em desconstrução.

► Leia também o artigo “Viagem à Pequena África – Retornando ao passado para compreender o presente e transformar o futuro”, de Deborah Passos, Fernanda Fernandes, Renata Braga, Roberta Azevedo e Rosana Nascimento, nesta edição do VÍNCULO.  

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