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Um banco para as cidades!

Luis Otavio de Abreu Reiff – Economista do BNDES, mestre IE-UFRJ

Vínculo 1236 – Três trilhões de reais! Esse é o preço para alcançarmos o desenvolvimento urbano. Anos e anos de descaso com as cidades e populações urbanas e rurais trazem este fardo. Nossas cidades, compostas de moradias, vias, equipamentos urbanos e culturais, estão destroçadas. Clamam socorro. Quanto tempo levaremos para chegarmos à civilização? 50, 100, 200 anos? A partir desta pergunta e da estimativa do valor necessário para realiza-lo é que este pequeno texto tenta desvendar este que parece ser um sonho de uma noite de verão. O texto buscará mostrar como se chegou a este número mágico e como transformá-lo em realidade.

O primeiro passo para construir estes números foi estimar o preço dos imóveis. Parte-se do princípio de que o valor de uma residência é determinado tanto por características intrínsecas (número de quartos, banheiros, qualidade da construção etc.) quanto de características externas (localização, amenidades, disponibilidade de serviços etc.). Estimou-se as elasticidades-preço das características de uma moradia, o que é conhecido na literatura como modelo de preços hedônicos.1

Nossos cálculos produziram os seguintes resultados. Ter uma coleta de lixo regular na média valoriza 26% um imóvel vis-à-vis àquele jogado em terreno baldio e 45% em relação à moradia cujo lixo não possui qualquer tipo de destinação. Ter água e esgoto minimamente tratados eleva o preço ou aluguel de uma residência em 20%. As pessoas ainda hoje no Brasil pagam 25% a mais para ter uma parede de alvenaria e 40% para ter um telhado de laje na sua casa em comparação ao uso de materiais como madeira reaproveitada e palha, respectivamente. Um segundo quarto, em média, vale 14% e um segundo banheiro vale 20% a mais. A canalização do gás implica um aumento de 16% nos preços do imóvel. E por aí vai. A lista de atributos estimados foi extensa, incluindo ainda serviços de banda larga, localização em região metropolitana, posse de automóvel (proxy para garagem) etc.

De posse desses números vem a questão: podemos estimar o valor do investimento necessário para universalizar as características físicas e locacionais das residências? Podemos considerar esta valorização das características hedônicas como a disposição a pagar (willingness to pay) por tais usos? Eles mostram que uma família chega a pagar em média R$ 26 mil por um imóvel e local similares apenas por uma coleta de lixo. Se vivêssemos em uma cidade intramuros, tais quais as cidades finitas da idade média e moderna, onde não havia serviços públicos, este seria o preço de mercado. Em uma localidade com, digamos, mil moradias, o máximo que poderia custar a instalação de um serviço de limpeza urbana seria R$ 26 milhões de investimento. Chegamos ao máximo do valor que as pessoas estariam dispostas a pagar por adicionar um atribuído físico ou locacional. E, portanto, o máximo a pagar pelo investimento necessário. Essa é a proxy que usaremos para nossos cálculos.

Daí em diante foi só verificar o número de moradias não cobertas por determinados serviços e estruturas arquitetônicas e realizarmos as estimativas. Chegou-se ao investimento de R$ 360 bilhões para transformarmos 4,5 milhões de residências com alguma precariedade em estruturas habitáveis. Para adicionamos maior conforto e chegarmos às famosas máquinas de viver do Le Corbusier, seriam outros R$ 670 bilhões, abarcando cerca de 60 milhões de imóveis e totalizando R$ 1,05 trilhão nas estruturas residenciais. Não queremos luxo nem lixo. Apenas casas e apartamentos com paredes, tetos e cômodos descentes e confortáveis. Obviamente, são contas resumidas dos investimentos em fundação, demolição, construção, acabamento da vida real. A infraestrutura urbana básica (saúde, educação, luz, saneamento, gás, limpeza, mobilidade, iluminação, lazer, cultura, segurança etc.) consumirá outros R$ 1,35 trilhão. Seriam R$ 270 bilhões para água e esgoto, outros R$ 116 bilhões para coleta de lixo e urbanização e R$ 960 bilhões para a canalização do gás. De novo cabe o disclaimer que embutido nestas contas estão todas as amenidades, equipamentos e serviços urbanos que estão correlacionados a estes serviços específicos, como a coleta do lixo e o gás canalizado ao invés do botijão.

Por fim, vem a infraestrutura do século XXI (banda larga, TV, serviços bancários e demais serviços digitais e atrelados a estes, como teatro, cinema, entretenimento, lazer etc.). São outros R$ 570 bilhões para atingirmos marcas de universalização de países civilizados. Precisamos arrumar R$ 3 trilhões, para ontem. De onde vem o dinheiro e como fazer?

Esse gap de investimento é quase o valor da nossa dívida pública federal. Embora em outros países, durante seus processos civilizatórios, coubesse à União contribuir com a maior parcela desse quinhão, o estabishment político e econômico de Pindorama dificilmente embarcaria nesta empreitada. Mesmo algum governante, comprometido com ideias civilizatórias, conseguiria fazer? E em que prazo? Para dobrarmos o tamanho da dívida, deveríamos dobrar o PIB. Com crescimento médio de 3,5% a.a. seriam necessários 20 anos. Isso sem que nenhuma outra prioridade passasse na frente e supondo despesas financeiras razoáveis. Mas em 50 anos, daria? Bem, precisaríamos investir $ 60 bilhões adicionais por ano. Algo como elevar a taxa de investimento líquido em 20%. Mas se deixarmos o curso normal da história recente, com uma política comensal? Bem, aí o máximo que poderíamos esperar são investimentos incrementais da ordem R$ 15 bilhões/ano. Em 2.220, isso mesmo, daqui a 200 anos chegaríamos ao que Europa, EUA e Japão são hoje.

Não! Podemos e devemos fazer diferente. “Será que nunca faremos senão confirmar / A incompetência da América Católica / Que sempre precisará de ridículos tiranos?” A experiência internacional e histórica nos indica que o primeiro caminho é criar uma instituição com esta missão. Já tivemos (BNH). Foi destruído. Propomos chamá-la de Banco Nacional das Cidades (BNC). R$ 60 bilhões de investimento anual médio são possíveis. Faremos um pacto civilizatório por 50 anos. São duas gerações. Chamemos de “Banco Civilizatório” ou “Banco da Civilização”!

Esta instituição teria no máximo 700 empregados. Começaria com menos, claro. Seria uma estrutura enxuta, ágil e eficaz. Prestaria contas com resultados. Metas, entregas e avaliação. Processos eficientes. Sem burocratas. Teria um funding alternativo. Um percentual do crescimento real das receitas municipais, por exemplo. Um passivo inicial, para os primeiros 10 anos, de R$ 150 bilhões, entre debt e equity. Alavancagem com outras fontes de financiamento. Chegaria a R$ 600 bilhões de financiamento em 10 anos. Prazos médios precisam ser longos – 10, 20, 30 anos para pagar. Outros e outros R$ 150 bilhões far-se-ão necessários. O sucesso lhe trará respaldo e fundos.

O ano de 2.220 é mais do que um choque. É um escárnio. Não temos tempo a perder. Mãos à obra!
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Ver Reiff, LO e Reis, EJ. Estoque de Capital em Residências no Brasil (1970-1999), TD 2265, IPEA, dez 2016. Para estimativas atualizadas consulte o autor

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